Nos anos 70 o Herberto vivia em Luanda e trabalhava na revista Noticia, trazido pelo João Fernandes, director e autor da crónica semanal "Chuva e Bom Tempo". Eu próprio, na época tinha uma crónica semanal, "A Descoberta da Ilha", título tirado de um poema do Brasileiro Jorge de Lima.
Conosco um poeta Açoreano, que consta dos anais dos surrealistas Portugueses, o José Sebag. Escrevia-se muito bom Português, naquele tempo no Noticia. E bebia-se melhor. Tinhamos uma sede devastadora.
O José Sebag não resisitiu. Morreu cedo.
Mas vou contar uma história dele:
- O Zé Sebag para ganhar uns tostões até discursos escreveria. Lembro-me de ele ter escrito uma reportagem na linguagem do fotógrafo que cobriu o acontecimento, óptimo fotografo mas incapaz de escrever a história. Ele contou a história ao Zé Sebag e pudemos ler a reportagem como se tivesse sido escrita pelo fotógrafo. Uma pequena maravilha.
- Tinha um gancho na Revista das Pescas, dirigida pela Maria Virginia Aguiar, que lhe entregou a Página literária. A certa altura já havia 2 meses de pagamento da colaboração em atraso e o Zé andava muito nervoso, como sempre sem cheta e cheio de sede.
A Maria Virginia sempre a correr, metida nas habituais complicações. O Zé desesperado.
Ela pede ao Zé Sebag que entregue no último dia, já na tipografia, a página literária pois ela lhe pagaria na próxima semana.
E a Revista das Pescas saiu com Página literária. Em letras garrafais o Zé Sebag tinha escrito: - Página literária ----- Uma Ova.
Fez um sucesso, como se pode imaginar.
O Herberto teve a sorte de encontrar uma Angolana - a Olga que o agarrou até hoje e o mantem no seu isolamento tão profíquo.
(José Alçada, a.k.a. N'Kissi Yangue")
Sobre o Poema
Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.
Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
— a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.
E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.
— Embaixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
— E o poema faz-se contra o tempo e a carne.
Herberto Helder
POESIA
BIOGRAFIA
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