Sunday, 5 June 2011

Just Poetry XLII





[…não me lembres dos traumas
nem fales de fantasmas
quando sonho com
todos os companheiros
que sinto perder na batalha
a cada tempo
...

Extracto de ‘Ralhete’ – A.S. in S.O.S.]



"J'ai envie de parler de la rose et du rossignol, d'une belle journee et d'une belle vie... mais la vie me tient par le poignet et je tombe comme si j'avais une pierre au cou jusqu'au fond de la realite."




TERRA QUEIMADA


I.

As asas do
Humbiumbi
sucumbem ao vento
leste da chana
rasgando a bandeira
da mátria adiada
sob a lama vermelha
o capim seco
ruivo
cobrindo da pele
as cicatrizes.


II.

A frente encharca-se de ouro negro
perdendo da roda dentada o equilíbrio
o livro da ideologia importada em décima mão
de Alemanha URSS China Cuba
Albânia Argélia Jugoslávia Portugal Absurdistão
e emborcada á pressa com mau vinho kimbombo
e kissângwa de ananaz fermentada com kaporroto
chouriço bacalhau e funge com todos
ingredientes importados de avulsas origens
mal digerida e expelida lentamente
com fumo de liamba axixe cocaína e heroína
do Homem Novo da Mulher Emancipada
do Poder Popular e do Socialismo Científico
da Trincheira Firme da Revolução em África
da longa noite colonial engravidada de punhais
pelos que lutaram
e emprenhada em pleno dia de pretensos afectos
pelos que ficaram
e do Projecto de Sociedade
de preconceitos racismos complexos
estigmatizações discriminações
e da eterna questão da melanina

que
a Preto e Branco

à A.C. premeia com o mais alto galardão
de Mãe do Vulturismo Kontemporâneo
e da Arrogância Ignorante em Afrika
especialista em bestialidade kulturral
e na estética dos corpos sem alma
Komandante-em-chefe da Arte Plastifikada
Diva da Pornografia Nacional
(des)organizada decadente racista
korrupta e korruptora
lésbica egocêntrica falocêntrica eurocêntrica
ninfomaníaca narcisista sadomasoquista
psicopata supremacista branca neo-nazi
bronzeando-se nas praias do dolce fare niente
por mais de uma década até que
da noite para o dia consegue renascer das cinzas
graças ao génio e às artes mágicas da K.
injectando as beiças e a peida de silicone
tentando maskarar o que tem de eskebra do kolono
e á viva força virar
mais Angolana que a Angolanidade
mais Africana que a Africanidade
mais Negra que a Negritude
e mais Autêntica que a Autenticité
desconseguindo ser economista
desnudando-se nos palcos da devassidão
patrocinados por todos os p(h)oderes
ao som de Wagner porras e merdas
e ao sabor de cocktails
de lágrimas de crocodilo
tingidas de sangue de galinha
e sumos de tomate melão e melancia

[...]

à A.S. transforma
em pobre e insignificante criatura rejeitada
saco de pancadaria real ou virtual
bode expiatório e tubo de escape
para recalcamentos inseguranças inaptidões
incapacidades complexos depressões
ressaibos parasitismos frustrações
inépcias mediocridades manipulações
e faltas de carácter e integridade de todo o mundo
enlameia o nome devassa a vida privada
lincha em praça pública
mata a poesia por entre gargalhadas na noite
pornografias masturbações
solitários orgasmos lúgubres
receitas de culinária cinismo e hipocrisia
de psikologias de kintal, psikopatias de jornal
e etnologias de kurral
tenta objectificar sexualmente
amputar o génio e a identidade
extirpar a serenidade e o sorriso
persegue como a um animal
envia feitiço e presentes envenenados pelo correio
ameaça de morte tenta enterrar viva
esmaga como a uma barata
coloca sob escuta e vigia
faz perder os sentidos
amputa a carreira acadêmica e profissional
acusa de crimes de lesa-pátria de criar e educar filho sózinha
de atrevimentos políticos de calculadora da paz
liberdade democracia e direitos humanos
e de virar conselheira técnica internacional
oblitera do tempo da memória e apaga do espaço da existência
para melhor a poder manter como seu preferido tabu
de secreto uso desuso e abuso
rouba a casa e a nacionalidade
nomeia Diva da Zunga Internacional
esmolando gazozas em dólares
apelida de estrela errada
declara inimiga pública número um
e joga para a sarjeta e indigência
dos escravos sem alforria junto com o órfão que designa
coiso de filho bastardo



à K. eclipsa
à M. brutaliza amargura e infantiliza
à N. enche a cabeça de perucas
as mãos de dinheiro
os pés de carros
a boca de podres
a barriga de reis
e verga aos algozes
à T. amarga a boca de fel
à P. vaga a face de riso
à Q. acomoda à pequenez e à poligamia
à A.M. faz a língua viperina acérbica corrosiva rancorosa
intriguista trungungueira kuribota koskuvilheira
e alcoviteira-m(aj)or
à O. turva o olhar de ciúme inveja e ódio
à I.M. anestesia e ajoelha ao altar
à M. esfuma por entre passos de ballet
e luzes de cabaret
à F.P. evapora
à A.P. marginaliza
à E. aniquila
à P.M. descarta
à A.F. etiliza
à outra A.F. aperalta e equivoca
à A.B. aliena
à M.T. amestra à bófia e faz dar bandeira
à W.L. ensandece
à P.F. afugenta
à A.N. domestica á pancada
à C.P. alucina e patenteia intriguista, caliadora
e manipuladora-em-chefe
e aos seus companheiros cega ensurdece e emudece

[...]

ao A.F. miniaturiza caricaturiza e ridiculariza
ao W.P. expulsa e transforma em caixeiro-viajante
ao J. envenena
ao T. desaparece
ao outro T. ao S. e ao L.K. chacina no 27
junto com muitos outros milhares
ao J. faz carne para canhão
entre os incontáveis batalhões perdidos
na Guerra dos 30 anos
ao M. e ao G. mais os miúdos lá do bairro
deporta para as pedreiras da Tugália
ao C. e aos seus kambas torna refractários
e refugia na arte dos afectos políticamente incorrectos
ao D. mais várias dezenas dizima
na Sexta Feira Sangrenta
ao A. especializa em vendedor ambulante
da Nação Krioula em Alemão
urdindo brandindo e esgrimindo as suas raízes mais profundas
decepadas em fronteiras perdidas entre o Norte e o Sul
ao F. elege ex-oficial da Ditadura do Proletariado
e da Sociedade sem Classes
renovado Homo Democraticus e capataz da Recolonização
de dedo em riste nariz empinado
e dono da verdade absoluta e sabedoria de todo o mundo
ao H. transveste de líder dos Komités José Estaline
em DJ de Punk Rock
ao O. e ao J. torna adictos
e a alguns dos seus correlegionários bêbados ou bufos
feios porcos e maus mal educados e pior formados
ton-tons makutes sem lei nem rei nem roque
e muito menos escrúpulos
todos de panças a rebentar pelas costuras
egos super-deficitários e soberbas hiper-inflacionadas
ao A. mata de SIDA de tantas orgias e bakanais
ao C. faz pedófilo
ao M. perde o pio e hipoteca a vida

[...]

ao Q.P. enlouquece
ao N.F. exila
ao J.M. muda o nome
ao outro J.M. embrutece
ao R.A. enriquece
ao S.V. enrudece
ao G. secretiza
ao M. vende à política meretriz
ao B.B. mostra os caminhos da duplicidade
entristece e diz feliz por um triz
ao X. falha os tiros na cabeça
a determinação o petróleo
e o fogo do D.


III.



As asas da liberdade perecem sob a catana
a pele dilacera-se a bikadas
de pássaros enfeitiçados de todas as latitudes
a chana vira o inferno na terra
enquanto a estrela encandecida
do maior kimberlito do mundo
prenhe de incertezas
incendeia a bandeira da terra queimada
de Pombeiros de Corta Mato
e Povos das Ilhas Crioulas de Além-Mar
mais de Netos e Holdens Laras e Cruzes
Nitos e Jonas Anjos e Demónios
Santos e Flores que mal se cheiram

[...]

de Dambas e Jambas
Vila Alices e Rangéis
Miramares e Sambilas
Cruzeiros e B.O.s
Maiangas e Katambores
Minas e Covas
Piscinas e Valas Comuns
Purgas e Guerras
Pogroms e Chacinas
Incensos e Napalms
Miradouros e Tundavalas

[...]

de Revoluções e Frustrações
Ilusões e Desilusões
Descolonizações e Neocolonizações
Desumanizações e Repulsões
Crimes e Ocultações
Corrupções e Co-optações
Comissões e Comichões
Milhões e Tostões
Ostentações e Privações
Presunções e Bajulações
Repressões e Intimidações
Obcessões e Negações
Fixações e Manipulações
Rejeições e Maldições
Inversões e Perversões
Predações e Depravações
Violações e Traições
Simulações e Dissimulações
Fricções e Sublimações
Crispações e Explosões
Espíritas e Escrivões
Abóboras e Melões

[...]

de Paskineiros e Novo-Jornaleiros
da Nova Angola
Copianços e Mimetismos
de banga de Avante e A Bola
trocada por Playboy
e Wall Street Journal
Censuras e Auto-Censuras
Cortinas de Fumo e de Ferro
Executivos e Executados
Vergados e Deputados
Doutores e Iletrados
Paiados e Enfeudados
Prepotências e Subserviências
Aparências e Iludências
Aparudências e Incontinências
Indulgências e Inocências
de (pseudo)ciências sem consciência
almas cobertas de indecências
mentes repletas de desinteligências
olhos vidrados de impudências
bocas cheias de maledicências
punhos cerrados de insolências
negras krioulas velhacas bezugas
com mentalidade de escravas de roça de cacau
em suas canoas furadas e caravelas desengonçadas
de Sagres Ceitas Ceutas e Vera-Cruzes
e Amélias de Lombo Ignorante e Atrevido
feitas Mães da Negritude Branca Pós-Colonial
que por se sentirem discriminadas e privadas de sexo
alegadamente por suas históricas diferenças fenotípicas
se arrogam o direito de deixar cicatrizes no cérebro
e matar lapidar e impunemente todo o mundo

[...]

Opinionistas e Embusteiros
Brigadistas e Patrulheiros
Planistas e Trapaceiros
Estridentes Patrioteiros
Hipócritas Vende Pátrias
Famigerados Oportunistas
Terroristas e Chantagistas
Fantasistas e Ilusionistas
Difamadores e Intriguistas
Mercadores e Sacristas

[...]

Regressados e Retornados
Expoliados e Expatriados
Janados e Embriagados
Komprados e Invertebrados
Minions e Kabungados
Wasalukas e Tresloucados
Wazanukas e Siderados
Tarados e Despeitados
Homenageados e Premiados
Jubilados e Engalanados
Medalhados e Agraciados
por Montros Raciais
e Taras Tribais

[...]

de Mais-Velhos á Toa
Kotas que Não Dão Nada
Idosos Imaturos
Tios Sem Juízo
Meninos de Rua e Senhores de Palácios
Zungueiras e Madames de Gabinetes
Pachecos e Roboteiros
Griffados e Esfarrapados
Falidos e Falhados
Misses e Modelos
Divas e Prima Donas
Velhotas e Velhacas
Bruacas e Catorzinhas
Ninfas e Ninfetas
Belles de Jour e Proxenetas
Porshes e Lamborghinis
Enfermos Execráveis Putos Pés-Descalcos
Porras Merdas e Berdamerdas
Violadores e Assassinas
Pedófilos e Prostitutas
Chacais e Abutres
Cobras e Hienas
Vultos e Ogros
Sagrados Monstros
Inegáveis Patifes
Lúcidos Sanguessugas
que comem tudo
e não deixam nada

[...]

de Valores e Princípios
corrompidos invertidos
e subvertidos
Imoralidades e Amoralidades
Venalidades e Leviandades
onde Cristãos e Marxistas
Padres e Feiticeiros
Fascistas e Democratas
Esquerdistas e Direitistas
Oposicionistas e Situacionistas
Novos e Velhos Ricos
Mortos e Vivos
lêem a mesma cartilha
comungam a mesma fé
pregam a mesma teoria
regem-se pela mesma praxis
e comem do mesmo tacho
moral ética e deontologia
dormem a mesma antecipada reforma.


IV.

As asas do Humbihumbi queimam-se
na fogueira das bruxas
o capim soçobra a talhes de foice
as cicatrizes reabrem-se a golpes de (Aka)martelo
a memória conspurca-se a invectivas de lama e ódio
o chão abre-se sugando o líquido das veias
sob as botas da Terra Mãe

onde

Arrogância e Ignorância
Burrice e Petulância
Complexos de Superioridade
e de Inferioridade
Inteligência e Indigência
andam de mãos dadas
Mel e Fel se mesclam nas mesmas saladas
Nzingas Mbandis e Marias da Fonte
disfarçam-se no mesmo baile de máskaras
Museus da Escravatura e de Ana Joaquina
disputam a mesma praça
Colonizados e Colonizadores erguem a mesma taça
Sagrado e Profano se confundem num mesmo abraço
Milindros e Melindres rodopiam no mesmo laço
Ballet e Kambwá trocam o mesmo passo
Kuduro e Klássika entoam o mesmo compasso
Gerações A, R, X, Y e Z disputam o mesmo pedaço

[...]

Amor e Ódio
partilham a mesma orgíaca devassa de Sodomas e Gomorras
o Vício se torna Virtude o Sexo comanda a Vida
Bairro Alto e Cidade Alta se reúnem
na mesma Comuna de Feiras de Vaidades
todos os p(h)oderes provêm dos mesmos bordéis
orgias e bakanais e se masturbam com a mesma pornografia
criada nos prostíbulos de suas pérfidas
sórdidas e torpes elocubrações
em ritos satânicos de passagem para as arcádias e minervas
de Bacos e Lesbos Édipos e Electras
Pasárgadas matando Afrodites e castrando Eros
o monstro do racismo emerge da lagoa a cada tempo
todos os sonhos viram pesadelo
a Dignidade Humana
não vale um sopro
para se ser tem que se ter

e para se ser feliz

tem que se saber calar
ou não deixar fugir demasiado
a boca para a verdade
encastelar-se na mentira
nem pensar falar de raças ou racismos
gênero etnias ou tribalismos
convém saber sempre o que nos espera
aprender a beber na maratona da paz podre
e alienar-se à volta da fogueira
da literatura de bordel
arte plastifikada música desalmada
poesia komodifikada kultura akulturada
saber manter-se na crista da onda
(re)pagar ad-eternum com juros hiper-inflacionados
em mercado aberto na praça pública
a hipoteca expirada da amizade e família
manipuladas pelo contexto e transformadas
em pratos em que se debikou
solver as (des)funcionalidades de um estado feudal
um império do mal uma mentalidade medieval
transmudar-se para as novas centralidades
de gente triste sorrindo sofrendo contente
saldar as dívidas sarar as feridas
de um povo muito especial
de barriga cheia de fome e misérias
e bwé de kilapié de uma sociedade demente
em que socialismo virou paranóia
de ascensão social e psicose de exclusão social
brandir a vida no fio da navalha
perder a alma rebentar a granada do peito
e mergulhar de borco no dilúvio do ouro negro
e do eterno luto da bandeira da (ex)Dipanda
jurar silêncio de mão esquartejada ao peito
à sua sombra esquecer o sangue vertido
nas frentes do seu rubro ruivo
e o pioneiro que a içou pela primeira vez
emprenhar de ouvido o hino
propriedade exclusiva do sicrano que o pariu
afinar o pretoguês gritar estamos sempre a subir
publicar muitos livros fazer muitos filhos
cair nas armadilhas do ignominoso adiantamento da raça
queimar fitas diplomas canudos méritos referências
cortar raízes olvidar ancestrais
ressuscitar súbitamente do longo suicídio de classe
acordar bruscamente do sonho abraçar o futuro truncado
conter a superficialidade do toque e a esterilidade do gesto
ser capaz de lidar com a precaridade do amor e a perpetuidade do mal
ignorar a espada de Dámocles gerir o projecto vencedor de morte
enterrar o espírito varrer as cinzas da alma
sustentar o peso do ser

e poder voar nas barbas do bando.

Inegáveis Patifes!

[K. 2011]






Humbi-Humbi
[Filipe Mukenga, Andre' Mingas]




Castelo de Areia

Atestar de palavras
o muro de silêncio.

Breyten Breytenbach





[…não me lembres dos traumas
nem fales de fantasmas
quando sonho com
todos os companheiros
que sinto perder na batalha
a cada tempo
...

Extracto de ‘Ralhete’ – A.S. in S.O.S.]



"J'ai envie de parler de la rose et du rossignol, d'une belle journee et d'une belle vie... mais la vie me tient par le poignet et je tombe comme si j'avais une pierre au cou jusqu'au fond de la realite."




TERRA QUEIMADA


I.

As asas do
Humbiumbi
sucumbem ao vento
leste da chana
rasgando a bandeira
da mátria adiada
sob a lama vermelha
o capim seco
ruivo
cobrindo da pele
as cicatrizes.


II.

A frente encharca-se de ouro negro
perdendo da roda dentada o equilíbrio
o livro da ideologia importada em décima mão
de Alemanha URSS China Cuba
Albânia Argélia Jugoslávia Portugal Absurdistão
e emborcada á pressa com mau vinho kimbombo
e kissângwa de ananaz fermentada com kaporroto
chouriço bacalhau e funge com todos
ingredientes importados de avulsas origens
mal digerida e expelida lentamente
com fumo de liamba axixe cocaína e heroína
do Homem Novo da Mulher Emancipada
do Poder Popular e do Socialismo Científico
da Trincheira Firme da Revolução em África
da longa noite colonial engravidada de punhais
pelos que lutaram
e emprenhada em pleno dia de pretensos afectos
pelos que ficaram
e do Projecto de Sociedade
de preconceitos racismos complexos
estigmatizações discriminações
e da eterna questão da melanina

que
a Preto e Branco

à A.C. premeia com o mais alto galardão
de Mãe do Vulturismo Kontemporâneo
e da Arrogância Ignorante em Afrika
especialista em bestialidade kulturral
e na estética dos corpos sem alma
Komandante-em-chefe da Arte Plastifikada
Diva da Pornografia Nacional
(des)organizada decadente racista
korrupta e korruptora
lésbica egocêntrica falocêntrica eurocêntrica
ninfomaníaca narcisista sadomasoquista
psicopata supremacista branca neo-nazi
bronzeando-se nas praias do dolce fare niente
por mais de uma década até que
da noite para o dia consegue renascer das cinzas
graças ao génio e às artes mágicas da K.
injectando as beiças e a peida de silicone
tentando maskarar o que tem de eskebra do kolono
e á viva força virar
mais Angolana que a Angolanidade
mais Africana que a Africanidade
mais Negra que a Negritude
e mais Autêntica que a Autenticité
desconseguindo ser economista
desnudando-se nos palcos da devassidão
patrocinados por todos os p(h)oderes
ao som de Wagner porras e merdas
e ao sabor de cocktails
de lágrimas de crocodilo
tingidas de sangue de galinha
e sumos de tomate melão e melancia

[...]

à A.S. transforma
em pobre e insignificante criatura rejeitada
saco de pancadaria real ou virtual
bode expiatório e tubo de escape
para recalcamentos inseguranças inaptidões
incapacidades complexos depressões
ressaibos parasitismos frustrações
inépcias mediocridades manipulações
e faltas de carácter e integridade de todo o mundo
enlameia o nome devassa a vida privada
lincha em praça pública
mata a poesia por entre gargalhadas na noite
pornografias masturbações
solitários orgasmos lúgubres
receitas de culinária cinismo e hipocrisia
de psikologias de kintal, psikopatias de jornal
e etnologias de kurral
tenta objectificar sexualmente
amputar o génio e a identidade
extirpar a serenidade e o sorriso
persegue como a um animal
envia feitiço e presentes envenenados pelo correio
ameaça de morte tenta enterrar viva
esmaga como a uma barata
coloca sob escuta e vigia
faz perder os sentidos
amputa a carreira acadêmica e profissional
acusa de crimes de lesa-pátria de criar e educar filho sózinha
de atrevimentos políticos de calculadora da paz
liberdade democracia e direitos humanos
e de virar conselheira técnica internacional
oblitera do tempo da memória e apaga do espaço da existência
para melhor a poder manter como seu preferido tabu
de secreto uso desuso e abuso
rouba a casa e a nacionalidade
nomeia Diva da Zunga Internacional
esmolando gazozas em dólares
apelida de estrela errada
declara inimiga pública número um
e joga para a sarjeta e indigência
dos escravos sem alforria junto com o órfão que designa
coiso de filho bastardo



à K. eclipsa
à M. brutaliza amargura e infantiliza
à N. enche a cabeça de perucas
as mãos de dinheiro
os pés de carros
a boca de podres
a barriga de reis
e verga aos algozes
à T. amarga a boca de fel
à P. vaga a face de riso
à Q. acomoda à pequenez e à poligamia
à A.M. faz a língua viperina acérbica corrosiva rancorosa
intriguista trungungueira kuribota koskuvilheira
e alcoviteira-m(aj)or
à O. turva o olhar de ciúme inveja e ódio
à I.M. anestesia e ajoelha ao altar
à M. esfuma por entre passos de ballet
e luzes de cabaret
à F.P. evapora
à A.P. marginaliza
à E. aniquila
à P.M. descarta
à A.F. etiliza
à outra A.F. aperalta e equivoca
à A.B. aliena
à M.T. amestra à bófia e faz dar bandeira
à W.L. ensandece
à P.F. afugenta
à A.N. domestica á pancada
à C.P. alucina e patenteia intriguista, caliadora
e manipuladora-em-chefe
e aos seus companheiros cega ensurdece e emudece

[...]

ao A.F. miniaturiza caricaturiza e ridiculariza
ao W.P. expulsa e transforma em caixeiro-viajante
ao J. envenena
ao T. desaparece
ao outro T. ao S. e ao L.K. chacina no 27
junto com muitos outros milhares
ao J. faz carne para canhão
entre os incontáveis batalhões perdidos
na Guerra dos 30 anos
ao M. e ao G. mais os miúdos lá do bairro
deporta para as pedreiras da Tugália
ao C. e aos seus kambas torna refractários
e refugia na arte dos afectos políticamente incorrectos
ao D. mais várias dezenas dizima
na Sexta Feira Sangrenta
ao A. especializa em vendedor ambulante
da Nação Krioula em Alemão
urdindo brandindo e esgrimindo as suas raízes mais profundas
decepadas em fronteiras perdidas entre o Norte e o Sul
ao F. elege ex-oficial da Ditadura do Proletariado
e da Sociedade sem Classes
renovado Homo Democraticus e capataz da Recolonização
de dedo em riste nariz empinado
e dono da verdade absoluta e sabedoria de todo o mundo
ao H. transveste de líder dos Komités José Estaline
em DJ de Punk Rock
ao O. e ao J. torna adictos
e a alguns dos seus correlegionários bêbados ou bufos
feios porcos e maus mal educados e pior formados
ton-tons makutes sem lei nem rei nem roque
e muito menos escrúpulos
todos de panças a rebentar pelas costuras
egos super-deficitários e soberbas hiper-inflacionadas
ao A. mata de SIDA de tantas orgias e bakanais
ao C. faz pedófilo
ao M. perde o pio e hipoteca a vida

[...]

ao Q.P. enlouquece
ao N.F. exila
ao J.M. muda o nome
ao outro J.M. embrutece
ao R.A. enriquece
ao S.V. enrudece
ao G. secretiza
ao M. vende à política meretriz
ao B.B. mostra os caminhos da duplicidade
entristece e diz feliz por um triz
ao X. falha os tiros na cabeça
a determinação o petróleo
e o fogo do D.


III.



As asas da liberdade perecem sob a catana
a pele dilacera-se a bikadas
de pássaros enfeitiçados de todas as latitudes
a chana vira o inferno na terra
enquanto a estrela encandecida
do maior kimberlito do mundo
prenhe de incertezas
incendeia a bandeira da terra queimada
de Pombeiros de Corta Mato
e Povos das Ilhas Crioulas de Além-Mar
mais de Netos e Holdens Laras e Cruzes
Nitos e Jonas Anjos e Demónios
Santos e Flores que mal se cheiram

[...]

de Dambas e Jambas
Vila Alices e Rangéis
Miramares e Sambilas
Cruzeiros e B.O.s
Maiangas e Katambores
Minas e Covas
Piscinas e Valas Comuns
Purgas e Guerras
Pogroms e Chacinas
Incensos e Napalms
Miradouros e Tundavalas

[...]

de Revoluções e Frustrações
Ilusões e Desilusões
Descolonizações e Neocolonizações
Desumanizações e Repulsões
Crimes e Ocultações
Corrupções e Co-optações
Comissões e Comichões
Milhões e Tostões
Ostentações e Privações
Presunções e Bajulações
Repressões e Intimidações
Obcessões e Negações
Fixações e Manipulações
Rejeições e Maldições
Inversões e Perversões
Predações e Depravações
Violações e Traições
Simulações e Dissimulações
Fricções e Sublimações
Crispações e Explosões
Espíritas e Escrivões
Abóboras e Melões

[...]

de Paskineiros e Novo-Jornaleiros
da Nova Angola
Copianços e Mimetismos
de banga de Avante e A Bola
trocada por Playboy
e Wall Street Journal
Censuras e Auto-Censuras
Cortinas de Fumo e de Ferro
Executivos e Executados
Vergados e Deputados
Doutores e Iletrados
Paiados e Enfeudados
Prepotências e Subserviências
Aparências e Iludências
Aparudências e Incontinências
Indulgências e Inocências
de (pseudo)ciências sem consciência
almas cobertas de indecências
mentes repletas de desinteligências
olhos vidrados de impudências
bocas cheias de maledicências
punhos cerrados de insolências
negras krioulas velhacas bezugas
com mentalidade de escravas de roça de cacau
em suas canoas furadas e caravelas desengonçadas
de Sagres Ceitas Ceutas e Vera-Cruzes
e Amélias de Lombo Ignorante e Atrevido
feitas Mães da Negritude Branca Pós-Colonial
que por se sentirem discriminadas e privadas de sexo
alegadamente por suas históricas diferenças fenotípicas
se arrogam o direito de deixar cicatrizes no cérebro
e matar lapidar e impunemente todo o mundo

[...]

Opinionistas e Embusteiros
Brigadistas e Patrulheiros
Planistas e Trapaceiros
Estridentes Patrioteiros
Hipócritas Vende Pátrias
Famigerados Oportunistas
Terroristas e Chantagistas
Fantasistas e Ilusionistas
Difamadores e Intriguistas
Mercadores e Sacristas

[...]

Regressados e Retornados
Expoliados e Expatriados
Janados e Embriagados
Komprados e Invertebrados
Minions e Kabungados
Wasalukas e Tresloucados
Wazanukas e Siderados
Tarados e Despeitados
Homenageados e Premiados
Jubilados e Engalanados
Medalhados e Agraciados
por Montros Raciais
e Taras Tribais

[...]

de Mais-Velhos á Toa
Kotas que Não Dão Nada
Idosos Imaturos
Tios Sem Juízo
Meninos de Rua e Senhores de Palácios
Zungueiras e Madames de Gabinetes
Pachecos e Roboteiros
Griffados e Esfarrapados
Falidos e Falhados
Misses e Modelos
Divas e Prima Donas
Velhotas e Velhacas
Bruacas e Catorzinhas
Ninfas e Ninfetas
Belles de Jour e Proxenetas
Porshes e Lamborghinis
Enfermos Execráveis Putos Pés-Descalcos
Porras Merdas e Berdamerdas
Violadores e Assassinas
Pedófilos e Prostitutas
Chacais e Abutres
Cobras e Hienas
Vultos e Ogros
Sagrados Monstros
Inegáveis Patifes
Lúcidos Sanguessugas
que comem tudo
e não deixam nada

[...]

de Valores e Princípios
corrompidos invertidos
e subvertidos
Imoralidades e Amoralidades
Venalidades e Leviandades
onde Cristãos e Marxistas
Padres e Feiticeiros
Fascistas e Democratas
Esquerdistas e Direitistas
Oposicionistas e Situacionistas
Novos e Velhos Ricos
Mortos e Vivos
lêem a mesma cartilha
comungam a mesma fé
pregam a mesma teoria
regem-se pela mesma praxis
e comem do mesmo tacho
moral ética e deontologia
dormem a mesma antecipada reforma.


IV.

As asas do Humbihumbi queimam-se
na fogueira das bruxas
o capim soçobra a talhes de foice
as cicatrizes reabrem-se a golpes de (Aka)martelo
a memória conspurca-se a invectivas de lama e ódio
o chão abre-se sugando o líquido das veias
sob as botas da Terra Mãe

onde

Arrogância e Ignorância
Burrice e Petulância
Complexos de Superioridade
e de Inferioridade
Inteligência e Indigência
andam de mãos dadas
Mel e Fel se mesclam nas mesmas saladas
Nzingas Mbandis e Marias da Fonte
disfarçam-se no mesmo baile de máskaras
Museus da Escravatura e de Ana Joaquina
disputam a mesma praça
Colonizados e Colonizadores erguem a mesma taça
Sagrado e Profano se confundem num mesmo abraço
Milindros e Melindres rodopiam no mesmo laço
Ballet e Kambwá trocam o mesmo passo
Kuduro e Klássika entoam o mesmo compasso
Gerações A, R, X, Y e Z disputam o mesmo pedaço

[...]

Amor e Ódio
partilham a mesma orgíaca devassa de Sodomas e Gomorras
o Vício se torna Virtude o Sexo comanda a Vida
Bairro Alto e Cidade Alta se reúnem
na mesma Comuna de Feiras de Vaidades
todos os p(h)oderes provêm dos mesmos bordéis
orgias e bakanais e se masturbam com a mesma pornografia
criada nos prostíbulos de suas pérfidas
sórdidas e torpes elocubrações
em ritos satânicos de passagem para as arcádias e minervas
de Bacos e Lesbos Édipos e Electras
Pasárgadas matando Afrodites e castrando Eros
o monstro do racismo emerge da lagoa a cada tempo
todos os sonhos viram pesadelo
a Dignidade Humana
não vale um sopro
para se ser tem que se ter

e para se ser feliz

tem que se saber calar
ou não deixar fugir demasiado
a boca para a verdade
encastelar-se na mentira
nem pensar falar de raças ou racismos
gênero etnias ou tribalismos
convém saber sempre o que nos espera
aprender a beber na maratona da paz podre
e alienar-se à volta da fogueira
da literatura de bordel
arte plastifikada música desalmada
poesia komodifikada kultura akulturada
saber manter-se na crista da onda
(re)pagar ad-eternum com juros hiper-inflacionados
em mercado aberto na praça pública
a hipoteca expirada da amizade e família
manipuladas pelo contexto e transformadas
em pratos em que se debikou
solver as (des)funcionalidades de um estado feudal
um império do mal uma mentalidade medieval
transmudar-se para as novas centralidades
de gente triste sorrindo sofrendo contente
saldar as dívidas sarar as feridas
de um povo muito especial
de barriga cheia de fome e misérias
e bwé de kilapié de uma sociedade demente
em que socialismo virou paranóia
de ascensão social e psicose de exclusão social
brandir a vida no fio da navalha
perder a alma rebentar a granada do peito
e mergulhar de borco no dilúvio do ouro negro
e do eterno luto da bandeira da (ex)Dipanda
jurar silêncio de mão esquartejada ao peito
à sua sombra esquecer o sangue vertido
nas frentes do seu rubro ruivo
e o pioneiro que a içou pela primeira vez
emprenhar de ouvido o hino
propriedade exclusiva do sicrano que o pariu
afinar o pretoguês gritar estamos sempre a subir
publicar muitos livros fazer muitos filhos
cair nas armadilhas do ignominoso adiantamento da raça
queimar fitas diplomas canudos méritos referências
cortar raízes olvidar ancestrais
ressuscitar súbitamente do longo suicídio de classe
acordar bruscamente do sonho abraçar o futuro truncado
conter a superficialidade do toque e a esterilidade do gesto
ser capaz de lidar com a precaridade do amor e a perpetuidade do mal
ignorar a espada de Dámocles gerir o projecto vencedor de morte
enterrar o espírito varrer as cinzas da alma
sustentar o peso do ser

e poder voar nas barbas do bando.

Inegáveis Patifes!

[K. 2011]






Humbi-Humbi
[Filipe Mukenga, Andre' Mingas]




Castelo de Areia

Atestar de palavras
o muro de silêncio.

Breyten Breytenbach

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