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Nao sei se haverao muitas pessoas em Angola (em particular negras) que, como eu (subitamente pintada de "racista" e "complexada" por todos os lados e mais alguns...), possam dizer ter, ou terem tido, tantos amigos, entre homens e mulheres, nao negros... E com "tantos", nao pretendo necessariamente significar "muitos", nem "unicos". Uns, herdados dentre os compadres, amigos, colegas e conhecidos dos pais. Outros, feitos e cultivados individualmente.
Falo de amigos, bem entendido: de se viver junto a noite da Dipanda no 1ro. de Maio; de se receber cestas de frutas e legumes quando estavamos doentes; de se criar junto os filhos; de se apanhar boleia para os mercados ou a praia; de se aprender junto a diversificar os nossos respectivos habitos e gostos alimentares; de se partilhar a lata de leite, o kilo de arroz, o saco de batata, o frango congelado, ou a barra de sabao que na loja do povo nao saia; de nos trazerem caixas de mantimentos quando tudo o que tinhamos para dar de comer aos nossos filhos eram cabecas de peixe; de se ir junto trocar roupa por comida fora da cidade; de se fazer guitarradas e cantorias em memoraveis noites de tertulia; de conjugar leituras, paixoes, pulsoes, angustias, sonhos, pesadelos e esperancas...
E, tendo ja' aqui falado aqui dos meus amigos Alemaes, o mesmo poderia dizer de alguns dos amigos que fiz em, e com quem conheci, Africa para alem das fronteiras fisicas e culturais de Angola: desde os "leoes brancos africanos" educados em Oxbridge e fluentes em kiSwahili e outras linguas africanas comendo sadza e seswa com as maos, passando pelos "gringos" peritos em comida cajun dos bayous de New Orleans e mais entusiastas do que eu da rumba congolesa e do kwassa-kwassa, ou os "nordicos" gourmets em comida marroquina, xais e masalas orientais, aos "boers" de pes descalcos de Stellenbosch mais seus vinhos e biltongs...
Falo de amigos "de vida", portanto - nao de amigos "de ocasiao", ou, como sao designados em Ingles, fair-weather friends ...
Ora, o que e' que a amizade tem a ver com a cultura? Tudo! Se se entender que a Cultura, tomada no seu sentido mais lato (i.e. como emanacao dos seus signos mais fundamentais: lingua, musica, danca, arte, conceitos esteticos, habitos comportamentais, gastronomia, cosmogonia, etc.), e' essencialmente um veiculo de comunicacao - e sem comunicacao nao ha' amizade!
E o que e' que aqueles amigos teem a ver com a "cultura contemporanea"? Fundamentalmente, o facto de nao fazerem parte dela... O facto de serem muito anteriores a ela; o facto de nao terem precisado da "neofita ideologia dos (pretensos) afectos" para se fazerem amigos - para serem seres humanos; o facto de nao terem necessitado de usar de qualquer tipo de estratagema de coacao, intimidacao, agressao, ou chantagem emocional, para o serem; o facto de nao terem sido motivados pela ambicao das "luzes da ribalta" e do "estrelato", ou a cobica das riquezas materiais...
E o que e' que todos esses factos teem a ver com a "cultura africana contemporanea"? Nao sei. Fundamentalmente porque nao a entendo, especialmente na sua "versao lusofona"... E, para evitar confusoes desnecessarias a volta destas consideracoes, direi que, para mim, existe, sim, uma "Cultura Africana Contemporanea", mas largamente fora e a revelia desses estreitos parametros (ou de certos impostos corsettes) - veja-se, a titulo de exemplo, o que se passa aqui, as a matter of course, sem qualquer necessidade de recurso ostensivo a label "contemporaneo"...
E isso porque, nessa tal "versao lusofona", o conceito de "cultura contemporanea" nao surge, como noutros contextos, em oposicao (entendida aqui nao em termos conflituais, mas sequenciais e complementares) ao conceito de "cultura classica" - o "classico" ai, e' um conceito que apenas se aplica a "Cultura Classica Europeia". E a correspondente desta em Africa e' designada "tradicional" ou, ocasionalmente, "patrimonial" e, frequentemente, associada a conceitos como "primitivo", "selvagem", "atrasado", "folclorico", "vetusto", "retrogrado", "arcaico", etc...
Ou seja, ao contrario da "cultura contemporanea europeia", por exemplo, a "cultura contemporanea africana" tal como e' ai concebida, nao surge como um fenomeno secular, de natural evolucao endogena, mas como um fenomeno extemporaneo (segmentado e localizado), de autonoma evolucao exogena, manifestando-se como um fenomeno de "ruptura", induzido, conduzido e protagonizado pelo que lhe e' exterior... Por isso tenho dificuldade em entende-lo.
O que entendo, isso sim, e' que - e, talvez nao por acaso, coincidindo com a onda de "recolonizacao" dos ultimos tempos... - especialmente na "Africa lusofona", ele esta' agora, mais do que "na moda", "na berra" (!), como uma especie de sucessor aparentemente "mais refinado" da ja' algo estafada "cultura crioula"... O que entendo, isso tambem, e' que ele, mais uma vez especialmente na "Africa lusofona", vem-se tentando impor como uma "frente de combate" - usando todas as armas ao seu dispor (incluindo as de repeticao) e sem nunca parar para as limpar - sobre todos os seus "inimigos", os quais, aparentemente, sao todos os "racistas com complexos de colonizado", "falhos de imaginacao" e barrados de entrada na "modernidade" e na "historia"... Ou, dito de outro modo, os que reclamam uma certa "identidade cultural" (e... "o que e' isso de identidade"? Nao, recuso-me a voltar, mais uma vez, a esse beco com muitas saidas!)...
Uma "frente de combate", pois, onde nao ha' lugar para o dialogo, para a negociacao, para a acomodacao na diversidade (e... "o que e' isso da diversidade"? Tambem nao me proponho voltar a esse outro beco de saidas diversas, mas sempre direi que me parece ser algo que nao tem lugar na tal "cultura africana contemporanea" na sua versao lusofona - ai so' ha' lugar para um unico estereotipo [... alguem se lembra da colonial-fascista "ideologia assimilacionista"? ... Ou da, mais recente, "ideologia igualitarista" de inspiracao marxista que pretendeu fazer tabua rasa das especificidades culturais resultantes de identidades e etnicidades ditas "empiricas" - ou, na linguagem mais rasteira de alguns, ditas "monstros raciais e taras tribais" - e reduzir tudo e todos a uma globalmente unitaria e homogenea "luta de classes" dita "cientifica"? ... Da "ideologia dos (pretensos) afectos", de tao neofita, nem vale a pena perguntar, esperando-se apenas que nao venha a morrer prematuramente dos "seus proprios partos (abortos?)" ... Pois trata-se aqui apenas de "continuidades na ruptura"!...]: o da fusao, da mesticagem, da crioulidade... ou nada(ou, como tambem dizem os ingleses: my way, or the highway)! O de ter que se "deixar de ser" para "ser"... logo, ter que se "deixar de existir" para "existir"... logo, um lugar de negacao do "eu"... logo, um lugar de impossibilidade!
Ou, na melhor das hipoteses, de possibilidade muito limitada: de possibilidade unica de "existencia" para aqueles que, tendo nascido ou crescido em Africa, nunca chegaram a conhecer muito bem as suas culturas (nao tendo, portanto, feito "amigos de vida" entre os portadores de tais culturas), ou, nao tendo nascido ou vivido antes em Africa, apenas a comecaram a "conhecer" nos ultimos tempos, levados pela tal onda de "recolonizacao" (ocasional ou permanente?), ou apenas para estarem "na crista da onda"... ou seja, para aqueles que nao teem nada a perder e tudo a ganhar com a "adopcao" (ainda que apenas fugaz, furtiva, superficial e oportunistica, enquanto nao se atingem os "objectivos mais altos"...) do "outro"!
Em suma, parece-me ser uma "frente de combate" (... que, ademais, embora o tente ostensivamente negar ou disfarcar, enfatizando o que chama de "nosso", tende a regeitar xenofobica e esquizofrenicamente culturas de "outros", incluindo ditas igualmente "contemporaneas", por se situarem, ou manifestarem fora do seu espaco geografico ou linguistico, ou seja, fora do seu "quintal"...) com "tropas de elite" e todas as caracteristicas e requintes da "evangelizacao" enquanto ideologia legitimadora da colonizacao: uma "frente de combate" politico-ideologico-doutrinaria, trungungueira, totalitaria e manipulativa pela legitimacao da recolonizacao!
A unica diferenca e' que, no tempo dos missionarios evangelizadores, nao havia radio, televisao, nem internet e eles tiveram mesmo que dar-se ao trabalho de aprender a viver, a conviver e a "conhecer" os Africanos e os seus habitos, costumes e culturas no seu quotidiano...
E, em geito de conclusao, volto ao inicio [e aqui abro um ultimo parentesis para notar que alguns dos "amigos" de Angola a que me referi, apenas me deixaram, sobretudo nos ultimos tempos, o sabor amargo de ter sido por eles usada para 'fins inconfessos', tendo-me, assim, tornado vitima do meu proprio nao-racismo!... E, ja' agora, acrescento que um certo "artista" em nome de quem, aparentemente, venho sendo, sob a mascara da dita "ideologia dos (pretensos) afectos", ultrajada e apedrejada em praca publica por alguns dos seus "amigos" (do copo...), acabou sendo vitima do seu proprio racismo!...], para afirmar que todos aqueles, entre inimigos e amigos da onca, que me pretendem de(s)tra(c)tar devido as minhas posicoes sobre estas questoes, apenas me soam, na minha versao mais simpatica, a pretensos evangelizadores missionarios tentando "pregar o pai nosso a vigaria"!