Monday 5 September 2011

Just Poetry xlv



Sobras






















Sabes?

Daquela lágrima
que secámos
com a areia do deserto
e daquela ferida
que sarámos
com xá de kaxinde
já só sobra o sangue

daquela gargalhada
em que explodímos
no Pão de Açucar
já só sobra o esgar

daquele carnaval
que brincámos
no barracão da Vila Isabel
já só sobra o escárnio

daquela praia
em que mergulhámos
e daquele banho
em que nos abraçámos
já só sobra o vazio

daquele céu
em que nos passeámos
e daquele sol
em que nos aquecémos
já só sobra o ocaso

daquele chão
que pisámos
e daquela areia
em que rebolámos
já só sobra o vácuo

daquele pássaro
em que nos inspirámos
e daquele vento
em que voámos
já só sobra o temporal

daquela pele de pêssego
que acariciámos
e daquele mel
em que nos deliciámos
já só sobra o fel

daquele linho branco
em que nos imaculámos
e daquela festa
que nos dêmos
já só sobra a lama

daquele aquário
em que nadámos
e daquela chuva
que bebêmos
já só sobra a tempestade

daquele coro
que cantámos
e daquele you're the first
the last my everything

que nos dedicámos
já só sobra o eco

daquele piano
que teclámos
e daquela guitarra
que tocámos
já só sobra uma corda

daquela dança
em que vibrámos
e daquela música
em que nos perdémos
já só sobra o silêncio

daquele perfume
em que nos incensámos
e daquela rosa
em que nos cheirámos
já só sobra o espinho

daquele espelho
em que nos escrevémos
daquele vidro
em que nos desenhámos
e daquela colagem
em que nos replicámos
já só sobra o corte

daquela mansão
em que brilhámos
daquele salão
em que brindámos
e daquele quintal
em que lutámos
já só sobra a cela

daquela cama
que trocámos
e daquela mesa
que partilhámos
já só sobra o salalé

daquele castelo
de amizade
que construímos
já só sobram os escombros

daquela varanda
em que me cortavas o cabelo
e me fazias kafuné
já só sobra a grade

daquela boleia
que apanhámos para
os Trapalhões
para irmos comer
funge com todos
já só sobra o adeus

daquele feijão
de óleo de palma
que raspámos
no fundo
daquela panela de barro
já só sobra o queimado

daqueles pratos sofisticados
que me cozinhavas
e me servias
com muito gusto e requinte
já só sobra a falta de apetite

daquela saciedade
que conseguímos
naquele tempo de escassez
já só sobra a náusea

daquela planta
que disputámos
daquele poema
que fecundámos
e daquela vida
que fizémos
já só sobra o sopro

daquela esteira
que tecémos calmamente
ao luar
e daquela nossa fala mansa
ao acordar
já só sobra o grito

daquelas estrelas que espreitámos
pelo telhado de zinco
já só sobra o escuro

daquele cheiro a terra molhada
com que nos inebriámos
sob o imbondeiro
já só sobra o nada

daquele sono
sossegado
em que dormíamos
agarrados um ao outro
já só sobra o sobressalto

daquele sonho
de caminho do mato
e banho de rio
ao acordar na Chibia
já só sobra o pesadelo

daquela nossa infinita
cortesia e generosidade
para com todo o mundo
já só sobra o ciúme
a raiva a inveja e o ódio

daquela joie de vivre
com que excomungávamos maldições
expulsávamos maus espíritos
e vencíamos depressões
já só sobram assombrações

daquele livrinho
que te dediquei
em troca dos poemas
do teu amigo da outra
banda do Mussulo
e que orgulhosamente mantinhas
em permanente exibição
na montra da Humbihumbi
já só sobra o vil opróbrio.


(a nossa terra está queimada, sabes?)


















E sabes?

De ti já só sobra
a campa violada
a ossada espezinhada
o espírito profanado
a alma perdida
a obra desfeita

de mim já só sobra
a cicatriz reaberta
a memória conspurcada
o corpo desalmado
o cérebro kamartelado
a mente exaurida

do nosso afecto
que nunca foi pretenso
e do nosso gosto
que nunca foi afectado
já só sobram o neófito desafecto
e o amargo desgosto.







(sempre fomos perseguidos como animais
e ensombrados por pássaros enfeitiçados
de todas as latitudes, sabes?
a ti comeram-te a carne
e a mim roubaram-me a alma, sabes?
tu estás entregue á bicharada
e eu ao inferno na terra, sabes?
nós nunca soubémos muito bem
o que sempre nos esperava, sabes?)








É que

como sabes

os esbirros da Nação Krioula
os patrulheiros do Império do Mal
os trungungueiros do Reino da Mentira
e os vultos predadores
dos círculos restritos
kintais exclusivos
e mesas redondas e bikudas
da demente e decadente
enfeudada e alienada
decrépita e rekolonizada
korrupta e korruptora
racista e hipócrita
violenta e autofágica
pseudo-burguesa e neo-colonial fascista
sociedade a que nunca pertencémos
munidos dos p(h)oderes
que sempre desprezámos
em nome da ideologia deturpada
que sempre resistímos
e dos valores e princípios
invertidos, pervertidos
e subvertidos
comem tudo
e em seus lúgubres orgasmos
e sinistras invectivas
de ódio neo-nazi
de monstros raciais
e taras tribais
já nem sobras deixam
nem nada


(rapazes incontinentes e raparigas descontentes,
novatas atrevidas e bruacas desconsoladas,
miúdos imberbes e graúdos retardados,
putos execráveis e sexagenários detestáveis
tentam a golpes de (Aka)martelo
tornar-me seu objecto sexual
e chamam-me "pobre e insignificante criatura
rejeitada por ti
e por isso verde e doente,
vômito, barata, parasita,
karrapata, chileshe,
poluta, promíscua, prostituta,
e insuportável dama do sapato vermelho"
- tu que tanto lutaste
pública e privadamente
por mim! - apenas por nunca
termos sido casados de papel passado
e aliança no dedo e por eu ter rejeitado
e denunciado os seus sórdidos
ataques pornográficos
por email e por blog
e por nunca ter p(h)odido,
ou sequer falado, com eles
e muito menos participado
das suas orgias e bacanais
quando tu me chamavas
"a mulher mais púdica
que alguma vez conheceste", sabes?
e, feios, porcos e maus,
feitos ton-tons makutes
sem lei, nem rei, nem roque
e muito menos escrúpulos
mal educados e pior formados
andam todos de arrogâncias ignorantes
egos super-deficitários
soberbas hiper-inflacionadas
e panças a rebentar pelas costuras
a agredir-me de todas as formas
e meios possíveis e imaginários
tentando destruir a minha reputação
pessoal, social, acadêmica
e profissional, sabes?
e os medíocres frustrados e falhados
espirrando boçalismo pelas ventas
baptizados atrasados mentais
por suas desbragadas madrinhas
e se auto-proclamando "orgulhosamente nós"
a dizer que tenho diplomas falsos
mestrados em imitação
e me infiltro em reuniões de peritos
e até conseguiram tirar-me do mais importante
emprego que tive até agora
e pelo qual lutei por tantos anos, sabes?
e tudo porque os depravados porcos nojentos acham que eu
"não tinha nada que me armar em virgem estuprada
que foi violada e ficou grávida", sabes?!)










(they are pure evil, you know?)


E sabes que mais?

Apesar das nossas diferenças
reais ou imaginárias
e das repetidas ameaças de morte
e linchamento público
a que me submetem
os ditos intelectuais de esquerda
semióticos oculados incapazes de enxergar
para além da côr da pele, da etnia
e do nome de família

(e alguns dizem-se teus amigos, sabes?
eles nunca conheceram o ser humano que existia em ti,
para além dos copos, das comezainas, das farras,
das drogas e das mulheres,
com que, de resto, sempre fizeram tudo
para nos separar, sabes?)


ainda não cometi
o suicídio em grande estilo
instigado pelos ogros surdos-mudos
doutorados eskizofrénikos da kultura akulturada
e os misóginos tarados kabungados
predadores dos paskins de opinião
e jornalismo de tesão
mais seus pervertidos minions de okasião
ordinárias negras bezugas de dekoração
vulgares brancas katchokwés de imitação
psikólogas de confusão
e wazanukas de bajulação
cheios de komplexos de (re)kolonização
em arrogantes e ignorantes
imbecis e irracionais
sórdidas e criminosas
kampanhas de kalúnia e difamação

(cobardemente escondidos
por detrás das suas cortinas
de fumo e de ferro
os psikopatas cães tinhosos
dizem que te coisifikei
e que te assassinei a sangue frio
e que de ti receberam em testamento
a secreta missão de te vingarem, sabes?
é que, como sabes, os salafrários nunca tiveram
noção do ridículo, sabes?
e bem sei que mal, se é que alguma vez,
os conheceste, e eu muito menos,
mas então não é que agora os vermes
até já se permitem "criticar" o facto
de eu ter levado o nosso filho
a estudar em Portugal
e mais se arrogam o "direito" de perguntar
"que educação 'andamos' a dar
aos 'nossos' filhos",
apenas porque o 'teu' Reboredo,
a quem os porcos até já se "dignaram"
chamar "coiso de filho bastardo",
tal como tu, gosta de futebol, sabes?
e os pulhas até omitiram o nome dele
quando tu te foste embora
apesar de ele ter sido o teu único filho
a ir-te acompanhar
à tua última morada, sabes?
e jogaram-me a mim e a ele
na sarjeta da indigência
dos escravos sem alforria, sabes?
é que os sacanas nunca suspeitariam
que tu sempre me 'delegaste'
a responsabilidade pela educação
do teu "único filho de homem"
como orgulhosamente dizias
- sabes que ele se formou
em Politics and International Relations,
e está a fazer o Masters e a trabalhar
no maior banco do UK? -
porque achavas que era melhor que assim fosse
porque dizias que eu era
muito mais forte e responsável do que tu
perante as adversidades
que tínhamos que enfrentar, sabes?
mas para os tarados, todo o sofrimento
por que passei, todas as penas que penei
todas as privações discriminações
e humilhações que tive que enfrentar
todos os desafios que tive que vencer
sob o estigma de mãe solteira
nao passam de "estórias da carochinha"
e fonte de inspiração para
os seus patológicos sadomasoquismos, sabes?)


em nome de suas ditas
diferenças fenotípicas
da eterna questão da melanina
e do hediondo
adiantamento da raça
da supérflua feminilidade
da forjada masculinidade
da pérfida bestialidade
da sórdida promiscuidade
da pornográfica imoralidade
da violentada sexualidade
da bestificada personalidade
da espezinhada dignidade
e da brutalizada humanidade
urdidas brandidas
esgrimidas e perpetuadas
pelas sobras do colono









(eles nunca souberam
o significado de Amor
e menos ainda o de Poesia, sabes?
querem fazer-me 'vítima' dos seus "amores e afectos"
proclamando "rei morto, rei posto"
quando nunca seriam capazes da sensibilidade
com que me olhavas, tocavas e resguardavas, sabes?
quando nunca poderiam, ou saberiam, escrever como tu
"só sei que já não sei viver sem ti,
só sei que te amo muito, a mil"...
por entre beijos mil, sabes?
a vida deles é comandada
pelo sexo, pelo poder e pelo dinheiro
quando a nossa o era
pelo amor, pela arte e pela amizade, sabes?
resulta que os nossos sonhos andam em parafuso
para uso, desuso e abuso de todo o mundo, sabes?)






(e têm todos por isso
sido promovidos, homenageados
agraciados, professorados
premiados, doutorados
deputados, comendados
patenteados, encomiados
medalhados e engalanados, sabes?
e estão todos muito ricos
graças a Deus
de ouros negros e diamantes de sangue
Porsches e Lamborghinis
Yates e Aviões
contas na Suiça e Cayman
casas de praia e de campo
e muito viajados a Américas e Chinas
e muito proprietários em Áfricas do Suis e Europas
e muito folgados de vidas em Portugais e Suécias
e muio espraiados de retiros em Brasis e Namibias
e muito lidos de Playboy e Wall Street Journal
e muito eruditos de Jazz Festivals e Opera Houses
e muito griffados de Cardins e Vuittons
e muito bem aviados de Champagne e Caviar
e muito paskineiros de Angolenses e Novos Jornais
e muito possidentes de grandes cargos e empregos
e muito diplomatas de representações e embaixadas
e muito patrões de motoristas, empregados e kaxikas
e muito empertigados de kostas largas e seguranças privados
e muito abarrotados de sacos azuis e envelopes castanhos
e muito arrivistas, exibicionistas e mediáticos
da rádio tv disko facebook e da cassette pirata
e dizem que debiquei nos pratos deles
á conta do Diabo, sabes?
e publicam muitos livros
e dizem-se campeões
da paz da liberdade da democracia
e dos direitos humanos
e que tudo o que sei
aprendi com eles, sabes?
e dizem-se todos muito amigos e primos uns dos outros
e andam todos em matilhas ladrantes se auto-proclamando
"nós os que ficámos" e os únicos
com "Angola no coração", sabes?
e andam todos muito patrioteiros revanchistas
chauvinistas e xenófobos
e até já dizem
que nem Angolana sou, sabes?
e que nunca fui jornalista,
nem poeta, nem economista,
nem sequer mulher
e menos ainda pessoa, sabes?
e que o que quer que seja que sou
devo-o a eles, sabes?
e que até o meu livrinho
que tu me viste escrever ao longo de anos
e que te dediquei com a urgência
de te querer resgatar das suas garras
foi da autoria deles em meio ano, sabes?)


Kanalhas!
ainda estou para lhes partir a kara
com lágrimas nos olhos
quando sei
que já lhes terias partido os kornos
com espuma na boca!

e os inegáveis patifes todos em bando se masturbando
ao lado de suas fêmeas despeitadas e enraivecidas
entre receitas de culinária se orgasmando
e invocando Jesus Maria e José
até usam e abusam do fantasma do incrível Svengali
para nos ensombrarem para todo o sempre,
enquanto dizem que também fui eu que o matei, sabes?

e andam todos muito casados com várias mulheres
e outros tantos homens de aliança no dedo e papel passado
e bwé de amantes, catorzinhas e pachecos de lado
a falar em resgate dos valores morais, sabes?

(e vê-me lá tu só bem as ameaças que me mandam as lésbicas bissexuais supremacistas brancas neo-nazis receptadoras do "mais alto galardão do estado angolano", feitas monstros pós-coloniais, mães do vulturismo kultural e da etnologia de kurral em África e divas da pornografia nacional no paroxismo delirante das suas macabras paixões demoníacas não discutíveis com a total cumplicidade dos seus mui machões negros autóctones autênticos e genuínos:











"...e que a raiva do meu corpo, te deite brutalmente sobre a areia de uma praia qualquer, onde te arrancarei a roupa e os complexos, onde te amputarei o génio e a identidade, onde te extirparei a serenidade e o sorriso, para te possuir, selvagem, extinguindo-me na vontade de te engolir para sempre.
Na intensidade de um orgasmo lúgubre, conseguirei então o que desejo, afinal, e que há de mais belo em ti:
a tua alma pura e frágil!.."...











e até me mandaram feitiço pelo correio, sabes?
e até me colocaram sob escuta e vigia, sabes?
e querem injectar-me as mesmas drogas com que te mataram, sabes?

... e a justiça continua a desexistir, sabes?),



Mas sabes?

da integridade
que me apedrejavam
no escuro da madrugada
das raízes
que me eskwartejavam
á katanada
no cacimbo da alvorada
da genuinidade
que me negavam
à luz do dia
da identidade
que me roubavam
à sombra do crepúsculo
da krioulidade
que me impingiam
à calada da noite

da dedicação
que me desdenhavam
a cada segundo
dos valores e princípios
que me tentavam inverter
a cada minuto
da ética e deontologia
que me tentavam subverter
a cada hora
da moral e religião
que me tentavam perverter
a cada dia
da sensibilidade
que me tentavam anestesiar
a cada momento
da personalidade
que me tentavam coarctar
a cada tempo

da precaridade do amor
e da perpetuidade do mal

sobra-me ainda
a sobrevida
a que sucumbiste.


(why did you have to die on me?!)










Beijos Mil.



© P. (2011)

[Middle images by Yinka Shonibare; second by Picasso]



For many are the pleasant forms which exist in
          numerous sins,
     and incontinencies,
     and disgraceful passions
     and fleeting pleasures,

          which (men) embrace until they become
          sober
          and go up to their resting place

And they will find me there,
     and they will live
     and they will not die again.
 [Toni Morrison, introduction to Paradise]







[Je Crois Entendre Encore
from Bizet's The Pearlfishers]













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Sobras





















Sabes?

Daquela lágrima
que secámos
com a areia do deserto
e daquela ferida
que sarámos
com xá de kaxinde
já só sobra o sangue

daquela gargalhada
em que explodímos
no Pão de Açucar
já só sobra o esgar

daquele carnaval
que brincámos
no barracão da Vila Isabel
já só sobra o escárnio

daquela praia
em que mergulhámos
e daquele banho
em que nos abraçámos
já só sobra o vazio

daquele céu
em que nos passeámos
e daquele sol
em que nos aquecémos
já só sobra o ocaso

daquele chão
que pisámos
e daquela areia
em que rebolámos
já só sobra o vácuo

daquele pássaro
em que nos inspirámos
e daquele vento
em que voámos
já só sobra o temporal

daquela pele de pêssego
que acariciámos
e daquele mel
em que nos deliciámos
já só sobra o fel

daquele linho branco
em que nos imaculámos
e daquela festa
que nos dêmos
já só sobra a lama

daquele aquário
em que nadámos
e daquela chuva
que bebêmos
já só sobra a tempestade

daquele coro
que cantámos
e daquele you're the first
the last my everything

que nos dedicámos
já só sobra o eco

daquele piano
que teclámos
e daquela guitarra
que tocámos
já só sobra uma corda

daquela dança
em que vibrámos
e daquela música
em que nos perdémos
já só sobra o silêncio

daquele perfume
em que nos incensámos
e daquela rosa
em que nos cheirámos
já só sobra o espinho

daquele espelho
em que nos escrevémos
daquele vidro
em que nos desenhámos
e daquela colagem
em que nos replicámos
já só sobra o corte

daquela mansão
em que brilhámos
daquele salão
em que brindámos
e daquele quintal
em que lutámos
já só sobra a cela

daquela cama
que trocámos
e daquela mesa
que partilhámos
já só sobra o salalé

daquele castelo
de amizade
que construímos
já só sobram os escombros

daquela varanda
em que me cortavas o cabelo
e me fazias kafuné
já só sobra a grade

daquela boleia
que apanhámos para
os Trapalhões
para irmos comer
funge com todos
já só sobra o adeus

daquele feijão
de óleo de palma
que raspámos
no fundo
daquela panela de barro
já só sobra o queimado

daqueles pratos sofisticados
que me cozinhavas
e me servias
com muito gusto e requinte
já só sobra a falta de apetite

daquela saciedade
que conseguímos
naquele tempo de escassez
já só sobra a náusea

daquela planta
que disputámos
daquele poema
que fecundámos
e daquela vida
que fizémos
já só sobra o sopro

daquela esteira
que tecémos calmamente
ao luar
e daquela nossa fala mansa
ao acordar
já só sobra o grito

daquelas estrelas que espreitámos
pelo telhado de zinco
já só sobra o escuro

daquele cheiro a terra molhada
com que nos inebriámos
sob o imbondeiro
já só sobra o nada

daquele sono
sossegado
em que dormíamos
agarrados um ao outro
já só sobra o sobressalto

daquele sonho
de caminho do mato
e banho de rio
ao acordar na Chibia
já só sobra o pesadelo

daquela nossa infinita
cortesia e generosidade
para com todo o mundo
já só sobra o ciúme
a raiva a inveja e o ódio

daquela joie de vivre
com que excomungávamos maldições
expulsávamos maus espíritos
e vencíamos depressões
já só sobram assombrações

daquele livrinho
que te dediquei
em troca dos poemas
do teu amigo da outra
banda do Mussulo
e que orgulhosamente mantinhas
em permanente exibição
na montra da Humbihumbi
já só sobra o vil opróbrio.


(a nossa terra está queimada, sabes?)


















E sabes?

De ti já só sobra
a campa violada
a ossada espezinhada
o espírito profanado
a alma perdida
a obra desfeita

de mim já só sobra
a cicatriz reaberta
a memória conspurcada
o corpo desalmado
o cérebro kamartelado
a mente exaurida

do nosso afecto
que nunca foi pretenso
e do nosso gosto
que nunca foi afectado
já só sobram o neófito desafecto
e o amargo desgosto.







(sempre fomos perseguidos como animais
e ensombrados por pássaros enfeitiçados
de todas as latitudes, sabes?
a ti comeram-te a carne
e a mim roubaram-me a alma, sabes?
tu estás entregue á bicharada
e eu ao inferno na terra, sabes?
nós nunca soubémos muito bem
o que sempre nos esperava, sabes?)








É que

como sabes

os esbirros da Nação Krioula
os patrulheiros do Império do Mal
os trungungueiros do Reino da Mentira
e os vultos predadores
dos círculos restritos
kintais exclusivos
e mesas redondas e bikudas
da demente e decadente
enfeudada e alienada
decrépita e rekolonizada
korrupta e korruptora
racista e hipócrita
violenta e autofágica
pseudo-burguesa e neo-colonial fascista
sociedade a que nunca pertencémos
munidos dos p(h)oderes
que sempre desprezámos
em nome da ideologia deturpada
que sempre resistímos
e dos valores e princípios
invertidos, pervertidos
e subvertidos
comem tudo
e em seus lúgubres orgasmos
e sinistras invectivas
de ódio neo-nazi
de monstros raciais
e taras tribais
já nem sobras deixam
nem nada


(rapazes incontinentes e raparigas descontentes,
novatas atrevidas e bruacas desconsoladas,
miúdos imberbes e graúdos retardados,
putos execráveis e sexagenários detestáveis
tentam a golpes de (Aka)martelo
tornar-me seu objecto sexual
e chamam-me "pobre e insignificante criatura
rejeitada por ti
e por isso verde e doente,
vômito, barata, parasita,
karrapata, chileshe,
poluta, promíscua, prostituta,
e insuportável dama do sapato vermelho"
- tu que tanto lutaste
pública e privadamente
por mim! - apenas por nunca
termos sido casados de papel passado
e aliança no dedo e por eu ter rejeitado
e denunciado os seus sórdidos
ataques pornográficos
por email e por blog
e por nunca ter p(h)odido,
ou sequer falado, com eles
e muito menos participado
das suas orgias e bacanais
quando tu me chamavas
"a mulher mais púdica
que alguma vez conheceste", sabes?
e, feios, porcos e maus,
feitos ton-tons makutes
sem lei, nem rei, nem roque
e muito menos escrúpulos
mal educados e pior formados
andam todos de arrogâncias ignorantes
egos super-deficitários
soberbas hiper-inflacionadas
e panças a rebentar pelas costuras
a agredir-me de todas as formas
e meios possíveis e imaginários
tentando destruir a minha reputação
pessoal, social, acadêmica
e profissional, sabes?
e os medíocres frustrados e falhados
espirrando boçalismo pelas ventas
baptizados atrasados mentais
por suas desbragadas madrinhas
e se auto-proclamando "orgulhosamente nós"
a dizer que tenho diplomas falsos
mestrados em imitação
e me infiltro em reuniões de peritos
e até conseguiram tirar-me do mais importante
emprego que tive até agora
e pelo qual lutei por tantos anos, sabes?
e tudo porque os depravados porcos nojentos acham que eu
"não tinha nada que me armar em virgem estuprada
que foi violada e ficou grávida", sabes?!)










(they are pure evil, you know?)


E sabes que mais?

Apesar das nossas diferenças
reais ou imaginárias
e das repetidas ameaças de morte
e linchamento público
a que me submetem
os ditos intelectuais de esquerda
semióticos oculados incapazes de enxergar
para além da côr da pele, da etnia
e do nome de família

(e alguns dizem-se teus amigos, sabes?
eles nunca conheceram o ser humano que existia em ti,
para além dos copos, das comezainas, das farras,
das drogas e das mulheres,
com que, de resto, sempre fizeram tudo
para nos separar, sabes?)


ainda não cometi
o suicídio em grande estilo
instigado pelos ogros surdos-mudos
doutorados eskizofrénikos da kultura akulturada
e os misóginos tarados kabungados
predadores dos paskins de opinião
e jornalismo de tesão
mais seus pervertidos minions de okasião
ordinárias negras bezugas de dekoração
vulgares brancas katchokwés de imitação
psikólogas de confusão
e wazanukas de bajulação
cheios de komplexos de (re)kolonização
em arrogantes e ignorantes
imbecis e irracionais
sórdidas e criminosas
kampanhas de kalúnia e difamação

(cobardemente escondidos
por detrás das suas cortinas
de fumo e de ferro
os psikopatas cães tinhosos
dizem que te coisifikei
e que te assassinei a sangue frio
e que de ti receberam em testamento
a secreta missão de te vingarem, sabes?
é que, como sabes, os salafrários nunca tiveram
noção do ridículo, sabes?
e bem sei que mal, se é que alguma vez,
os conheceste, e eu muito menos,
mas então não é que agora os vermes
até já se permitem "criticar" o facto
de eu ter levado o nosso filho
a estudar em Portugal
e mais se arrogam o "direito" de perguntar
"que educação 'andamos' a dar
aos 'nossos' filhos",
apenas porque o 'teu' Reboredo,
a quem os porcos até já se "dignaram"
chamar "coiso de filho bastardo",
tal como tu, gosta de futebol, sabes?
e os pulhas até omitiram o nome dele
quando tu te foste embora
apesar de ele ter sido o teu único filho
a ir-te acompanhar
à tua última morada, sabes?
e jogaram-me a mim e a ele
na sarjeta da indigência
dos escravos sem alforria, sabes?
é que os sacanas nunca suspeitariam
que tu sempre me 'delegaste'
a responsabilidade pela educação
do teu "único filho de homem"
como orgulhosamente dizias
- sabes que ele se formou
em Politics and International Relations,
e está a fazer o Masters e a trabalhar
no maior banco do UK? -
porque achavas que era melhor que assim fosse
porque dizias que eu era
muito mais forte e responsável do que tu
perante as adversidades
que tínhamos que enfrentar, sabes?
mas para os tarados, todo o sofrimento
por que passei, todas as penas que penei
todas as privações discriminações
e humilhações que tive que enfrentar
todos os desafios que tive que vencer
sob o estigma de mãe solteira
nao passam de "estórias da carochinha"
e fonte de inspiração para
os seus patológicos sadomasoquismos, sabes?)


em nome de suas ditas
diferenças fenotípicas
da eterna questão da melanina
e do hediondo
adiantamento da raça
da supérflua feminilidade
da forjada masculinidade
da pérfida bestialidade
da sórdida promiscuidade
da pornográfica imoralidade
da violentada sexualidade
da bestificada personalidade
da espezinhada dignidade
e da brutalizada humanidade
urdidas brandidas
esgrimidas e perpetuadas
pelas sobras do colono









(eles nunca souberam
o significado de Amor
e menos ainda o de Poesia, sabes?
querem fazer-me 'vítima' dos seus "amores e afectos"
proclamando "rei morto, rei posto"
quando nunca seriam capazes da sensibilidade
com que me olhavas, tocavas e resguardavas, sabes?
quando nunca poderiam, ou saberiam, escrever como tu
"só sei que já não sei viver sem ti,
só sei que te amo muito, a mil"...
por entre beijos mil, sabes?
a vida deles é comandada
pelo sexo, pelo poder e pelo dinheiro
quando a nossa o era
pelo amor, pela arte e pela amizade, sabes?
resulta que os nossos sonhos andam em parafuso
para uso, desuso e abuso de todo o mundo, sabes?)






(e têm todos por isso
sido promovidos, homenageados
agraciados, professorados
premiados, doutorados
deputados, comendados
patenteados, encomiados
medalhados e engalanados, sabes?
e estão todos muito ricos
graças a Deus
de ouros negros e diamantes de sangue
Porsches e Lamborghinis
Yates e Aviões
contas na Suiça e Cayman
casas de praia e de campo
e muito viajados a Américas e Chinas
e muito proprietários em Áfricas do Suis e Europas
e muito folgados de vidas em Portugais e Suécias
e muio espraiados de retiros em Brasis e Namibias
e muito lidos de Playboy e Wall Street Journal
e muito eruditos de Jazz Festivals e Opera Houses
e muito griffados de Cardins e Vuittons
e muito bem aviados de Champagne e Caviar
e muito paskineiros de Angolenses e Novos Jornais
e muito possidentes de grandes cargos e empregos
e muito diplomatas de representações e embaixadas
e muito patrões de motoristas, empregados e kaxikas
e muito empertigados de kostas largas e seguranças privados
e muito abarrotados de sacos azuis e envelopes castanhos
e muito arrivistas, exibicionistas e mediáticos
da rádio tv disko facebook e da cassette pirata
e dizem que debiquei nos pratos deles
á conta do Diabo, sabes?
e publicam muitos livros
e dizem-se campeões
da paz da liberdade da democracia
e dos direitos humanos
e que tudo o que sei
aprendi com eles, sabes?
e dizem-se todos muito amigos e primos uns dos outros
e andam todos em matilhas ladrantes se auto-proclamando
"nós os que ficámos" e os únicos
com "Angola no coração", sabes?
e andam todos muito patrioteiros revanchistas
chauvinistas e xenófobos
e até já dizem
que nem Angolana sou, sabes?
e que nunca fui jornalista,
nem poeta, nem economista,
nem sequer mulher
e menos ainda pessoa, sabes?
e que o que quer que seja que sou
devo-o a eles, sabes?
e que até o meu livrinho
que tu me viste escrever ao longo de anos
e que te dediquei com a urgência
de te querer resgatar das suas garras
foi da autoria deles em meio ano, sabes?)


Kanalhas!
ainda estou para lhes partir a kara
com lágrimas nos olhos
quando sei
que já lhes terias partido os kornos
com espuma na boca!

e os inegáveis patifes todos em bando se masturbando
ao lado de suas fêmeas despeitadas e enraivecidas
entre receitas de culinária se orgasmando
e invocando Jesus Maria e José
até usam e abusam do fantasma do incrível Svengali
para nos ensombrarem para todo o sempre,
enquanto dizem que também fui eu que o matei, sabes?

e andam todos muito casados com várias mulheres
e outros tantos homens de aliança no dedo e papel passado
e bwé de amantes, catorzinhas e pachecos de lado
a falar em resgate dos valores morais, sabes?

(e vê-me lá tu só bem as ameaças que me mandam as lésbicas bissexuais supremacistas brancas neo-nazis receptadoras do "mais alto galardão do estado angolano", feitas monstros pós-coloniais, mães do vulturismo kultural e da etnologia de kurral em África e divas da pornografia nacional no paroxismo delirante das suas macabras paixões demoníacas não discutíveis com a total cumplicidade dos seus mui machões negros autóctones autênticos e genuínos:











"...e que a raiva do meu corpo, te deite brutalmente sobre a areia de uma praia qualquer, onde te arrancarei a roupa e os complexos, onde te amputarei o génio e a identidade, onde te extirparei a serenidade e o sorriso, para te possuir, selvagem, extinguindo-me na vontade de te engolir para sempre.
Na intensidade de um orgasmo lúgubre, conseguirei então o que desejo, afinal, e que há de mais belo em ti:
a tua alma pura e frágil!.."...











e até me mandaram feitiço pelo correio, sabes?
e até me colocaram sob escuta e vigia, sabes?
e querem injectar-me as mesmas drogas com que te mataram, sabes?

... e a justiça continua a desexistir, sabes?),



Mas sabes?

da integridade
que me apedrejavam
no escuro da madrugada
das raízes
que me eskwartejavam
á katanada
no cacimbo da alvorada
da genuinidade
que me negavam
à luz do dia
da identidade
que me roubavam
à sombra do crepúsculo
da krioulidade
que me impingiam
à calada da noite

da dedicação
que me desdenhavam
a cada segundo
dos valores e princípios
que me tentavam inverter
a cada minuto
da ética e deontologia
que me tentavam subverter
a cada hora
da moral e religião
que me tentavam perverter
a cada dia
da sensibilidade
que me tentavam anestesiar
a cada momento
da personalidade
que me tentavam coarctar
a cada tempo

da precaridade do amor
e da perpetuidade do mal

sobra-me ainda
a sobrevida
a que sucumbiste.


(why did you have to die on me?!)










Beijos Mil.



© P. (2011)

[Middle images by Yinka Shonibare; second by Picasso]



For many are the pleasant forms which exist in
          numerous sins,
     and incontinencies,
     and disgraceful passions
     and fleeting pleasures,

          which (men) embrace until they become
          sober
          and go up to their resting place

And they will find me there,
     and they will live
     and they will not die again.
 [Toni Morrison, introduction to Paradise]







[Je Crois Entendre Encore
from Bizet's The Pearlfishers]













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