Abrindo a Caixa de Pandora (IV)
"Essa Angola que eu Amo"
Ha’ certas experiencias da minha vida sobre as quais nunca confidenciei sequer com os meus familiares e amigos mais proximos e que muito menos alguma vez me ocorreu abordar num espaco como este, ainda que a titulo informal e privado, como e’ o caso. Mas o certo e’ que, e esta e’ tambem uma das ‘descobertas’ que me veem sendo reveladas pela experiencia adquirida com este blog, eu tenho sido frequentemente vitima do meu proprio silencio sobre certas questoes. E’ o caso do episodio que a seguir relato.
E’ consabido que o consulado de Rui Mingas como embaixador de Angola em Portugal nao foi particularmente feliz para alguns segmentos da comunidade angolana naquele pais. Porem, quaisquer que tenham sido as razoes para tal, ele decorreu num periodo em que, como aqui mencionei, eu ja’ tinha ultrapassado aquela fase inicial em que as minhas obrigacoes para com a uniao de estudantes e, ocasionalmente, com outros sectores da embaixada, fizeram com que muita gente me tomasse como sua funcionaria e apenas la’ ia quando realmente forcada a tal.
Acontece que, como pobre e insignificante estudante bolseira do INABE e com um filho para sustentar e educar sozinha, eu vi-me forcada a ter que ‘me virar’, tal como aquela mulher que so’ tinha x-10 para sobreviver com dignidade. Tive que trabalhar, portanto. Geralmente, para as poder conciliar com os meus estudos, em actividades como vender apolices de seguros ou enciclopedias, fazer traducoes, transcricoes ou telemarketing, ou fazer vendas por catalogo de roupas e outros artigos, sendo que esta ultima 'grangeou-me' algumas clientes na embaixada...
Houve uma delas, no entanto, que entendeu que podia abusar da minha confianca e encomendar roupas que depois nao pagava, forcando-me assim a ter que assumir eu as dividas dela perante a empresa do catalogo... Isso levou-me a ter que ir varias vezes a embaixada cobrar-lhe o que me devia (tendo-o feito sempre com a maior das discricoes e o necessario respeito pela instituicao), porque ela recusava-se a atender os meus telefonemas, com ela a pedir-me sempre que voltasse num outro dia. Num desses tais outros dias eu sou barrada a entrada da embaixada pelo porteiro, a quem informara com quem tinha um encontro marcado, tendo-lhe ele comunicado da minha presenca pelo telefone e pedindo-me para aguardar.
Tendo aguardado tempo mais do que o razoavel, voltei a insistir, ao que o porteiro voltou a ligar para ela, sem que dessa vez obtivesse qualquer resposta. Mas passado um bocado, ele recebe uma chamada de um alto funcionario da embaixada, por sinal branco de origem goesa, ja' falecido (e, ja' agora, esse foi um periodo em que nas 'altas esferas' da embaixada pontificavam certos "PhDs em estudos inter-culturais e afins" e "maes da danca contemporanea em Africa" em formacao...), a dizer aos berros que eu estava terminantemente proibida de voltar a entrar na embaixada!!!
E assim foi. Exactamente como na cancao do Afroman: "a 'amiga' que fica a dever e nao paga, nem quer pagar e ainda se sente 'afrontada' quando cobrada, ao ponto de recorrer aos altos poderes de uma instituicao para humilhar a credora"! E nunca pagou... tendo eu tido que engolir a humilhacao e a divida com os meus ja' parcos recursos.
E so' voltei a por os pes na embaixada anos mais tarde quando, atraves dos bons oficios de um amigo - que fora presidente da uniao de estudantes quando eu fora vice-presidente, entretanto feito ministro-conselheiro e, mais recentemente, embaixador de Angola junto da CPLP - eu la' fui chamada para um encontro pessoal com o embaixador Rui Mingas, no seu gabinete - onde nao pude deixar de reparar que a unica obra literaria que ele la' tinha em exposicao era... Os Lusiadas!
E' assim a vida "nessa Angola que eu amo"...
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