Monday, 5 July 2010

REVISITANDO "QUESTOES DE GENERO"



Ou... “A Economia do Bolso Vazio”


Talvez nao seja exagerado afirmar que a Economia e’, entre todas, a disciplina mais “popular”, chegando mesmo a ser “popularucha” em algumas circunstancias. E e’ popular tanto no sentido positivo, como no negativo: os economistas podem ser, simultaneamente, os mais reverenciados e os mais vilipendiados dos profissionais - fundamentalmente porque a Economia tende a funcionar em ciclos de expansao/crescimento e recessao/depressao (e, by the way, essa e' uma das razoes pelas quais a macroeconomia - especialidade que se destina precisamente a gerir, controlar e suavizar esses ciclos - dificilmente pode ser considerada "a prova de balas"...) e, com eles, tende a subir e a descer a credibilidade e a reputacao dos economistas. Veja-se, a titulo de exemplo, o caso emblematico do ciclo de ascensao-queda-ascensao, certamente nao por acaso, do proprio pai da macroeconomia moderna... John Maynard Keynes!

E se essa tendencia e' verdadeira para a generalidade dos economistas, e'-o mais ainda para as economistas mulheres. Desde logo porque se trata de uma male-dominated profession: basta comparar-se o numero de mulheres economistas que atingem alguma projeccao e notoriedade, tanto profissional como academica, com o correspondente numero de homens... Algo que, no quadro mais geral das "questoes de genero", tem origem na "orientacao", socialmente estabelecida, da "vocacao natural" das mulheres: primariamente parir e criar os filhos e cuidar da casa e da familia e, secundariamente, obter uma formacao escolar basica ou media e, neste caso, preferencialmente direccionada para aquelas areas do conhecimento ou profissoes ditas tradicionalmente mais adequadas a mulher, tais como o ensino, as letras, as artes, a medicina, a sociologia, ou a advocacia - areas, portanto, que dispensam um estudo mais intensivo das matematicas e de outros metodos quantitativos (veja-se o papel que esta questao jogou nas razoes da manifestacao do June 16, 1976), tendendo assim a afastar as mulheres de disciplinas como a economia, a engenharia, ou a geofisica, por exemplo.

E, tratando-se de male-dominated professions numa male-dominated society, aquelas, relativamente poucas, mulheres que a estas ultimas disciplinas se dedicam, nao raro teem de enfrentar professores como o que menciono aqui e, depois, colegas de profissao - quantas vezes com niveis academicos e experiencia profissional inferiores aos seus... - e uma sociedade que tendem a olhar e a falar para elas "de cima para baixo" ou que as consideram "lunaticas", ou "infiltradas em reunioes de peritos" com "falsos diplomas" (!), quando nao a tentarem sabotar "by all means necessary" os seus esforcos para terem tambem uma palavra a dizer num campo (do)minado por homens e que, no caso particular da economia, afecta a vida de todos e, obviamente, as suas proprias vidas - e isto so' para mencionar as "questoes de genero", esquecendo as de raca e/ou etnia...!

Vem tudo isto a proposito deste artigo do director do Jornal de Angola, Jose' Ribeiro, entitulado "A Economia de Bolso". Lendo-o para la' da frase inicial ("Uma palavra, ainda que superficial, sobre economia é para especialistas"...) e do primeiro paragrafo, fica-se com a sensacao - especialmente perante frases como "As circunstâncias da vida fizeram dos angolanos economistas atentos e audazes" - de que todos os problemas da economia angolana estao identificados, diagnosticados, prognosticados e resolvidos, ou em vias disso. Se assim e', so' nos podemos todos regozijar e nao serei eu que (especialmente depois de ter passado por tudo isto...) me atreverei a levantar um dedo, ou a bater uma tecla em contrario... Mas, dele nao pude deixar de ponderar esta frase: "cada angolana sabe do que precisa e de quanto precisa para viver com dignidade, mesmo sem tirar cursos superiores de economia, finanças ou gestão."

Embora seja perfeitamente compreensivel no contexto em que aparece (um artigo sobre economia), nao deixa de ser curioso observar que o mesmo raciocinio nao seja aplicado, em geral, noutros contextos e profissoes, e.g.: "qualquer angolana sabe como tratar da saude dos seus filhos sem precisar de ser medica ou pediatra" (afinal como e' que as maes do interior rural sempre trataram da saude dos seus filhos?), ou "qualquer angolana sabe quando e' que esta' envolvida num relacionamento - familiar, conjugal ou simplesmente amistoso - doentio e emocionalmente destrutivo, sem precisar de ser psicologa ou psiquiatra", ou ainda "qualquer angolana sabe quando e' que esta' a ser vitima de discriminacao social, etnica e/ou racial pura e dura, sem precisar de ser psicanalista, sociologa, etnologa ou antropologa", ou, no limite, "qualquer angolana que saiba ler, sabe avaliar um livro, sem precisar de ser critica literaria ou doutorada em letras", ou "qualquer angolana sabe dancar, sem precisar de ser bailarina profissional"! E nao deixa de ser igualmente notavel (e nao sei se, com todo o respeito que lhe e' devido, se deva atribuir esse facto ao artigo ser sobre "a economia de bolso"...) que o unico "verdadeiro perito em materia economica" citado aconteca ser um nao-economista.

Ora, o que e' que tudo isso tem a ver com as "questoes de genero" acima referidas? Obviamente, a relegacao da mulher e das suas capacidades cognitivas e intelectuais aos "assuntos domesticos" (um exemplo paradigmatico disso e' que na antiga Escola Comercial de Luanda, as mulheres eram especificamente direccionadas para uma disciplina designada "economia domestica"... outro, e' o do azulejozinho 'a entrada de muitos lares pintado com a frase: "em casa manda ela e nela mando eu!"). Mas, mais do que isso, a reducao da Ciencia Economica (que, impoe-se sublinha-lo, tem as suas raizes mais profundas na Filosofia: note-se como uma das suas obras pioneiras, pelo filosofo moral Adam Smith, que, com "Um Inquerito as Origens e Causas da Riqueza das Nacoes", produziu a primeira obra magna da moderna ciencia economica, se entitulava "A Teoria dos Sentimentos Morais"; ou como o grande economista do "anti-capitalismo", Karl Marx, autor dessa outra obra magna da ciencia economica, "Das Kapital", desenvolveu uma boa parte da sua obra em parceria com um filosofo, Friedrich Engels, em cuja obra pioneira "A Origem da Familia, da Propriedade Privada e do Estado" se inspirou... Sendo que, entre esses dois polos, a evolucao da Historia do Pensamento Economico e da sua inter-ligacao com a Filosofia, pode ser tracada atraves deste resumo) a "fazer contas"... A este respeito, aquando da minha ultima estada em Luanda, vi-me forcada a urgir um amigo, ex-colega de estudos de economia, a "nao confundir economistas com contabilistas" (e fi-lo sem qualquer desprimor para os contabilistas, uma vez que, para alem da contabilidade que tive que estudar como parte do curso de economia, fiz tambem um curso profissional de contabilidade e trabalhei como contabilista em Portugal - e... sabia que Fernando Pessoa foi contabilista?!): a estes cabe fazer (e bem!) as contas de "deve e haver"; aos economistas, nao estando isentos da obrigacao de saber fazer (e melhor!) essas mesmas contas, cabe fundamentalmente saber identificar e equacionar os problemas e formular solucoes adequadas para eles.

Assim, nao deixando de reconhecer a importancia do papel da mulher (angolana ou nao) na gestao dos recursos domesticos - alias, tenho para mim que a mulher e', ou pode ser, senao uma economista, uma "gestora nata" (*) -, nao me parece correcto, nem justo, reduzir tanto a sua capacidade, como a ciencia economica a apenas isso. Senao vejamos: uma mulher identifica x como sendo o que precisa para viver com dignidade. Acontece, porem, que o seu rendimento proprio e' apenas x-10 e o do marido, se o tiver, so' cobre o gap orcamental domestico ate' x-5. Claro que ela vai ter que "se virar" (no mercado "Ajuda Marido", por exemplo) para arranjar os outros 5 (ou os 10, se nao tiver marido), ou "apertar o cinto" para sobreviver, mais os seus filhos quando os tem, sem eles - logo, ve-se impossibilitada, por mais "contas que deite a vida" ou "voltas que de ao bolso do seu marido", de viver com dignidade.

Qual, entao, o papel da/o economista ai? Identificar as razoes (nomeadamente micro e macro-economicas) pelas quais aquela mulher so' tem um rendimento de x-10, ou seja, "abaixo da linha de dignidade" (ou, se se preferir, da "linha de pobreza") e formular adequadas e equilibradas "medidas de politica economica" que lhe permitam elevar o seu rendimento a x, sem que ela tenha que perder a "pouca dignidade que lhe resta"... E essas medidas podem passar por uma redistribuicao do rendimento nacional que a torne beneficiaria de subsidios, ou livre de obrigacoes tributarias (nomeadamente impostos), por forma a cobrir o seu deficit orcamental domestico; ou, atraves de uma adequada dotacao orcamental para o sector da educacao, por exemplo, pela promocao do nivel educacional daquela mulher, de maneira a que ela possa exercer uma profissao - que pode bem ser a de economista - que lhe garanta, no minimo, aquele x para viver com dignidade. (**)

E, assim, aquela mulher/cidada angolana estaria em condicoes de subscrever, plenamente dignificada e satisfeita, nao apenas expectante ou reluctante, esta afirmacao do Man Ribas: "Mais importante do que o “deve e haver” ou a frieza dos números virados para os lucros, é cada cidadão sentir que pela força do seu trabalho está a produzir o que come ou ganha, que tem um salário digno que lhe permite comprar tudo o que precisa para sustentar a família."


(*) A este proposito citaria Barack Obama, numa entrevista conjunta com a sua esposa Michelle a revista londrina "Easy Living", em Fevereiro ultimo (e sugeriria que se o ponderasse em referencia cruzada com o ponto 8. deste post): In the last several election cycles, there has been a much stronger tendency for women to vote around bread and butter issues. It has to do with the fact that they're the ones balancing the budgets and trying to figure out how to make enough money - keep food on the table. One of the things that Michelle and I always talk about is that I have no idea how to buy clothes for my girls. I don't know what they cost. And that's probably not untypical. So that's something that Michelle has to think about and budget for. What that means, then, is that the issues of the economy are ones that women are going to particularly feel and be concerned about.

(**) Claro que se pode argumentar que "qualquer pessoa e' capaz de chegar a essas conclusoes e propor tais medidas". Mas o faktor k nessa ekuacao chama-se ekilibrio geral: como, quando e quanto creditar em subsidios e outras transferencias, ou debitar em impostos e outras deducoes a sociedade (e a quem na sociedade!) para implementar aquelas medidas, mantendo as outras variaveis micro e macro-economicas em equilibrio e, acima de tudo, sem endividar desnecessaria e irresponsavelmente o pais no curto/medio prazo com custos inter-geracionais insuportaveis, tanto em termos financeiros como de recursos naturais e de kapital humano qualificado, no longo prazo. E e' para essas, entre outras "contas de deve e haver" (sendo que estas nao sao destinadas a obter lucros privados...), que os economistas estudam - nisso consiste a sua especificidade e especialidade neste particular contexto.



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Talvez nao seja exagerado afirmar que a Economia e’, entre todas, a disciplina mais “popular”, chegando mesmo a ser “popularucha” em algumas circunstancias. E e’ popular tanto no sentido positivo, como no negativo: os economistas podem ser, simultaneamente, os mais reverenciados e os mais vilipendiados dos profissionais - fundamentalmente porque a Economia tende a funcionar em ciclos de expansao/crescimento e recessao/depressao (e, by the way, essa e' uma das razoes pelas quais a macroeconomia - especialidade que se destina precisamente a gerir, controlar e suavizar esses ciclos - dificilmente pode ser considerada "a prova de balas"...) e, com eles, tende a subir e a descer a credibilidade e a reputacao dos economistas. Veja-se, a titulo de exemplo, o caso emblematico do ciclo de ascensao-queda-ascensao, certamente nao por acaso, do proprio pai da macroeconomia moderna... John Maynard Keynes!

E se essa tendencia e' verdadeira para a generalidade dos economistas, e'-o mais ainda para as economistas mulheres. Desde logo porque se trata de uma male-dominated profession: basta comparar-se o numero de mulheres economistas que atingem alguma projeccao e notoriedade, tanto profissional como academica, com o correspondente numero de homens... Algo que, no quadro mais geral das "questoes de genero", tem origem na "orientacao", socialmente estabelecida, da "vocacao natural" das mulheres: primariamente parir e criar os filhos e cuidar da casa e da familia e, secundariamente, obter uma formacao escolar basica ou media e, neste caso, preferencialmente direccionada para aquelas areas do conhecimento ou profissoes ditas tradicionalmente mais adequadas a mulher, tais como o ensino, as letras, as artes, a medicina, a sociologia, ou a advocacia - areas, portanto, que dispensam um estudo mais intensivo das matematicas e de outros metodos quantitativos (veja-se o papel que esta questao jogou nas razoes da manifestacao do June 16, 1976), tendendo assim a afastar as mulheres de disciplinas como a economia, a engenharia, ou a geofisica, por exemplo.

E, tratando-se de male-dominated professions numa male-dominated society, aquelas, relativamente poucas, mulheres que a estas ultimas disciplinas se dedicam, nao raro teem de enfrentar professores como o que menciono aqui e, depois, colegas de profissao - quantas vezes com niveis academicos e experiencia profissional inferiores aos seus... - e uma sociedade que tendem a olhar e a falar para elas "de cima para baixo" ou que as consideram "lunaticas", ou "infiltradas em reunioes de peritos" com "falsos diplomas" (!), quando nao a tentarem sabotar "by all means necessary" os seus esforcos para terem tambem uma palavra a dizer num campo (do)minado por homens e que, no caso particular da economia, afecta a vida de todos e, obviamente, as suas proprias vidas - e isto so' para mencionar as "questoes de genero", esquecendo as de raca e/ou etnia...!

Vem tudo isto a proposito deste artigo do director do Jornal de Angola, Jose' Ribeiro, entitulado "A Economia de Bolso". Lendo-o para la' da frase inicial ("Uma palavra, ainda que superficial, sobre economia é para especialistas"...) e do primeiro paragrafo, fica-se com a sensacao - especialmente perante frases como "As circunstâncias da vida fizeram dos angolanos economistas atentos e audazes" - de que todos os problemas da economia angolana estao identificados, diagnosticados, prognosticados e resolvidos, ou em vias disso. Se assim e', so' nos podemos todos regozijar e nao serei eu que (especialmente depois de ter passado por tudo isto...) me atreverei a levantar um dedo, ou a bater uma tecla em contrario... Mas, dele nao pude deixar de ponderar esta frase: "cada angolana sabe do que precisa e de quanto precisa para viver com dignidade, mesmo sem tirar cursos superiores de economia, finanças ou gestão."

Embora seja perfeitamente compreensivel no contexto em que aparece (um artigo sobre economia), nao deixa de ser curioso observar que o mesmo raciocinio nao seja aplicado, em geral, noutros contextos e profissoes, e.g.: "qualquer angolana sabe como tratar da saude dos seus filhos sem precisar de ser medica ou pediatra" (afinal como e' que as maes do interior rural sempre trataram da saude dos seus filhos?), ou "qualquer angolana sabe quando e' que esta' envolvida num relacionamento - familiar, conjugal ou simplesmente amistoso - doentio e emocionalmente destrutivo, sem precisar de ser psicologa ou psiquiatra", ou ainda "qualquer angolana sabe quando e' que esta' a ser vitima de discriminacao social, etnica e/ou racial pura e dura, sem precisar de ser psicanalista, sociologa, etnologa ou antropologa", ou, no limite, "qualquer angolana que saiba ler, sabe avaliar um livro, sem precisar de ser critica literaria ou doutorada em letras", ou "qualquer angolana sabe dancar, sem precisar de ser bailarina profissional"! E nao deixa de ser igualmente notavel (e nao sei se, com todo o respeito que lhe e' devido, se deva atribuir esse facto ao artigo ser sobre "a economia de bolso"...) que o unico "verdadeiro perito em materia economica" citado aconteca ser um nao-economista.

Ora, o que e' que tudo isso tem a ver com as "questoes de genero" acima referidas? Obviamente, a relegacao da mulher e das suas capacidades cognitivas e intelectuais aos "assuntos domesticos" (um exemplo paradigmatico disso e' que na antiga Escola Comercial de Luanda, as mulheres eram especificamente direccionadas para uma disciplina designada "economia domestica"... outro, e' o do azulejozinho 'a entrada de muitos lares pintado com a frase: "em casa manda ela e nela mando eu!"). Mas, mais do que isso, a reducao da Ciencia Economica (que, impoe-se sublinha-lo, tem as suas raizes mais profundas na Filosofia: note-se como uma das suas obras pioneiras, pelo filosofo moral Adam Smith, que, com "Um Inquerito as Origens e Causas da Riqueza das Nacoes", produziu a primeira obra magna da moderna ciencia economica, se entitulava "A Teoria dos Sentimentos Morais"; ou como o grande economista do "anti-capitalismo", Karl Marx, autor dessa outra obra magna da ciencia economica, "Das Kapital", desenvolveu uma boa parte da sua obra em parceria com um filosofo, Friedrich Engels, em cuja obra pioneira "A Origem da Familia, da Propriedade Privada e do Estado" se inspirou... Sendo que, entre esses dois polos, a evolucao da Historia do Pensamento Economico e da sua inter-ligacao com a Filosofia, pode ser tracada atraves deste resumo) a "fazer contas"... A este respeito, aquando da minha ultima estada em Luanda, vi-me forcada a urgir um amigo, ex-colega de estudos de economia, a "nao confundir economistas com contabilistas" (e fi-lo sem qualquer desprimor para os contabilistas, uma vez que, para alem da contabilidade que tive que estudar como parte do curso de economia, fiz tambem um curso profissional de contabilidade e trabalhei como contabilista em Portugal - e... sabia que Fernando Pessoa foi contabilista?!): a estes cabe fazer (e bem!) as contas de "deve e haver"; aos economistas, nao estando isentos da obrigacao de saber fazer (e melhor!) essas mesmas contas, cabe fundamentalmente saber identificar e equacionar os problemas e formular solucoes adequadas para eles.

Assim, nao deixando de reconhecer a importancia do papel da mulher (angolana ou nao) na gestao dos recursos domesticos - alias, tenho para mim que a mulher e', ou pode ser, senao uma economista, uma "gestora nata" (*) -, nao me parece correcto, nem justo, reduzir tanto a sua capacidade, como a ciencia economica a apenas isso. Senao vejamos: uma mulher identifica x como sendo o que precisa para viver com dignidade. Acontece, porem, que o seu rendimento proprio e' apenas x-10 e o do marido, se o tiver, so' cobre o gap orcamental domestico ate' x-5. Claro que ela vai ter que "se virar" (no mercado "Ajuda Marido", por exemplo) para arranjar os outros 5 (ou os 10, se nao tiver marido), ou "apertar o cinto" para sobreviver, mais os seus filhos quando os tem, sem eles - logo, ve-se impossibilitada, por mais "contas que deite a vida" ou "voltas que de ao bolso do seu marido", de viver com dignidade.

Qual, entao, o papel da/o economista ai? Identificar as razoes (nomeadamente micro e macro-economicas) pelas quais aquela mulher so' tem um rendimento de x-10, ou seja, "abaixo da linha de dignidade" (ou, se se preferir, da "linha de pobreza") e formular adequadas e equilibradas "medidas de politica economica" que lhe permitam elevar o seu rendimento a x, sem que ela tenha que perder a "pouca dignidade que lhe resta"... E essas medidas podem passar por uma redistribuicao do rendimento nacional que a torne beneficiaria de subsidios, ou livre de obrigacoes tributarias (nomeadamente impostos), por forma a cobrir o seu deficit orcamental domestico; ou, atraves de uma adequada dotacao orcamental para o sector da educacao, por exemplo, pela promocao do nivel educacional daquela mulher, de maneira a que ela possa exercer uma profissao - que pode bem ser a de economista - que lhe garanta, no minimo, aquele x para viver com dignidade. (**)

E, assim, aquela mulher/cidada angolana estaria em condicoes de subscrever, plenamente dignificada e satisfeita, nao apenas expectante ou reluctante, esta afirmacao do Man Ribas: "Mais importante do que o “deve e haver” ou a frieza dos números virados para os lucros, é cada cidadão sentir que pela força do seu trabalho está a produzir o que come ou ganha, que tem um salário digno que lhe permite comprar tudo o que precisa para sustentar a família."


(*) A este proposito citaria Barack Obama, numa entrevista conjunta com a sua esposa Michelle a revista londrina "Easy Living", em Fevereiro ultimo (e sugeriria que se o ponderasse em referencia cruzada com o ponto 8. deste post): In the last several election cycles, there has been a much stronger tendency for women to vote around bread and butter issues. It has to do with the fact that they're the ones balancing the budgets and trying to figure out how to make enough money - keep food on the table. One of the things that Michelle and I always talk about is that I have no idea how to buy clothes for my girls. I don't know what they cost. And that's probably not untypical. So that's something that Michelle has to think about and budget for. What that means, then, is that the issues of the economy are ones that women are going to particularly feel and be concerned about.

(**) Claro que se pode argumentar que "qualquer pessoa e' capaz de chegar a essas conclusoes e propor tais medidas". Mas o faktor k nessa ekuacao chama-se ekilibrio geral: como, quando e quanto creditar em subsidios e outras transferencias, ou debitar em impostos e outras deducoes a sociedade (e a quem na sociedade!) para implementar aquelas medidas, mantendo as outras variaveis micro e macro-economicas em equilibrio e, acima de tudo, sem endividar desnecessaria e irresponsavelmente o pais no curto/medio prazo com custos inter-geracionais insuportaveis, tanto em termos financeiros como de recursos naturais e de kapital humano qualificado, no longo prazo. E e' para essas, entre outras "contas de deve e haver" (sendo que estas nao sao destinadas a obter lucros privados...), que os economistas estudam - nisso consiste a sua especificidade e especialidade neste particular contexto.



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