Friday 19 August 2011

Revisitando a SADC (Parte II)




[Yinka Shonibare - La Meduse]


[Continuacao daqui]


Mas, porque volto entao a este tema quando ele se tem demonstrado de tao dificil abordagem?

Fundamentalmente porque, apesar de formalmente afastada profissionalmente dessa area, continuo a sentir algo como um certo “sentido de dever” de sobre ela emitir a minha opiniao sempre que tal se me afigure relevante.

Nao me proponho, no entanto, debrucar-me sobre as questoes de fundo que a problematica do engajamento de Angola no comercio intra e inter-regional suscitam – tal requereria uma abordagem eminentemente tecnica que, manifestamente, nao cabe no espirito informal deste blog (por vezes permito-me quebrar esse espirito, como aqui, ou aqui, mas apenas quando se trate de artigos ja’ escritos num contexto academico e/ou profissional). Limitar-me-ei, portanto, a alinhavar aqui algumas notas que gostaria de sugerir para a reflexao de quem, porventura, possa nelas estar interessado:

Geografia e Historia

- ‘As afirmacoes do Prof. Mourao ocorre-me apenas reafirmar algo que ja’ aqui, entre outros lugares referi: a mais antiga Uniao Aduaneira (UA) do mundo, a SACU (Southern Africa Customs Union, integrada por Botswana, Lesotho, Namibia, South Africa, e Swazilandia), foi criada na Africa Austral, em 1910 - tendo, portanto, celebrado o seu primeiro centenario no ano passado. Avaliar, criticar e ate’ mesmo condenar (!) a sua estrutura, economia politica e modus operandi desde a sua criacao ate’ aos dias de hoje e’ um exercicio a que tambem ja’ me dediquei extensivamente em outras ocasioes e que aqui me escusarei de repetir.

O que aqui importara’, sobretudo, notar e’ que nao so’ a criacao de uma UA na Africa Austral e’ possivel e tem precedentes historicos originais (dos quais a regiao pode colher importantes licoes, tanto no sentido positivo como no negativo), como tambem a criacao de uma UA mais ampla no quadro do Protocolo de Comercio da SADC esta’ definida nesse mesmo Protocolo, no Tratado da organizacao, na sua Agenda Comum e, entre outros dos seus instrumentos de politica, no seu Plano Indicativo Estrategico Regional, nao como “um objectivo imediato”, mas como uma meta a atingir-se gradualmente no quadro de uma estrategia de integracao regional com base no principio da "geometria assimetrica" (cuja aplicacao pratica no ambito das metas de convergencia macroeconomica da regiao podera' ser encontrada aqui) que contempla os diferentes estagios de desenvolvimento dos paises membros.

Apenas acrescentaria algo que nao pode deixar de ser referido neste contexto e que tambem ja’ referi noutras ocasioes: o comercio internacional de Angola (‘a parte a exportacao de petroleo e diamantes) e’ dominado por tres paises: Portugal, Brasil e China. Nao pretendendo aqui acusar o Prof. Mourao de estar a “tentar puxar a brasa para a sua sardinha (Brasil)”, pergunto-me se sera’ “politica e diplomaticamente sensivel” (ainda que, porventura, “culturalmente defensavel” - embora este argumento cada vez mais se venha desvanescendo perante a contemporanea "invasao chinesa"...) pretender-se escamotear o facto de os fluxos comerciais de Angola estarem historica e estruturalmente “voltados de frente para o Atlantico” (e, mais recentemente, para a Asia) e “de costas” para o hinterland Africano – facto que, admitidamente, estara’ na base de uma certa relutancia (generalisada?) em relacao a ideia de um maior envolvimento do pais nos esforcos de intensificacao do comercio intra-regional?

E, nao sera’ esse, tambem, um problema historico e estrutural com que virtualmente todas as economias africanas estao confrontadas, em resultado da heranca de relacoes de dependencia criadas pela colonizacao e que a OUA/UA, atraves de varias iniciativas regionais e continentais (das quais se destaca mais recentemente a NEPAD - Nova Parceria para o Desenvolvimento de Africa) ao longo das decadas desde as independencias, cujo jubileu se celebrou no ano passado, tem tentado reverter a favor do desenvolvimento endogeno, sustentado e sustentavel do continente?

Comercio e Desenvolvimento

- Uma outra nota que se me afigura premente, apesar de aparentemente obvia, e’ que se vem notando alguma dificuldade por parte dos sectores de opiniao a que me referia na primeira parte deste artigo em conciliar o(s) conceito(s) de ‘comercio’ e ‘desenvolvimento’. Foi, alias, essa dificuldade que esteve na base da controversia que se instalou entre mim e um dos membros do painel de que fiz parte neste evento...

No entanto, o facto incontornavel e’ que o comercio (internacional) nao e’ a antitese do desenvolvimento (economico). O objectivo da SADC, tal como o de organizacoes internacionais como a Conferencia das Nacoes Unidas para o Comercio e o Desenvolvimento (CNUCED/ UNCTAD), e’ precisamente colocar o comercio como alavanca ao servico do desenvolvimento economico nacional, regional e internacional - ou seja, o objectivo e' promover o comercio para o desenvolvimento.

Como atingir-se tal objectivo e’ a grande questao com que essas organizacoes, em associacao com o mundo academico e profissional especializado, se veem debatendo na teoria e na pratica, pelo menos desde as teorias das vantagens absolutas e comparativas de Smith e Ricardo, respectivamente.

[Continua]




[Yinka Shonibare - La Meduse]


[Continuacao daqui]


Mas, porque volto entao a este tema quando ele se tem demonstrado de tao dificil abordagem?

Fundamentalmente porque, apesar de formalmente afastada profissionalmente dessa area, continuo a sentir algo como um certo “sentido de dever” de sobre ela emitir a minha opiniao sempre que tal se me afigure relevante.

Nao me proponho, no entanto, debrucar-me sobre as questoes de fundo que a problematica do engajamento de Angola no comercio intra e inter-regional suscitam – tal requereria uma abordagem eminentemente tecnica que, manifestamente, nao cabe no espirito informal deste blog (por vezes permito-me quebrar esse espirito, como aqui, ou aqui, mas apenas quando se trate de artigos ja’ escritos num contexto academico e/ou profissional). Limitar-me-ei, portanto, a alinhavar aqui algumas notas que gostaria de sugerir para a reflexao de quem, porventura, possa nelas estar interessado:

Geografia e Historia

- ‘As afirmacoes do Prof. Mourao ocorre-me apenas reafirmar algo que ja’ aqui, entre outros lugares referi: a mais antiga Uniao Aduaneira (UA) do mundo, a SACU (Southern Africa Customs Union, integrada por Botswana, Lesotho, Namibia, South Africa, e Swazilandia), foi criada na Africa Austral, em 1910 - tendo, portanto, celebrado o seu primeiro centenario no ano passado. Avaliar, criticar e ate’ mesmo condenar (!) a sua estrutura, economia politica e modus operandi desde a sua criacao ate’ aos dias de hoje e’ um exercicio a que tambem ja’ me dediquei extensivamente em outras ocasioes e que aqui me escusarei de repetir.

O que aqui importara’, sobretudo, notar e’ que nao so’ a criacao de uma UA na Africa Austral e’ possivel e tem precedentes historicos originais (dos quais a regiao pode colher importantes licoes, tanto no sentido positivo como no negativo), como tambem a criacao de uma UA mais ampla no quadro do Protocolo de Comercio da SADC esta’ definida nesse mesmo Protocolo, no Tratado da organizacao, na sua Agenda Comum e, entre outros dos seus instrumentos de politica, no seu Plano Indicativo Estrategico Regional, nao como “um objectivo imediato”, mas como uma meta a atingir-se gradualmente no quadro de uma estrategia de integracao regional com base no principio da "geometria assimetrica" (cuja aplicacao pratica no ambito das metas de convergencia macroeconomica da regiao podera' ser encontrada aqui) que contempla os diferentes estagios de desenvolvimento dos paises membros.

Apenas acrescentaria algo que nao pode deixar de ser referido neste contexto e que tambem ja’ referi noutras ocasioes: o comercio internacional de Angola (‘a parte a exportacao de petroleo e diamantes) e’ dominado por tres paises: Portugal, Brasil e China. Nao pretendendo aqui acusar o Prof. Mourao de estar a “tentar puxar a brasa para a sua sardinha (Brasil)”, pergunto-me se sera’ “politica e diplomaticamente sensivel” (ainda que, porventura, “culturalmente defensavel” - embora este argumento cada vez mais se venha desvanescendo perante a contemporanea "invasao chinesa"...) pretender-se escamotear o facto de os fluxos comerciais de Angola estarem historica e estruturalmente “voltados de frente para o Atlantico” (e, mais recentemente, para a Asia) e “de costas” para o hinterland Africano – facto que, admitidamente, estara’ na base de uma certa relutancia (generalisada?) em relacao a ideia de um maior envolvimento do pais nos esforcos de intensificacao do comercio intra-regional?

E, nao sera’ esse, tambem, um problema historico e estrutural com que virtualmente todas as economias africanas estao confrontadas, em resultado da heranca de relacoes de dependencia criadas pela colonizacao e que a OUA/UA, atraves de varias iniciativas regionais e continentais (das quais se destaca mais recentemente a NEPAD - Nova Parceria para o Desenvolvimento de Africa) ao longo das decadas desde as independencias, cujo jubileu se celebrou no ano passado, tem tentado reverter a favor do desenvolvimento endogeno, sustentado e sustentavel do continente?

Comercio e Desenvolvimento

- Uma outra nota que se me afigura premente, apesar de aparentemente obvia, e’ que se vem notando alguma dificuldade por parte dos sectores de opiniao a que me referia na primeira parte deste artigo em conciliar o(s) conceito(s) de ‘comercio’ e ‘desenvolvimento’. Foi, alias, essa dificuldade que esteve na base da controversia que se instalou entre mim e um dos membros do painel de que fiz parte neste evento...

No entanto, o facto incontornavel e’ que o comercio (internacional) nao e’ a antitese do desenvolvimento (economico). O objectivo da SADC, tal como o de organizacoes internacionais como a Conferencia das Nacoes Unidas para o Comercio e o Desenvolvimento (CNUCED/ UNCTAD), e’ precisamente colocar o comercio como alavanca ao servico do desenvolvimento economico nacional, regional e internacional - ou seja, o objectivo e' promover o comercio para o desenvolvimento.

Como atingir-se tal objectivo e’ a grande questao com que essas organizacoes, em associacao com o mundo academico e profissional especializado, se veem debatendo na teoria e na pratica, pelo menos desde as teorias das vantagens absolutas e comparativas de Smith e Ricardo, respectivamente.

[Continua]

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