Wednesday 3 January 2007

O IMAGINÁRIO BANTU DA LITERATURA ANGOLANA (II)

Por Norberto Costa*
Assim sendo, qualquer selecção antológica ou não que não tenha em conta o referido imaginário que serve de base à cultura angolana, que tem na literatura um dos seus principais planos de expressão e de conteúdo, estará eivado de preconceito cultural, logo racial. Nesta perspectiva e sempre nesta perspectiva e tendo em atenção o carácter essencialmente endogámico de qualquer literatura, cuja matriz o escritor embrenhado nela procura retratar, será manifestamente abusivo que uma minoria social e linguisticamente híbrida se pretenda assumir como a maioria sociológica representativa da literatura angolana, pondo em causa a legitimidade discursiva da maioria demográfica, verdadeiro suporte simbólico da cultura angolana e da nossa literatura, cujo fio condutor vem dos protonacionalistas, como Cordeiro da Mata, que invocavam a suposta ausência dos poetas angolanos a quem não era dada voz para cantar, interrogando-se: “onde é que andam os poetas de Angola se não os vejo cantar?”. Esse direito à alteridade passa pelos nativistas, modernistas da “Mensagem”, com a recorrência temática do poeta da Bandeira, que evoca: onde é que “andam os poetas de Angola, para cantar tanta beleza e tanta riqueza da sua terra”.
Estávamos no ínicio da década de 1950, ensaiavam-se os caminhos da modernidade literária angolana. Neste senda vamos achar a geração da “Cultura”, da “Guerrilha”, a “ Silenciada”, “Geração de 8o”, que o meu amigo Luís Kandjimbo já chamou, com propriedade, a “Geração da revolução” e depois a “Geração das incertezas”, mas que nós preferimos chamar a “Geração da independência”. Cada uma destas gerações literárias têm os seus mais representativos arautos, independentemente dos critérios estritamente literários que presidam qualquer antologia ou selecção, ela deverá ter sempre em atenção o contexto bio- sociológico ((crescimento espiritual e maturidade psíquica até, nalguns casos até precoce. Um à parte: a este propósito Mário António que começou a publicar aos 16 anos é um exemplo a merecer um estudo de caso. Oh, Lopito(!), o texto apócrifo — que o professor norte-americano Russel Hamilton cita no seu livro “Literatura angolana- literatura necessária”— que me leste alguns extractos no teu quarto lá no Cazenga, nos meados dos anos 80, traz luz sobre a verdadeira dinâmica de grupos da sua geração nos finais dos anos 40)), político, social, cultural e linguístico, em que ocorrem a sua produção literária. Ao fim e ao resto, pretender que determinado texto literário (poético ou prosaico), independentemente dos seus palpitantes “universos imaginários e ficcionais”, seja exclusivamente a sede da literatura, sem atender ao contexto histórico em que ela ocorre, é um pedantismo imperdoável, que a periodologia literária actual não perdoa, justamente pelo seu carácter arbitrário, para além de já ter passado de moda faz século à luz da “Teoria da literatura”. Diríamos mais, por mais que seja intimista um determinado texto, a sua inserção social é notória, porque o escritor não vive isolado da sociedade e da cultura que lhe deu personalidade artística. Daí que, qualquer antologia não deverá desmentir a matriz bantu da cultura angolana, cujo imaginário procurará reflectir ou refractar. O resto será subsidiário e periférico, não determinando, por isso, o cânone da literatura angolana, que segundo diz, com sarcasmo e feliz ironia, um conhecido escritor angolano, já “foi visto a beber vinho português no Roque Santeiro”, com quitutes da terra que fazem a nossa identidade africana e bantu, acrescentamos nós, que alguns só comem num coctail de ocasião, nem sempre molhado com “cola e gengibre”, que gostava de cantar o mais expressivo poeta da angolanidade. Aliás, como diria Mário Pinto de Andrade, “A angolanidade é a historicidade de um povo- o povo angolano”. A nossa historicidade, enquanto habitantes deste rincão geográfico vem de longe, adubada pelos nossos antepassados, cujo cordão umbilical temos plantado na nossa memória colectiva como mártires da repressão colonial, não está nem nunca estará em causa. Ela é a expressão da vitalidade da literatura angolana, que não se confunde, como já ficou visto, com qualquer pretensão de “guethização” linguística e cultural. Até porque, isso resumindo e concluindo já, que o arrozoado já vai longo, tenho sérias dúvidas, embora respeite o direito à diferença cultural, em aceitar a pretensão hegemónica e a imposição de uma discutível legitimidade (discursiva) literária duma minoria híbrida que não se revê, nem de longe, nem de perto, no fio condutor que perspassa, maioritariamente, em todo horizonte a literatura angolana,- o imaginário africano e bantu, com os seus ritos e mitos, feitiços, sereias, oferendas e outras “quijilas”.
* Poeta, Jornalista, Ensaista e Critico Literario Angolano
Por Norberto Costa*
Assim sendo, qualquer selecção antológica ou não que não tenha em conta o referido imaginário que serve de base à cultura angolana, que tem na literatura um dos seus principais planos de expressão e de conteúdo, estará eivado de preconceito cultural, logo racial. Nesta perspectiva e sempre nesta perspectiva e tendo em atenção o carácter essencialmente endogámico de qualquer literatura, cuja matriz o escritor embrenhado nela procura retratar, será manifestamente abusivo que uma minoria social e linguisticamente híbrida se pretenda assumir como a maioria sociológica representativa da literatura angolana, pondo em causa a legitimidade discursiva da maioria demográfica, verdadeiro suporte simbólico da cultura angolana e da nossa literatura, cujo fio condutor vem dos protonacionalistas, como Cordeiro da Mata, que invocavam a suposta ausência dos poetas angolanos a quem não era dada voz para cantar, interrogando-se: “onde é que andam os poetas de Angola se não os vejo cantar?”. Esse direito à alteridade passa pelos nativistas, modernistas da “Mensagem”, com a recorrência temática do poeta da Bandeira, que evoca: onde é que “andam os poetas de Angola, para cantar tanta beleza e tanta riqueza da sua terra”.
Estávamos no ínicio da década de 1950, ensaiavam-se os caminhos da modernidade literária angolana. Neste senda vamos achar a geração da “Cultura”, da “Guerrilha”, a “ Silenciada”, “Geração de 8o”, que o meu amigo Luís Kandjimbo já chamou, com propriedade, a “Geração da revolução” e depois a “Geração das incertezas”, mas que nós preferimos chamar a “Geração da independência”. Cada uma destas gerações literárias têm os seus mais representativos arautos, independentemente dos critérios estritamente literários que presidam qualquer antologia ou selecção, ela deverá ter sempre em atenção o contexto bio- sociológico ((crescimento espiritual e maturidade psíquica até, nalguns casos até precoce. Um à parte: a este propósito Mário António que começou a publicar aos 16 anos é um exemplo a merecer um estudo de caso. Oh, Lopito(!), o texto apócrifo — que o professor norte-americano Russel Hamilton cita no seu livro “Literatura angolana- literatura necessária”— que me leste alguns extractos no teu quarto lá no Cazenga, nos meados dos anos 80, traz luz sobre a verdadeira dinâmica de grupos da sua geração nos finais dos anos 40)), político, social, cultural e linguístico, em que ocorrem a sua produção literária. Ao fim e ao resto, pretender que determinado texto literário (poético ou prosaico), independentemente dos seus palpitantes “universos imaginários e ficcionais”, seja exclusivamente a sede da literatura, sem atender ao contexto histórico em que ela ocorre, é um pedantismo imperdoável, que a periodologia literária actual não perdoa, justamente pelo seu carácter arbitrário, para além de já ter passado de moda faz século à luz da “Teoria da literatura”. Diríamos mais, por mais que seja intimista um determinado texto, a sua inserção social é notória, porque o escritor não vive isolado da sociedade e da cultura que lhe deu personalidade artística. Daí que, qualquer antologia não deverá desmentir a matriz bantu da cultura angolana, cujo imaginário procurará reflectir ou refractar. O resto será subsidiário e periférico, não determinando, por isso, o cânone da literatura angolana, que segundo diz, com sarcasmo e feliz ironia, um conhecido escritor angolano, já “foi visto a beber vinho português no Roque Santeiro”, com quitutes da terra que fazem a nossa identidade africana e bantu, acrescentamos nós, que alguns só comem num coctail de ocasião, nem sempre molhado com “cola e gengibre”, que gostava de cantar o mais expressivo poeta da angolanidade. Aliás, como diria Mário Pinto de Andrade, “A angolanidade é a historicidade de um povo- o povo angolano”. A nossa historicidade, enquanto habitantes deste rincão geográfico vem de longe, adubada pelos nossos antepassados, cujo cordão umbilical temos plantado na nossa memória colectiva como mártires da repressão colonial, não está nem nunca estará em causa. Ela é a expressão da vitalidade da literatura angolana, que não se confunde, como já ficou visto, com qualquer pretensão de “guethização” linguística e cultural. Até porque, isso resumindo e concluindo já, que o arrozoado já vai longo, tenho sérias dúvidas, embora respeite o direito à diferença cultural, em aceitar a pretensão hegemónica e a imposição de uma discutível legitimidade (discursiva) literária duma minoria híbrida que não se revê, nem de longe, nem de perto, no fio condutor que perspassa, maioritariamente, em todo horizonte a literatura angolana,- o imaginário africano e bantu, com os seus ritos e mitos, feitiços, sereias, oferendas e outras “quijilas”.
* Poeta, Jornalista, Ensaista e Critico Literario Angolano

2 comments:

Anonymous said...

Kimang saúda Koluki
...manifestamente abusivo que uma minoria social e linguisticamente híbrida se pretenda assumir como a maioria sociológica representativa da literatura angolana, pondo em causa a...

Há nome/s da minoria social e linguísticamente híbrida a saber?

Ao longo da exposição há nomes mencionados (datas inclusivé) em relação a contextos ou ideias diferentes. Escapou-me algo? Por favor,dê-me ajuda.

Obrigada

Koluki said...

Hi Kimang, welcome back!

Como tera' reparado, o artigo e' da autoria de Norberto Costa, de quem as unicas referencias que tenho e' que se trata de um jornalista, poeta e ensaista vinculado ao jornal "Agora". Trata-se de um de varios artigos que tenho armazenados no meu computador ha mais de 2 anos, recolhidos numa altura em que pouco ou nenhum tempo tinha para ler coisas que nao se relacionassem com o meu trabalho... E este e' um dos que apenas guardei, sem me preocupar em anotar a sua fonte. Portanto, ja nao me lembro exactamente aonde foi publicado, mas assim que conseguir saber digo. Talvez tenha sido no Agora, ou no site da UEA, onde ha varios artigos dele.
Quanto a questao especifica que coloca, naturalmente a pessoa mais indicada para a responder sera' o Norberto Costa... Mas, se se olhar para qualquer lista dos escritores angolanos mais conhecidos, talvez nao seja dificil formar uma ideia aproximada...
A minha "politica editorial" aqui e' apenas publicar coisas que acho interessantes (quem quer que sejam os seus autores) e que possam, de uma maneira ou de outra, contribuir para o debate ou, no minimo, para a reflexao, que tanta falta fazem a nossa sociedade.

Um abraco.