Tuesday 15 January 2008

SOBRE 'A SUAVE PATRIA' DE INOCENCIA MATA

CRÍTICAS DE LONGE…

Por Augusto Nascimento

Este livro é uma colectânea de crónicas e artigos de opinião sobre o presente em São Tomé e Príncipe, difundidas pela RDP (Rádio Difusão Portuguesa) África, estação emissora escutada no arquipélago. Alguns dos textos são especialmente sugestivos. Uns abordam temas políticos, outros versam questões culturais, matéria à qual a autora dedica muita atenção. Noutros, ainda, valoriza-se a diáspora.

Dos vários tópicos referentes à política, destaquem-se a cultura e as práticas políticas num país insular com o petróleo no horizonte, o papel das elites e, ainda, a abertura do espaço político à participação cívica das populações. A autora põe em evidência os atropelos do Estado às liberdades dos cidadãos, distinguindo, como outros académicos, multipartidarismo de democracia, a qual requer um exercício pleno de uma "cidadania civil" (p. 28). Inocência Mata atribui esses atropelos à cultura política prevalecente que, insinua, não pode deixar de estar enviesada pelo facto de os protagonistas de hoje serem os mesmos de um passado autoritário recente. Ou a outras circunstâncias, como, por exemplo, a prevalência em S. Tomé e Príncipe da "ditadura da familiocracia" (p. 50). Mais relevante, a autora foca as causas do desânimo dos são-tomenses, a saber, o rumo da democracia (ou do multipartidarismo) e a prevalência da corrupção.

(…)

A cultura--ou os traços culturais--é a alavanca a partir da qual Mata pensa
o curso da política no seu país. Mas não se detém na vertente política.
Aborda também as outras facetas culturais, entre elas, as línguas, algumas
das quais destinadas a perecer. Como sucede frequentemente nos autores
situados nos espaços diaspóricos, a autora tende a transmitir uma visão da
cultura da terra de origem como uma plataforma de remissão e um repositório
de autenticidade necessária para a regeneração das práticas políticas.

Assim, algumas ideias romantizadas alternam com cruas constatações. Outras
ideias correm apressadas, dir-se-ia, atrás do propósito da denúncia, umas
vezes, desassombrada, outras, contida. Dessa motivação terão resultado
algumas imprecisões: por exemplo, não foi só depois da inflexão neo-liberal
que o Estado se demitiu da promoção da educação, da cultura e da língua.
Trata-se de uma constatação alinhavada a partir da observação da degradação
das políticas culturais comummente associada à mudança política de inícios
dos anos 90. Porém, em bom rigor, essa degradação já era visível no regime
monopartidário.

Na verdade, dado o apriorismo de que as receitas neo-liberais são
necessariamente adversas aos africanos--qual extensão da dominação de
outrora!, pensa-se--parece fácil censurar essa demissão do Estado e
imputá-la ao rumo neo-liberal dos anos 90. Talvez também (por motivação
afectiva, alvitrar-se-ia, e) por razões ideológicas, a autora não vislumbra
a instrumentalização, primeiro, e a demissão, depois, do papel do Estado
monopartidário na dinamização cultural. De resto, em S. Tomé e Príncipe,
como em toda a parte, o âmbito e as modalidades de intervenção dos Estados
nesse domínio são sempre muito discutíveis.

(…)

Em suma, este livro tem que ser lido como parte do movimento de recriação
cultural próprio das diásporas, neste caso, com acentuado pendor crítico
dada a recente história do país e a forte politização dos projectos sociais
associados à independência. O livro contém análises lúcidas. Contudo,
também por espelharem estados de alma, os textos mostram cedências.
Alvitram-se possibilidades e vias futuras, que a análise fria e
afectivamente desapegada não autoriza a inferir como prováveis, antes pelo
contrário. Fala-se de participação cívica, de criação de um debate, de pacificação
social e política, de mobilização da diáspora. A ver vamos.

[Texto integral aqui]

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CRÍTICAS DE LONGE…

Por Augusto Nascimento

Este livro é uma colectânea de crónicas e artigos de opinião sobre o presente em São Tomé e Príncipe, difundidas pela RDP (Rádio Difusão Portuguesa) África, estação emissora escutada no arquipélago. Alguns dos textos são especialmente sugestivos. Uns abordam temas políticos, outros versam questões culturais, matéria à qual a autora dedica muita atenção. Noutros, ainda, valoriza-se a diáspora.

Dos vários tópicos referentes à política, destaquem-se a cultura e as práticas políticas num país insular com o petróleo no horizonte, o papel das elites e, ainda, a abertura do espaço político à participação cívica das populações. A autora põe em evidência os atropelos do Estado às liberdades dos cidadãos, distinguindo, como outros académicos, multipartidarismo de democracia, a qual requer um exercício pleno de uma "cidadania civil" (p. 28). Inocência Mata atribui esses atropelos à cultura política prevalecente que, insinua, não pode deixar de estar enviesada pelo facto de os protagonistas de hoje serem os mesmos de um passado autoritário recente. Ou a outras circunstâncias, como, por exemplo, a prevalência em S. Tomé e Príncipe da "ditadura da familiocracia" (p. 50). Mais relevante, a autora foca as causas do desânimo dos são-tomenses, a saber, o rumo da democracia (ou do multipartidarismo) e a prevalência da corrupção.

(…)

A cultura--ou os traços culturais--é a alavanca a partir da qual Mata pensa
o curso da política no seu país. Mas não se detém na vertente política.
Aborda também as outras facetas culturais, entre elas, as línguas, algumas
das quais destinadas a perecer. Como sucede frequentemente nos autores
situados nos espaços diaspóricos, a autora tende a transmitir uma visão da
cultura da terra de origem como uma plataforma de remissão e um repositório
de autenticidade necessária para a regeneração das práticas políticas.

Assim, algumas ideias romantizadas alternam com cruas constatações. Outras
ideias correm apressadas, dir-se-ia, atrás do propósito da denúncia, umas
vezes, desassombrada, outras, contida. Dessa motivação terão resultado
algumas imprecisões: por exemplo, não foi só depois da inflexão neo-liberal
que o Estado se demitiu da promoção da educação, da cultura e da língua.
Trata-se de uma constatação alinhavada a partir da observação da degradação
das políticas culturais comummente associada à mudança política de inícios
dos anos 90. Porém, em bom rigor, essa degradação já era visível no regime
monopartidário.

Na verdade, dado o apriorismo de que as receitas neo-liberais são
necessariamente adversas aos africanos--qual extensão da dominação de
outrora!, pensa-se--parece fácil censurar essa demissão do Estado e
imputá-la ao rumo neo-liberal dos anos 90. Talvez também (por motivação
afectiva, alvitrar-se-ia, e) por razões ideológicas, a autora não vislumbra
a instrumentalização, primeiro, e a demissão, depois, do papel do Estado
monopartidário na dinamização cultural. De resto, em S. Tomé e Príncipe,
como em toda a parte, o âmbito e as modalidades de intervenção dos Estados
nesse domínio são sempre muito discutíveis.

(…)

Em suma, este livro tem que ser lido como parte do movimento de recriação
cultural próprio das diásporas, neste caso, com acentuado pendor crítico
dada a recente história do país e a forte politização dos projectos sociais
associados à independência. O livro contém análises lúcidas. Contudo,
também por espelharem estados de alma, os textos mostram cedências.
Alvitram-se possibilidades e vias futuras, que a análise fria e
afectivamente desapegada não autoriza a inferir como prováveis, antes pelo
contrário. Fala-se de participação cívica, de criação de um debate, de pacificação
social e política, de mobilização da diáspora. A ver vamos.

[Texto integral aqui]

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4 comments:

Aguiar said...

obrigada Cara Koluki. Qta gentileza, nao estava mesmo nada a espera! Notei que sublinhou algumas passagens, no texto integral, ja agora, gostaria, se fosse possivel,de conhecer a sua opiniao.

saudaçoes cordiais

Koluki said...

Nao tem nada que agradecer Aguiar.
Olhe, as passagens que sublinhei no texto integral sao apenas aquelas que omiti desta curta versao -- ptto. nao pretendi chamar atencao particular para elas.
Tenho alguma dificuldade em expressar a minha opiniao porque nao li o livro e nao conheco Sao Tome'... infelizmente!
Portanto, eu e' que lhe ficaria grata se nos quisesse deixar saber a sua opiniao...
Grande abraco!

KImdaMagna said...

Saudo esta , pois São Tomé e Príncipe tem particularidades tão absorventes fruto do espaço de miscigenação por excelência que foi. Confesso que tenho uma admiração por aquele espaço.
Fico contente, por surgir mais uma obra sobre aquelas Ilhas. Tém tão poucas e as que há quase sempre eivadas dos estigmas do antigamente,não nos oferecem o aproximar da realidade Sãotomense.

Kandandus

Koluki said...

Interessante comentario Kim.

Kdds.