Sunday, 23 September 2007

LUSOFONIA: CULTURA OU IDEOLOGIA?*

Quando aceitei o convite para dissertar sobre o tema definido previamente para este seminário, o qual se referia à Lusofonia, sabia de antemão que estava num terreno polémico e nada consensual, sobretudo aqui em Moçambique. Por isso, gostaria de pedir que vejam a minha intervenção numa perspectiva de discussão académica sobre um conceito que ainda não consolidou os seus contornos.
Normalmente, quando se utiliza a expressão "Países Lusófonos" a referência imediata são os países africanos que têm o português como língua oficial e que por circunstâncias históricas foram colónias de Portugal, tendo ascendido à independência na década de 70 do Século XX. E por extensão, já mais tarde, Timor-Leste. Normalmente é senso comum que o Brasil e os brasileiros não são incluídos neste conjunto, muito menos Portugal.
Ora, se no plano empírico as coisas assim se passam, é porque, do ponto de vista desse senso comum, algo se cristalizou a partir de um jogo de aproximações semânticas que nos remetem à teoria de conjuntos. Quando em 1988, Itamar Franco se reuniu com os seus homólogos em São Luís do Maranhão, o encontro não se designou Lusófono, mas sim dos Países de Língua Portuguesa. Assim, também as bases para a constituição de uma comunidade constituída por esses Países também não adoptou o nome de Comunidade Lusófona, mas sim Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, CPLP. Este é o primeiro ponto que coloco à reflexão e discussão.
Por que razão é que do ponto de vista oficial, na diplomacia e na cooperação multilateral, jamais o termo lusófono foi adoptado?
(...)

Marcelo Rebelo de Sousa, esteve recentemente em Moçambique, no âmbito de cooperação académica entre as universidades portuguesas e moçambicanas.
Ele escandalizou meio mundo ao, pela primeira vez, assumir a postura muitas vezes pronunciada em surdina de que havia que resgatar o lado bom do colonialismo, fazendo justiça àqueles que, embora servidores do sistema, conseguiram dar-lhe um rosto humano. E chocou, porquê? Na justa medida de que para nós, é um dado adquirido de que o colonialismo é sempre mau para quem o sofreu e é sempre bom para quem dele beneficiou. Esta mistura de águas publicamente assumida num País que foi colónia até há pouco mais de trinta anos vem demonstrar que muitas contas estão ainda por fazer para nos entendermos no mundo dos conceitos.
Para isso é que servem as discussões. Levanto esta questão do pronunciamento de Marcelo Rebelo de Sousa para remetê-la à problemática do mito do império que habita o imaginário cultural e ideológico dos portugueses desde o Século XVI.
(...)

A versão moderna do mito do quinto império é ensaiada através das teorias Lusotropicalistas sistematizadas por Gilberto Freyre, que, do meu ponto de vista, são bem mais antigas, as quais aparecem em alguns pronunciamentos, principalmente nos debates sobre a questão ultramarina, no Século XIX, um pouco por consequência da independência do Brasil.
O Lusotropicalismo não é somente uma teoria sociológica. Quanto a mim, uma tentativa de dar rosto científico a um pressuposto ideológico. Por isso os estrategas do Estado Novo acolheram com muito entusiasmo o discurso lusotropicalista. Constituída a primeira machadada na herança sonhada, criada e deixada por Dom João II. Quero lembrar aqui, que pouco tempo antes e não por mera coincidência, Gilberto Freyre fora hóspede convidado de Salazar, naqueles territórios, foi buscar mais subsídios para consubstanciar as suas teorias lusotropicalistas, ido de Cabo Verde. Nessa mesma década, a de 60 do Século XX, os movimentos nacionalistas de Angola, Guiné Bissau e Moçambique iniciavam a Luta Armada de Libertação, designada inicialmente por Salazar de campanhas de África contra o terrorismo, baptizada depois de campanhas contra o comunismo, por Marcelo Caetano, e Guerra colonial, após o 25 de Abril. Até meados de 70 do Século XX e no limiar das independentes das colónias africanas, jamais alguém utilizou o conceito lusófono ou lusofonia para se referir ao que quer que fosse.
Esta é a segunda questão que ponho à discussão. Por que razão é que só depois das independências emerge de uma forma evidente este conceito?
(...)

A década de 60 do Século passado é conhecida por década de África. A maior parte das colónias africanas da Grã-Bretanha e França tornaram-se estados independentes na primeira metade dessa década. Os interesses políticos e sobretudo económicos fizeram com que as ex-potências coloniais desenhassem uma estratégia de continuidade com outra roupagem. Quer isto dizer que, ao colonialismo clássico se seguia o panorama neocolonial. E uma das configurações que esse novo modelo tomou foi o de comunidade linguística. Assim nasceram as comunidades francófonas e anglófona. Contudo, um olhar mais atento há de provar-nos que a língua como factor de formação das comunidades em apreço não passava de um pretexto. A França, por exemplo, manteve a sua presença ostensivamente, indo da moeda até a presença militar, através da Legião Francesa, com o único fito de salvaguardar os seus interesses. A francofonia e anglofonia é sobretudo um produto neo-colonial. Esta é a terceira questão que ponho à discussão, será por aproximação à designação destas duas comunidades que se foi buscar o termo lusofonia? Se assim foi, terá havido o cuidado de se reflectir sobre as diferenças dos factores? As expressões não valem por si. Valem sobretudo pelo alcance que têm e pela solidez dos factores que lhes deram origem. Assim, se quisermos ver legitimado o conceito que a expressão Lusofonia contém, devemos ir a fundo na busca dos seus referenciais. Se assim não acontecer, reduziremos o seu alcance a um mero exercício de retórica política, banalizando-se o seu significado.
(...)

Uma das grandes discussões que ainda divide os integrantes das estruturas do Instituto Internacional de Língua Portuguesa, com sede em Cabo Verde, reside precisamente no facto de os representantes portugueses com a neutralidade cúmplice dos brasileiros considerarem que aquela instituição deve velar essencialmente os interesses e defesa da língua portuguesa, denominador comum dos países nele representados. Os africanos procuram lembrar aos seus parceiros que o panorama linguístico dos três países africanos continentais e Timor-Leste é de diversidade linguística. E se o Instituto é uma instituição que emana da CPLP, não faz sentido que essa realidade seja derrogada daquela estância para uma outra com o mesmo fim. Se a língua portuguesa é o sedimento do edifício lusófono, então esse edifício terá muitas rachas em que se infiltrará a realidade linguística desses quatro países e porque não também os crioulos de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Os impasses tem praticamente paralisado o IILP que não consegue encontrar saídas e os poucos projectos alternativos não avançam por falta de vigor.
(...)

A quarta questão que ponho à discussão é, sendo os países africanos, na sua generalidade, incluindo os de língua oficial portuguesa, de origem colonial, mas com uma realidade sócio-cultural bipolar, pela natureza da adversidade etno-linguística, com que legitimidade os poderemos designar de lusófonos? Se formos pela via da língua ou pela via da cultura, teremos vastos segmentos que ficarão subtraídos desse desiderato, extraindo disso a natureza parcial que o conceito referencia. Se formos pelas razões de aproximação com as outras duas comunidades, teremos panorama falacioso, pois felizmente para nós, Portugal não construiu nenhum plano nem esboçou qualquer estratégia do tipo neocolonial para continuar nas ex-colónias.
(...)

A falta de consenso resulta do défice epistemológico que por consequência não cobre as zonas cinzentas que os espíritos inquietos querem ver esclarecidos. A terminar, apenas uma constatação que exige reflexão. A África do Sul e Portugal festejaram Bartolomeu Dias, as Américas do Norte, Centro e Sul e Espanha festejaram Cristóvão Colombo, o Brasil e Portugal festejaram Pedro Álvares Cabral, por que razão Moçambique e Índia não festejaram com Portugal Vasco da Gama, símbolo maior da saga portuguesa no que toca à epopeia da Expansão Marítima?Faço parte dos que têm o espírito inquieto sobre esta questão.Lusofonia: Cultura ou Ideologia?
(...)

[Ler artigo completo AQUI]

*Por Lourenço do Rosário, Professor da Universidade Nova de Lisboa e Reitor do Instituto Superior Politécnico e Universitário (ISPU) de Maputo, Moçambique


N.B.: Para uma analise comparativa das questoes aqui levantadas conviria ler tambem ESTE e este OUTRO artigos.
Quando aceitei o convite para dissertar sobre o tema definido previamente para este seminário, o qual se referia à Lusofonia, sabia de antemão que estava num terreno polémico e nada consensual, sobretudo aqui em Moçambique. Por isso, gostaria de pedir que vejam a minha intervenção numa perspectiva de discussão académica sobre um conceito que ainda não consolidou os seus contornos.
Normalmente, quando se utiliza a expressão "Países Lusófonos" a referência imediata são os países africanos que têm o português como língua oficial e que por circunstâncias históricas foram colónias de Portugal, tendo ascendido à independência na década de 70 do Século XX. E por extensão, já mais tarde, Timor-Leste. Normalmente é senso comum que o Brasil e os brasileiros não são incluídos neste conjunto, muito menos Portugal.
Ora, se no plano empírico as coisas assim se passam, é porque, do ponto de vista desse senso comum, algo se cristalizou a partir de um jogo de aproximações semânticas que nos remetem à teoria de conjuntos. Quando em 1988, Itamar Franco se reuniu com os seus homólogos em São Luís do Maranhão, o encontro não se designou Lusófono, mas sim dos Países de Língua Portuguesa. Assim, também as bases para a constituição de uma comunidade constituída por esses Países também não adoptou o nome de Comunidade Lusófona, mas sim Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, CPLP. Este é o primeiro ponto que coloco à reflexão e discussão.
Por que razão é que do ponto de vista oficial, na diplomacia e na cooperação multilateral, jamais o termo lusófono foi adoptado?
(...)

Marcelo Rebelo de Sousa, esteve recentemente em Moçambique, no âmbito de cooperação académica entre as universidades portuguesas e moçambicanas.
Ele escandalizou meio mundo ao, pela primeira vez, assumir a postura muitas vezes pronunciada em surdina de que havia que resgatar o lado bom do colonialismo, fazendo justiça àqueles que, embora servidores do sistema, conseguiram dar-lhe um rosto humano. E chocou, porquê? Na justa medida de que para nós, é um dado adquirido de que o colonialismo é sempre mau para quem o sofreu e é sempre bom para quem dele beneficiou. Esta mistura de águas publicamente assumida num País que foi colónia até há pouco mais de trinta anos vem demonstrar que muitas contas estão ainda por fazer para nos entendermos no mundo dos conceitos.
Para isso é que servem as discussões. Levanto esta questão do pronunciamento de Marcelo Rebelo de Sousa para remetê-la à problemática do mito do império que habita o imaginário cultural e ideológico dos portugueses desde o Século XVI.
(...)

A versão moderna do mito do quinto império é ensaiada através das teorias Lusotropicalistas sistematizadas por Gilberto Freyre, que, do meu ponto de vista, são bem mais antigas, as quais aparecem em alguns pronunciamentos, principalmente nos debates sobre a questão ultramarina, no Século XIX, um pouco por consequência da independência do Brasil.
O Lusotropicalismo não é somente uma teoria sociológica. Quanto a mim, uma tentativa de dar rosto científico a um pressuposto ideológico. Por isso os estrategas do Estado Novo acolheram com muito entusiasmo o discurso lusotropicalista. Constituída a primeira machadada na herança sonhada, criada e deixada por Dom João II. Quero lembrar aqui, que pouco tempo antes e não por mera coincidência, Gilberto Freyre fora hóspede convidado de Salazar, naqueles territórios, foi buscar mais subsídios para consubstanciar as suas teorias lusotropicalistas, ido de Cabo Verde. Nessa mesma década, a de 60 do Século XX, os movimentos nacionalistas de Angola, Guiné Bissau e Moçambique iniciavam a Luta Armada de Libertação, designada inicialmente por Salazar de campanhas de África contra o terrorismo, baptizada depois de campanhas contra o comunismo, por Marcelo Caetano, e Guerra colonial, após o 25 de Abril. Até meados de 70 do Século XX e no limiar das independentes das colónias africanas, jamais alguém utilizou o conceito lusófono ou lusofonia para se referir ao que quer que fosse.
Esta é a segunda questão que ponho à discussão. Por que razão é que só depois das independências emerge de uma forma evidente este conceito?
(...)

A década de 60 do Século passado é conhecida por década de África. A maior parte das colónias africanas da Grã-Bretanha e França tornaram-se estados independentes na primeira metade dessa década. Os interesses políticos e sobretudo económicos fizeram com que as ex-potências coloniais desenhassem uma estratégia de continuidade com outra roupagem. Quer isto dizer que, ao colonialismo clássico se seguia o panorama neocolonial. E uma das configurações que esse novo modelo tomou foi o de comunidade linguística. Assim nasceram as comunidades francófonas e anglófona. Contudo, um olhar mais atento há de provar-nos que a língua como factor de formação das comunidades em apreço não passava de um pretexto. A França, por exemplo, manteve a sua presença ostensivamente, indo da moeda até a presença militar, através da Legião Francesa, com o único fito de salvaguardar os seus interesses. A francofonia e anglofonia é sobretudo um produto neo-colonial. Esta é a terceira questão que ponho à discussão, será por aproximação à designação destas duas comunidades que se foi buscar o termo lusofonia? Se assim foi, terá havido o cuidado de se reflectir sobre as diferenças dos factores? As expressões não valem por si. Valem sobretudo pelo alcance que têm e pela solidez dos factores que lhes deram origem. Assim, se quisermos ver legitimado o conceito que a expressão Lusofonia contém, devemos ir a fundo na busca dos seus referenciais. Se assim não acontecer, reduziremos o seu alcance a um mero exercício de retórica política, banalizando-se o seu significado.
(...)

Uma das grandes discussões que ainda divide os integrantes das estruturas do Instituto Internacional de Língua Portuguesa, com sede em Cabo Verde, reside precisamente no facto de os representantes portugueses com a neutralidade cúmplice dos brasileiros considerarem que aquela instituição deve velar essencialmente os interesses e defesa da língua portuguesa, denominador comum dos países nele representados. Os africanos procuram lembrar aos seus parceiros que o panorama linguístico dos três países africanos continentais e Timor-Leste é de diversidade linguística. E se o Instituto é uma instituição que emana da CPLP, não faz sentido que essa realidade seja derrogada daquela estância para uma outra com o mesmo fim. Se a língua portuguesa é o sedimento do edifício lusófono, então esse edifício terá muitas rachas em que se infiltrará a realidade linguística desses quatro países e porque não também os crioulos de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Os impasses tem praticamente paralisado o IILP que não consegue encontrar saídas e os poucos projectos alternativos não avançam por falta de vigor.
(...)

A quarta questão que ponho à discussão é, sendo os países africanos, na sua generalidade, incluindo os de língua oficial portuguesa, de origem colonial, mas com uma realidade sócio-cultural bipolar, pela natureza da adversidade etno-linguística, com que legitimidade os poderemos designar de lusófonos? Se formos pela via da língua ou pela via da cultura, teremos vastos segmentos que ficarão subtraídos desse desiderato, extraindo disso a natureza parcial que o conceito referencia. Se formos pelas razões de aproximação com as outras duas comunidades, teremos panorama falacioso, pois felizmente para nós, Portugal não construiu nenhum plano nem esboçou qualquer estratégia do tipo neocolonial para continuar nas ex-colónias.
(...)

A falta de consenso resulta do défice epistemológico que por consequência não cobre as zonas cinzentas que os espíritos inquietos querem ver esclarecidos. A terminar, apenas uma constatação que exige reflexão. A África do Sul e Portugal festejaram Bartolomeu Dias, as Américas do Norte, Centro e Sul e Espanha festejaram Cristóvão Colombo, o Brasil e Portugal festejaram Pedro Álvares Cabral, por que razão Moçambique e Índia não festejaram com Portugal Vasco da Gama, símbolo maior da saga portuguesa no que toca à epopeia da Expansão Marítima?Faço parte dos que têm o espírito inquieto sobre esta questão.Lusofonia: Cultura ou Ideologia?
(...)

[Ler artigo completo AQUI]

*Por Lourenço do Rosário, Professor da Universidade Nova de Lisboa e Reitor do Instituto Superior Politécnico e Universitário (ISPU) de Maputo, Moçambique


N.B.: Para uma analise comparativa das questoes aqui levantadas conviria ler tambem ESTE e este OUTRO artigos.

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