Sunday 21 August 2011

Just Poetry xliv












SANKOFA

Eis-me chegada
ao Kgotla
trago na sanga
o sangue
de quem tocou
o pilar de mármore
(Memória Belém Jerónimos)
o telhado de vidro
(The Met, Twin Towers, Harlem)
e encontrou o frio
e a navalha
(Stellenbosch)



Trago no colo
o plasma
de quem vincou
o sulco na terra
(Tlokweng)
a cicatriz na pele
(Mazozo)
a extensão no horizonte
(Serowe)
e encontrou o fio
e a meada
(Camden)



Trago no ventre
o enjôo
de quem nunca assimilou a idéia
do avanço da raça
(Le Grand Palais)
no olhar a linha de água
com que separo Manet de Monet
(Le Petit Palais)
no ouvido a clave de sol
com que distingo Mozart de Beethoven
(A Academia)
no tímpano o timbre
com que absorvo em Giant Steps
Kind of Blue and Hot House Flowers
Strange Fruit and Don't Explain
e ouço silêncios e blues
(Jazz Café)
nos lábios a ária
com que sossego os pássaros
(Covent Garden)
na mente o fio de prumo
com que traço, alinho e revejo
estratégias
(Holborn, Gaborone, Maputo, Manzini)
na lembrança o largo
de todas as batalhas
(Kinaxixi)
nos pés o carnaval
de todas as vitórias
(Bairro Operário, Rio de Janeiro)
nas costas a verticalidade
de quem viveu e sobreviveu
a fome e a abastança
(Kentish Town)
nos olhos o brilho
de quem viu a lua abrir-se
obscenamente
no topo do morro
e a nuvem adormecer
serenamente
na copa da árvore
(Primrose Hill, Maseru)
nas ancas o ondular
com que medro o açucar e la séga
das Ilhas do Índico
(La Plantation)
na cabaça o malavo
com que enacto fantasias
revelo mistérios
e (re)invento sonhos
(Damba)
na mão a kola
com que encanto e desencanto
temores e rancores
(Katete)
nas tranças a identidade
e a diversidade de quem nunca se fundiu
in no one's melting pot
(Brixton)
na alma o espírito
com que resgato a memória
dos meus ancestrais
e do Amor que perdi
(Mbanza, Maianga)
na têmpora o tempo
em que deixo passar o gado
(O Sul)



Eis-me aqui
em meu chão
(Kongo)
bebendo o vinho
(the thatch roof)
amassando a kikwanga
(the odd pebble)
atravessando o rio
(Emlanjeni Zambezi, Kwando, Kubango, Okavango
Rivango Bengo, Kwanza, Tejo, Zaire)
calcando a areia
(Blowberg)
descalçando-me desnudando-me
e (re)encontrando-me
no (meu) caminho
(Sankofa)




© K. 2011
















SANKOFA

Eis-me chegada
ao Kgotla
trago na sanga
o sangue
de quem tocou
o pilar de mármore
(Memória Belém Jerónimos)
o telhado de vidro
(The Met, Twin Towers, Harlem)
e encontrou o frio
e a navalha
(Stellenbosch)



Trago no colo
o plasma
de quem vincou
o sulco na terra
(Tlokweng)
a cicatriz na pele
(Mazozo)
a extensão no horizonte
(Serowe)
e encontrou o fio
e a meada
(Camden)



Trago no ventre
o enjôo
de quem nunca assimilou a idéia
do avanço da raça
(Le Grand Palais)
no olhar a linha de água
com que separo Manet de Monet
(Le Petit Palais)
no ouvido a clave de sol
com que distingo Mozart de Beethoven
(A Academia)
no tímpano o timbre
com que absorvo em Giant Steps
Kind of Blue and Hot House Flowers
Strange Fruit and Don't Explain
e ouço silêncios e blues
(Jazz Café)
nos lábios a ária
com que sossego os pássaros
(Covent Garden)
na mente o fio de prumo
com que traço, alinho e revejo
estratégias
(Holborn, Gaborone, Maputo, Manzini)
na lembrança o largo
de todas as batalhas
(Kinaxixi)
nos pés o carnaval
de todas as vitórias
(Bairro Operário, Rio de Janeiro)
nas costas a verticalidade
de quem viveu e sobreviveu
a fome e a abastança
(Kentish Town)
nos olhos o brilho
de quem viu a lua abrir-se
obscenamente
no topo do morro
e a nuvem adormecer
serenamente
na copa da árvore
(Primrose Hill, Maseru)
nas ancas o ondular
com que medro o açucar e la séga
das Ilhas do Índico
(La Plantation)
na cabaça o malavo
com que enacto fantasias
revelo mistérios
e (re)invento sonhos
(Damba)
na mão a kola
com que encanto e desencanto
temores e rancores
(Katete)
nas tranças a identidade
e a diversidade de quem nunca se fundiu
in no one's melting pot
(Brixton)
na alma o espírito
com que resgato a memória
dos meus ancestrais
e do Amor que perdi
(Mbanza, Maianga)
na têmpora o tempo
em que deixo passar o gado
(O Sul)



Eis-me aqui
em meu chão
(Kongo)
bebendo o vinho
(the thatch roof)
amassando a kikwanga
(the odd pebble)
atravessando o rio
(Emlanjeni Zambezi, Kwando, Kubango, Okavango
Rivango Bengo, Kwanza, Tejo, Zaire)
calcando a areia
(Blowberg)
descalçando-me desnudando-me
e (re)encontrando-me
no (meu) caminho
(Sankofa)




© K. 2011





No comments: