Tuesday, 16 August 2011

A MINHA SECRETARIA [R*]



Ou, mais politicamente-correcto falando, a minha Personal Assistant (PA)…

E’ verdade, ja’ tive uma na vida… Mas, estruturalmente avessa que sou a “mordomias”, excepto aquelas que posso conceder a mim propria, pouco ou nenhum uso fiz dela – claro que sem ter consciencia do “real world” em que me movia: tratava-se de uma organizacao em que, como em muitas outras, as secretarias chegam a ter mais poder que os seus chefes, embora, paradoxalmente, tal poder lhes seja atribuido na exacta proporcao do poder desses mesmos chefes (aparentemente, para reflectir essa realidade, em Angola algumas passaram a ser designadas “Secretarias Executivas”) …

Mais especificamente, naquela organizacao, como em muitas outras, o poder do chefe e, consequentemente, o da sua PA, era aferido pelo numero de viagens ao exterior que faziam (geralmente para ‘workshops’ regionais cuja qualidade e eficiencia ninguem se preocupava em avaliar…) e, com elas, a quantidade de dolares que amealhavam em “ajudas de custo” enquanto permaneciam em hoteis e pensoes de quinta categoria “para poupar” – o que era conhecido no lingo interno da organizacao como “estrategias de aliviamento da pobreza”…

Acontece, porem, que esta chefe tinha um trabalho que envolvia primordialmente a pesquisa academica e que nao propiciava muitas viagens... Resultado: embora geralmente encontrasse trabalho como parte de um pool de PAs “menos ocupadas” que era usado por outros chefes, a coitada da minha PA via-se a bracos para justificar o seu emprego, particularmente quando chegava a altura dos “annual staff appraisals” em que eu me via a bracos para encontrar o que dizer sobre ela, excepto que era “uma adoravel e talentosa jovem, muito dedicada ao trabalho e que devia a todo o custo ser mantida pela organizacao”…

Bom, mas por “menor” que fosse o seu poder em relacao a mim e as outras (mais afortunadas) PAs, a minha PA tinha um poder pessoal que eu nao tinha e nao acredito que alguma vez venha a ter na minha vida... Tomei dele consciencia quando, numa rara ocasiao em que realmente precisava da assistencia dela para a organizacao de um 'workshop', ela me respondeu que nao iria estar disponivel num determinado dia porque esse era “o dia da vida dela”!

Nao, nao se tratava de pedido de noivado, ou casamento: era apenas o dia em que os “oficiais da terra” (land board) do seu pais lhe iriam entregar o seu plot de terra – algo que todos os cidadaos do Botswana teem como um direito inalienavel, mesmo que apenas la’ possam construir um “casebre” (que ninguem lhes vai demolir…) ou que depois o decidam alienar a outros nacionais ou estrangeiros – sendo que, neste caso, terao que submeter o seu proposito a um complicado e desencorajador processo burocratico em que, invariavelmente, acabam por prevalecer os principios inspiradores da lei de terras do pais, a qual garante que pelo menos 75% da terra pertence ao povo!

Confesso que, nesse dia, senti inveja da minha PA – uma inveja que nem sequer o seu “bruto carro” pessoal (muito melhor, ou pelo menos mais “vislumbrante” que o meu carro de servico – o unico de que eu dispunha) me havia alguma vez provocado... E’ que, nao so’ estava, por aqueles dias tal como hoje, a minha nacionalidade sendo questionada pelos “oficiais da minha terra”, como aquele era um direito que os nacionais do meu pais nao tinham como adquirido!

Mas nao me deu para transformar aquela inveja em nenhum acto de odio, ou qualquer outro sentimento negativo, contra a Mphwo – era assim que ela se chamava (ou chama, pois nao creio que tenha ainda morrido, salvo seja!) e era (e') de origem Khoisan – desejei apenas que toda a seguranca, felicidade e bem-estar de que ela usufruia pudessem ser partilhados por todos os cidadaos em todos os paises deste mundo. Por isso (tambem) o muito que devo ao Botswana, mesmo continuando sendo uma “sem terra”…


*[Postado inicialmente a 26/03/10 /// Repostado a proposito desta materia]




Ou, mais politicamente-correcto falando, a minha Personal Assistant (PA)…

E’ verdade, ja’ tive uma na vida… Mas, estruturalmente avessa que sou a “mordomias”, excepto aquelas que posso conceder a mim propria, pouco ou nenhum uso fiz dela – claro que sem ter consciencia do “real world” em que me movia: tratava-se de uma organizacao em que, como em muitas outras, as secretarias chegam a ter mais poder que os seus chefes, embora, paradoxalmente, tal poder lhes seja atribuido na exacta proporcao do poder desses mesmos chefes (aparentemente, para reflectir essa realidade, em Angola algumas passaram a ser designadas “Secretarias Executivas”) …

Mais especificamente, naquela organizacao, como em muitas outras, o poder do chefe e, consequentemente, o da sua PA, era aferido pelo numero de viagens ao exterior que faziam (geralmente para ‘workshops’ regionais cuja qualidade e eficiencia ninguem se preocupava em avaliar…) e, com elas, a quantidade de dolares que amealhavam em “ajudas de custo” enquanto permaneciam em hoteis e pensoes de quinta categoria “para poupar” – o que era conhecido no lingo interno da organizacao como “estrategias de aliviamento da pobreza”…

Acontece, porem, que esta chefe tinha um trabalho que envolvia primordialmente a pesquisa academica e que nao propiciava muitas viagens... Resultado: embora geralmente encontrasse trabalho como parte de um pool de PAs “menos ocupadas” que era usado por outros chefes, a coitada da minha PA via-se a bracos para justificar o seu emprego, particularmente quando chegava a altura dos “annual staff appraisals” em que eu me via a bracos para encontrar o que dizer sobre ela, excepto que era “uma adoravel e talentosa jovem, muito dedicada ao trabalho e que devia a todo o custo ser mantida pela organizacao”…

Bom, mas por “menor” que fosse o seu poder em relacao a mim e as outras (mais afortunadas) PAs, a minha PA tinha um poder pessoal que eu nao tinha e nao acredito que alguma vez venha a ter na minha vida... Tomei dele consciencia quando, numa rara ocasiao em que realmente precisava da assistencia dela para a organizacao de um 'workshop', ela me respondeu que nao iria estar disponivel num determinado dia porque esse era “o dia da vida dela”!

Nao, nao se tratava de pedido de noivado, ou casamento: era apenas o dia em que os “oficiais da terra” (land board) do seu pais lhe iriam entregar o seu plot de terra – algo que todos os cidadaos do Botswana teem como um direito inalienavel, mesmo que apenas la’ possam construir um “casebre” (que ninguem lhes vai demolir…) ou que depois o decidam alienar a outros nacionais ou estrangeiros – sendo que, neste caso, terao que submeter o seu proposito a um complicado e desencorajador processo burocratico em que, invariavelmente, acabam por prevalecer os principios inspiradores da lei de terras do pais, a qual garante que pelo menos 75% da terra pertence ao povo!

Confesso que, nesse dia, senti inveja da minha PA – uma inveja que nem sequer o seu “bruto carro” pessoal (muito melhor, ou pelo menos mais “vislumbrante” que o meu carro de servico – o unico de que eu dispunha) me havia alguma vez provocado... E’ que, nao so’ estava, por aqueles dias tal como hoje, a minha nacionalidade sendo questionada pelos “oficiais da minha terra”, como aquele era um direito que os nacionais do meu pais nao tinham como adquirido!

Mas nao me deu para transformar aquela inveja em nenhum acto de odio, ou qualquer outro sentimento negativo, contra a Mphwo – era assim que ela se chamava (ou chama, pois nao creio que tenha ainda morrido, salvo seja!) e era (e') de origem Khoisan – desejei apenas que toda a seguranca, felicidade e bem-estar de que ela usufruia pudessem ser partilhados por todos os cidadaos em todos os paises deste mundo. Por isso (tambem) o muito que devo ao Botswana, mesmo continuando sendo uma “sem terra”…


*[Postado inicialmente a 26/03/10 /// Repostado a proposito
desta materia]


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