Tuesday 9 August 2011

Tottenham Latino - Por Isaac Bigio*





No primeiro fim de semana de agosto, toda a imprensa mundial reproduziu fotos dos edifícios e veículos queimados em Tottenham, no que é apresentado como o pior ato de vandalismo ocorrido no Reino Unido, neste século, e que já está se difundindo para outras partes da capital inglesa, dando vazão a um descontentamento – principalmente com os cortes nos gastos públicos promovidos pelo governo de coalizão, já motivo de vários protestos de estudantes e sindicatos este ano – que parece não ter fim.
Apesar de Haringey, o bairro que inclui Tottenham, ter o quarto índice de pobreza mais alto de Londres e um índice de desemprego de 8.8% – o dobro da média nacional, com uma vaga disputada em média por 54 candidatos –, há outra face do distrito, que é o mais multiétnico de Londres e talvez da Europa: este é um lugar onde muito se promove a harmonia e a multiculturalidade, e onde há fortes raízes latinas – como as deste colunista.

Multiculturalismo

Tottenham é uma das duas partes de Haringey, ao noroeste de Londres, por onde passa o rio Lea, pouco antes de desembocar no Tâmisa, na vila das Olimpíadas de 2012. Quando se chega ali, causa surpresa ver uma loja somali ao lado de uma japonesa, ao lado de uma turca, ao lado do maior mercado latino-americano do Reino Unido (o Pueblito Paísa), etc.
Desde seu surgimento, Tottenham teve uma forte presença de imigrantes provenientes do mundo de fala hispânica e portuguesa. Ali viveram vários notáveis com nomes e sobrenomes ibéricos como Baltazar Sánchez, que introduziu a cana de açúcar e os doces na Grã-Bretanha, e vários membros da corte de Catarina de Bragança, a rainha portuguesa que popularizou o chá e os garfos na Inglaterra e cuja família governou o Brasil durante a maior parte de sua história (incluindo a primeira terça parte de sua vida independente).

Judeus hispânicos

Ainda hoje, quando alguém chega a Tottenham, vindo do centro de Londres, pode passar por Stanford Hill, um dos bairros de judeus ortodoxos mais antigos do Atlântico. Diferentemente dos judeus das Américas (provenientes da Europa oriental), os da Inglaterra chegaram falando espanhol e português, pois foram deportados de sua Ibéria natal no mesmo ano em que Colombo iniciou a conquista dos ameríndios (1492).
Muitos dos judeus de Tottenham têm suas raízes nessa imigração hispânica de quase quatro séculos, e vários deles rezam na Sinagoga Espanhola e Portuguesa, que é o único templo hebreu na Europa que nunca fechou, em três séculos de vida.

Harmonia

Tottenham é um lugar onde se podem encontrar templos de todas as crenças convivendo em harmonia. Cada domingo há uma missa em espanhol na igreja católica de Santo Inácio, a qual está em frente a um dos edifícios da maior igreja não-católica nascida na América latina (a Universal, criada no Brasil) e está rodeada por mesquitas e sinagogas de todas as tendências (desde as que apóiam Israel até as que pedem que este país seja substituído por uma Palestina árabe).
O castelo de Bruce, em cujo parque termina o Carnaval de Tottenham e o Carnaval Latino, o maior do norte de Londres, foi anteriormente uma escola que atraía, no século 19, muitos hispânicos interessados em aprender inglês.
Infelizmente, pobreza, discriminação e falta de oportunidades também marcam esse distrito, povoado em grande maioria por uma população de origem imigrante, cuja relação com a Polícia Metropolitana de Londres está há tempos avariada, devido à revistas constantes para averiguações e mortes sem explicação, como a do jovem Mark Duggan, ainda não esclarecida, em cuja cena do crime só foram encontradas balas provenientes da armas dos policiais.

(*) Isaac Bigio vive em Londres e é pós-graduado em História e Política Econômica, Ensino Político e Administração Pública na América Latina pela London School of Economics. É um dos analistas políticos latino-americanos mais publicados do mundo. Tradução de Angélica Campos/BR Press.






No primeiro fim de semana de agosto, toda a imprensa mundial reproduziu fotos dos edifícios e veículos queimados em Tottenham, no que é apresentado como o pior ato de vandalismo ocorrido no Reino Unido, neste século, e que já está se difundindo para outras partes da capital inglesa, dando vazão a um descontentamento – principalmente com os cortes nos gastos públicos promovidos pelo governo de coalizão, já motivo de vários protestos de estudantes e sindicatos este ano – que parece não ter fim.
Apesar de Haringey, o bairro que inclui Tottenham, ter o quarto índice de pobreza mais alto de Londres e um índice de desemprego de 8.8% – o dobro da média nacional, com uma vaga disputada em média por 54 candidatos –, há outra face do distrito, que é o mais multiétnico de Londres e talvez da Europa: este é um lugar onde muito se promove a harmonia e a multiculturalidade, e onde há fortes raízes latinas – como as deste colunista.

Multiculturalismo

Tottenham é uma das duas partes de Haringey, ao noroeste de Londres, por onde passa o rio Lea, pouco antes de desembocar no Tâmisa, na vila das Olimpíadas de 2012. Quando se chega ali, causa surpresa ver uma loja somali ao lado de uma japonesa, ao lado de uma turca, ao lado do maior mercado latino-americano do Reino Unido (o Pueblito Paísa), etc.
Desde seu surgimento, Tottenham teve uma forte presença de imigrantes provenientes do mundo de fala hispânica e portuguesa. Ali viveram vários notáveis com nomes e sobrenomes ibéricos como Baltazar Sánchez, que introduziu a cana de açúcar e os doces na Grã-Bretanha, e vários membros da corte de Catarina de Bragança, a rainha portuguesa que popularizou o chá e os garfos na Inglaterra e cuja família governou o Brasil durante a maior parte de sua história (incluindo a primeira terça parte de sua vida independente).

Judeus hispânicos

Ainda hoje, quando alguém chega a Tottenham, vindo do centro de Londres, pode passar por Stanford Hill, um dos bairros de judeus ortodoxos mais antigos do Atlântico. Diferentemente dos judeus das Américas (provenientes da Europa oriental), os da Inglaterra chegaram falando espanhol e português, pois foram deportados de sua Ibéria natal no mesmo ano em que Colombo iniciou a conquista dos ameríndios (1492).
Muitos dos judeus de Tottenham têm suas raízes nessa imigração hispânica de quase quatro séculos, e vários deles rezam na Sinagoga Espanhola e Portuguesa, que é o único templo hebreu na Europa que nunca fechou, em três séculos de vida.

Harmonia

Tottenham é um lugar onde se podem encontrar templos de todas as crenças convivendo em harmonia. Cada domingo há uma missa em espanhol na igreja católica de Santo Inácio, a qual está em frente a um dos edifícios da maior igreja não-católica nascida na América latina (a Universal, criada no Brasil) e está rodeada por mesquitas e sinagogas de todas as tendências (desde as que apóiam Israel até as que pedem que este país seja substituído por uma Palestina árabe).
O castelo de Bruce, em cujo parque termina o Carnaval de Tottenham e o Carnaval Latino, o maior do norte de Londres, foi anteriormente uma escola que atraía, no século 19, muitos hispânicos interessados em aprender inglês.
Infelizmente, pobreza, discriminação e falta de oportunidades também marcam esse distrito, povoado em grande maioria por uma população de origem imigrante, cuja relação com a Polícia Metropolitana de Londres está há tempos avariada, devido à revistas constantes para averiguações e mortes sem explicação, como a do jovem Mark Duggan, ainda não esclarecida, em cuja cena do crime só foram encontradas balas provenientes da armas dos policiais.

(*) Isaac Bigio vive em Londres e é pós-graduado em História e Política Econômica, Ensino Político e Administração Pública na América Latina pela London School of Economics. É um dos analistas políticos latino-americanos mais publicados do mundo. Tradução de Angélica Campos/BR Press.


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