Yannick Ngombo, o Afroman, é o «rapper» do momento em Angola. Ele foi o músico que mais gente conseguiu levar ao estádio dos Coqueiros, naquele que seria o seu primeiro grande espectáculo ao vivo, a 23 de Janeiro último. Mais de 22 mil pessoas (cerca de 30 mil segundo um repórter do Jornal de Angola) se fizeram presentes, numa noite inesquecível, para a apresentação do seu álbum de estreia, o «Mentalidade».
[Mentalidade]
Antes, foi o «culpado» do encerramento da «portaria» do cine Atlântico, à Vila Alice, devido aos tumultos que se registaram na primeira sessão de venda pública do seu disco, quando os apreciadores da sua música não olharam a meios para terem a obra nas mãos. A polícia teve de intervir e as autoridades, sob pressão dos donos das lojas situadas no cine, decidiram-se pelo encerramento dessa kitanda dos músicos, transferindo-a para o Parque da Independência, umas centenas de metros mais adiante.
[Possas]
A popularidade da sua música reside no facto de espelhar nelas as vivências que a maior parte de nós tem no dia-a-dia. Em suma, fala dos problemas do povo e o povo, em face disso, se revê nas suas canções. Yannick Ngombo é, seguramente, o último grande fenómeno de massas.
[Controla-se]
Ele é p’ra aqui chamado hoje devido a uma canção que está a «bater» pelo país, por se debruçar sobre uma questão que temos digerido mal, mas que, embora muitos queiram fingir, existe a olhos nus, com consequências negativas para a sociedade. Estamos a falar da discriminação racial, em especial aquela que se abate sobre a maioria do povo: os negros.
[Pra Que]
Com o título de «Realista», a música retrata diversas situações em que esta prática é patente, apelando para que se ponha fim a ela, sob pena de se hipotecar o futuro dos nossos filhos e netos, como quem diz, do próprio país. Curiosamente, ela não faz parte do «Mentalidade», embora já estivesse pronta na altura em que este álbum foi produzido.
[Pelo Menos Bom Dia - feat. Matias Damasio]
Porque razão é que tal aconteceu, foi o que o Semanário Angolense pretendeu, entre outras coisas, saber de Yannick Ngombo, o Afroman, a quem alguns sectores já estão a rotular de «racista». Ele diz que «racista» não é, mas simplesmente «realista».
[Vai e Vem]
Numa entrevista que concedeu ao Semanário Angolense, da qual, no entanto, nos vamos apenas ater aos envolvimentos da canção em apreço num primeiro momento, Yannick Ngombo explica as razões da não inclusão no «Mentalidade» e do seu surgimento no mercado paralelo, ou seja, nos candongueiros e noutras «discotecas-auto» ou ainda em festas ou reuniões de amigos e compadres, onde acaba por assumir um carácter com um quê de «revolucionário», devido à controversa temática nela contida.
[A Luta]
«A música foi feita em função da experiência que tive no exterior. Não há pior coisa do que ser discriminado racialmente. E isto aconteceu comigo. Quando voltei para o país, encontrei a mesma coisa: é o negro a discriminar o próprio negro e o branco a fazer a mesma coisa ou pior. Possas que horror!», justifica o autor do «1-2-3».
[1-2-3]
Yannick Ngombo diz que a música se refere a muitas «cenas de discriminação que têm acontecido cá entre nós, principalmente em relação à cor de cada um».
Segundo o homem de Maquela do Zombo, foi «a força da traição e da pirataria» que colocou a canção no ar, uma vez que estava a projectar inseri-la no seu segundo álbum. «E porque não no Mentalidade, se já estava pronta?», arriscou o jornalista, ao que Yannick Ngombo disse ter sentido necessidade de fazer uma espécie de auto-censura à canção, antes de se decidir em torná-la pública.
[Traz Azar]
«A música faz menção a cenas de discriminação. Você tem vivido esta realidade?», insistiu o jornalista. «Mano, eu não canto à toa. Tudo que canto são situações vividas e todas reais. Fui muitas vezes humilhado em discotecas, em agências bancárias, e em muitos outros sítios públicos», responde.
[Quem Fez a Mulher]
Acrescentando: «Por exemplo, uma vez, quando estive em Benguela e na Huíla, fui travado na porta de uma discoteca por ser negro. Segundo eles (os porteiros), negro em péssimas condições ou calçado de sapatilhas, não podia ter acesso. Mas, os dois brancos que vinham depois de mim, trajados quase com a mesma roupa, tiveram acesso. Isto é coisa de admirar, porque todos nós somos um só povo. Nós não devemos ter preconceito, porque se a cena continuar assim, o que poderá surgir é mais uma guerra».
[Texto do Semanario Angolense, 09/05/09 - onde podera' tambem encontrar a letra de "Realista"]
[Coisa Minima]
N.B.: Nao e' por nada, mas exemplos praticos de "Coisa Minima" podem ser encontrados aqui.
Tuesday, 12 May 2009
AFROMAN!
«Não sou racista, sou realista»
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9 comments:
Grandes recados.
Grandes mesmos.
O que se espera de um verdadeiro «rapper».
Música de intervenção.
Registei, no entanto, a necessidade da auto-censura, e creio que da "outra" também, referente à «Realista».
E registei também, que porventura, por mero acaso apenas, escapou ao controlo e já circula...
Faz-me lembrar qualquer coisa.
Obrigado pela divulgação.
Mesmo.
Pena que o público alvo apenas ri-se e repete as letras das músicas sem reter a grandiosidade da mensagem. "Mentalidade", né que terá que mudar para o nosso próprio bem.
eu aqui não falo máis, eu não sei se a energia é verde, azul ou liláis!!
POSSAS!
umBhalane: Estamos (mesmo) entendidos.
Tchino': Lembremo-nos que "agua mole em pedra dura, tanto bate ate' que fura"!
E enquanto pelo menos os milhares de fas do Afroman forem repetindo as suas letras, a mensagem vai aos poucos passando, se sedimentando e contribuindo para a mudanca de mentalidades...
Mas, creio que o publico alvo (que sao todos os angolanos, sem excepcao) nao se ri apenas e repete as letras das musicas - o facto de terem aderido a essas musicas da forma como aderiram ja' e' um indicador de que eles ja' se apropriaram da propria mensagem; de facto, eles tornaram-se os proprios mensageiros, ao tornarem a musica do Afroman tao bem sucedida nos musseques e nos candongueiros antes ainda de o disco ter sido apresentado ao publico "oficialmente"...
Enfim, quem disse que "o povo nao sabe o que e' bom" e que "o povo e' 'emocional' e 'irracional'"?! Curiosamente alguns dos mesmos que agora tentam usar o Afroman para granjearem uma popularidade que nunca tiveram, como as urnas no ultimo pleito eleitoral (irregularidades e acusacoes de "fraude" a parte) o demonstraram... nao porque quem esta' no poder o tenha efectivamente merecido, mas apenas porque esses "mensageiros de ocasiao" nunca tiveram - e muito menos a souberam ou saberiam articular - uma mensagem tao grandiosa como aquela que, atraves do Afroman, vem directamente do povo do "gheto"!
Man Re': Possas!!!
Extracto da segunda parte da entrevista do Yannick ao SA:
SA - Acha que as suas mensagens
estão mesmo a mudar
consciências?
YN - É o que já disse atrás: as minhas
musicais atingem corações.
É só para lembrarmos que, no discurso
de fim de ano do Presidente
da República, ele também fez referência
à mudança de consciência.
Com isso, quero dizer que até o
Chefe de Estado sentiu o peso da
minha música. Também lhe atingiu
a consciência.
Just for the record...Comentario que deixei neste post (http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2009/05/marcelino-dos-santos-prop%C3%B5e-educa%C3%A7%C3%A3o-pol%C3%ADtica-.html)
no Mocambique Para Todos:
Se me permitem meter a minha foice em seara alheia, com todo o respeito pela carreira politica de Marcelino dos Santos, nao posso deixar de considerar estas suas declaracoes um tanto “bizantinas”...
Este tipo de dirigismo tao tipico do stalinismo e da “revolucao cultural” maoista ha’ muito se demonstrou aberrante em qualquer parte do mundo (...umBhalane, com sua licenca, eu ja' tinha escrito isto ontem, ou anteontem antes de ler os seus comentarios, mas estive sem acesso a internet desde entao :-)
A criacao, seja ela literaria, artistica, musical ou outra, nao se compadece com “enquadramentos politicos” de qualquer sorte. Qualquer engajamento politico por parte do musico so’ faz sentido quando e’ resultante da opcao pessoal do individuo em questao – apenas tal opcao lhe garante e a sua musica o minimo de integridade que toda a arte exige. Nao se pode decretar que os musicos sejam politicamente endoutrinados para “servirem o seu pais” e muito menos que se isolem hermeticamente de qualquer influencia cultural externa ao seu alegado “habitat natural”... Aos musicos espera-se que seja ensinada musica, porque esse e’ o seu oficio, nao politica. E apenas a eles cabe procurarem essa educacao para melhor dominarem a tecnica musical e os seus instrumentos – essa sera’ sempre a melhor forma de eles servirem os seus paises, veiculando a sua cultura e dominando-a por forma a nao perderem a sua identidade propria por maior que seja a sua exposicao a e experimentacao de outras culturas musicais.
So’ para dar um exemplo pratico, tenho neste momento na primeira pagina do meu blog dois posts com musica de dois artistas angolanos, ambos provenientes da mesma provincia e do mesmo grupo etnico, o Bakongo: um, o Wyza, canta e toca predominantemente dentro do estilo musical da sua cultura de origem, o kilapanda, e exclusivamente na sua lingua materna, o Kikongo; outro, o Afroman, canta no estilo ‘rap’ americano, em Portugues, com uns laivos de Ingles aqui e ali. E embora nenhum dos dois tenha qualquer conhecido engajamento politico, ambos se demonstram fieis as suas origens etnicas e cada um dos dois a sua maneira serve politicamente o pais, atraves da veiculacao da cultura nacional e da expressao das preocupacoes da maioria dos cidadaos, quer dentro do pais, quer no estrangeiro. No entanto, em ambos os casos, ha claras influencias de culturas musicais de outras regioes e paises, incluindo da musica classica europeia no caso do Wyza. No caso do Afroman, embora o ouvinte desatento possa incautamente “julga-lo” por cantar num estilo “importado” dos EUA, o facto e’ que no ja’ vasto universo de ‘rappers’ angolanos, ele destingue-se precisamente por fugir a esse estereotipo, cantando versos como, em “Pra Que?”: “(...) falo da nossa realidade, nao dos outros, eu sou ‘made in Angola’, bate a bola... os ‘niggas’ estao sempre em ‘beefs’, eu estou na kizaka (prato tipico bakongo)... nem fomos nos que inventamos o ‘rap’, pra que tantas brigas? (...)”
Por coincidencia, tambem sou originaria do mesmo grupo etnico a que eles pertencem e, sendo como sou uma defensora da cultura Bantu, nao deixo de admitir que essa cultura, embora dominante no continente, nao e’ unica em nenhum dos nossos paises – certamente nao em Angola ou Mocambique – sendo que os Bantu sempre se caracterizaram pela sua capacidade de dialogo com outras culturas, sem com isso perderem necessariamente a sua identidade. O mesmo sendo valido para outras culturas, ainda que minoritarias, existentes no continente e que nele se implantaram, por processos de dominacao externa ou apropriacao interna, ao longo de seculos.
Posted by: Koluki | 19/05/2009 at 16:39
Idem, http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2009/05/marcelino-dos-santos-prop%C3%B5e-educa%C3%A7%C3%A3o-pol%C3%ADtica-.html#comments
"Tiro-lhe o meu chapéu, Koluki.
Didáctica como sempre, racional e emotivamente equilibrada.
Tenho a honra de frequentar o blogue da Koluki, que volto a sugerir, recomendar, a todos os leitores que queiram ter acesso a cultura universal, bons artigos de opinião, e muito boa música.
E vários sobre Angola.
Foi oportuna a sua intervenção.
Kandando.
Posted by: umBhalane | 19/05/2009 at 19:47 "
Kandando
Kanimambo!
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