Wednesday 6 May 2009

OLHARES DIVERSOS (I)



ISMAEL MATEUS AO PAIS

(...)

O problema da liberdade de expressão não se liga apenas à liberdade do jornalista inventar títulos e fazer o que lhe apetecer. Tem a ver com a diversidade de títulos e de órgãos, é fundamental, porque leva a que os cidadãos tenham diversidade de escolha. Tem a ver também com a responsabilidade do jornalista, mas, sobretudo, tem a ver com o exercício do contraditório. E esse parece-nos ser o principal problema de que os órgãos enfermam. Os órgãos não têm o hábito do contraditório. Alguém se lembra de pôr um título desses que falamos há bocado, mas a pessoa que é lesada, que é atacada, não tem o direito de, naquele mesmo espaço, dizer o que pensa. O que chega ao leitor, ouvinte ou telespectador, não é uma visão de todas as partes. Isso é um problema, uma irresponsabilidade que ataca valores importantes. Este é um problema dos profissionais …
(...)
O jornalista, mesmo que indirectamente, está condicionado. Eu procuro dizer tudo o que penso, mas também tenho a clara sensação que se eu não tiver esse cuidado na abordagem de certas matérias, se disser tudo o que realmente penso em relação a alguns assuntos, no dia seguinte não sou convidado para coisa alguma. O problema é que na nossa sociedade se impôs uma mentalidade do jornalismo dócil, ou seja, a ideia que os políticos têm (os políticos neste momento é que têm os jornais, é que têm a liderança política) é a de que um bom jornalista é o que aplaude. Ou seja, ainda não se chegou ao estágio, na nossa sociedade, em que se pensa que a crítica construtiva, a crítica responsável, contribui muito para o crescimento da própria sociedade. Ainda não chegamos a essa fase e, portanto, a crítica, seja ela boa ou má, construtiva ou não, é vista como uma coisa a não incluir. Isso acabou por afectar o nível e a qualidade dos nossos órgãos. As nomeações, as indicações para os lugares principais, tudo isso seguiu essa lógica, quanto mais simpático o jornalista for com o regime, mais possibilidades tem de chegar ao topo. E nem sempre essas pessoas eram necessariamente qualificadas para tais tarefas …
(...)
E os títulos publicados em Luanda têm a lógica, uns do passado e outros, os novos títulos, penso que trazem outro tipo de problemas. Trazem problemas, por exemplo, ligados a uma proximidade política com o regime, e isso cria alguma dificuldade.
(...)
Por outro lado, há no nosso jornalismo ainda a “lógica do meu quintal”. – Olha, eu tenho o meu quintal – mesmo que as pessoas amanhã sejam proprietárias de nada. Mas ele quer dizer: “Eu aqui sou o dono do jornal, portanto não faço ligações com ninguém”. O quadro actual deveria levar à aglutinação de uma vez. Fazer redacções fortes, direcções fortes, mas isso não acontece, é como os partidos políticos. Eu aqui tenho um partido que só tem duas pessoas, mas eu sou o presidente. A lógica dos nossos jornais é essa também, com todo o respeito pelos meus colegas. Portanto os jornais vão morrendo, ou cada um tem de ir buscar outras alternativas. (...) Todo esse sistema vai levar a que os jornais existentes até agora tenham menos possibilidades de vida, é uma questão a prazo, pode ser daqui a cinco anos, três, mas vai acontecer se não houver uma atitude mais séria e mais organizada.
(...)
A nossa sociedade não tem debate, não tem troca de opiniões, troca de argumentos. É o tal problema da crítica. Como o debate implica crítica, implica diversidade, não se vê em lado algum. Logo, há órgãos que apercebendo-se disso aumentaram a sua carga de opinião. E são consumidos. Porque deixam a vertente noticiarista mas trazem a resposta, em que várias pessoas opinam sobre um tema e a nossa sociedade não o tem em mais lado nenhum.
(...)
Eu não sinto, no conjunto das opiniões que saem nos novos jornais, o substrato nacional. Sinto que há pessoas já muito conhecedoras da realidade de Luanda, mas sinto que está muito presa a um pequeno grupo de pessoas que conhecem a realidade de Luanda de um determinado modo. Eu gostava de ver mais, sobretudo no Jornal de Angola. Aliando estes três grandes, os novos jornais e o Jornal de Angola, gostava de ver mais gente das províncias, gente muito rica, do ponto de vista do conhecimento, a escrever. Infelizmente não temos isso. Uma pessoa que vive a realidade de Cabinda, por exemplo, escreve, necessariamente, com os exemplos dessa realidade, um indivíduo que seja kuanhama transmite, necessariamente, nos seus textos, essa realidade. Esse substrato nacional é que não sinto nas opiniões que são veiculadas, incluindo a minha, ficamos muito num circuito luandense.
(...)
As pessoas chegam a jornalistas apenas pelos seus olhos. Não há carteira profissional, não há nada como um estatuto do jornalista, não há regulamento da Lei de Imprensa, não há nada que obrigue uma pessoa a dar provas de que é jornalista. As pessoas chegam a jornalistas porque se autodenominam jornalistas. Chamam uma pessoa e diz na televisão “olha, eu sou jornalista” e a partir desse momento é jornalista. Esse é um problema sério da nossa vida. Não começa nos estrangeiros, começa nos angolanos. Essa desregra leva a que quem chega aqui, não tem de provar se realmente trabalhou, se é jornalista, não tem de provar se é competente e entra no mercado. O sindicato chama a atenção, muito claramente, sobre os jornalistas que estão que estão no desemprego, porque há jornalistas que estão no desemprego. E, como é possível que estejam a ser feitas contratações no estrangeiro sem que antes se dessem oportunidades aos angolanos de irem lá fazer provas se são capazes ou não.
(...)
Tem de haver regras para contratar estrangeiros, a menos que alguém me diga que os angolanos não são, todos, competentes. Quem é que disse que algumas dessas pessoas são mais competentes que angolanos? Mostrem o portfólio dessas pessoas, onde é que eles escreveram, mostrem até, sobretudo portugueses e brasileiros, se estão reconhecidos nas suas próprias associações de jornalistas. Eu conheço dois casos que não está, lá, reconhecidos como jornalistas, não são, nunca foram jornalistas em Portugal e vêm aqui e são recebidos como jornalistas. Ou seja, essa coisa de andarem a dizer que os angolanos não prestam, que não têm boa qualidade, para já é uma brincadeira porque quando foi preciso ir buscar quem dirige os órgãos foram buscar quadros angolanos, que são conhecedores da realidade. Por outro lado, quem quer fazer um investimento, de facto, tem de investir na formação, se os angolanos não têm qualidade não é trazendo estrangeiros que agora vão passar a ter. É formando os angolanos para que isso tenha para que os projectos tenham qualidade e continuidade. Isso é uma pescadinha de rabo na boca, às vezes as pessoas resolvem culpar os angolanos de não terem qualidade, mas na realidade não há melhor conhecedor da realidade angolana que os jornalistas angolanos. Aliás, quando nós olhamos para o O PAÍS, quando olhamos para o Novo Jornal, o Expansão, quem escreve as grandes matérias não são os estrangeiros, são os angolanos. Não me venham dizer que não têm qualidade porque isso é brincadeira.
(...)
Nós estamos muito influenciados por uma cultura lusoangolana, começamos a receber mais facilmente os problemas do PSD e do PS, em Portugal, que as eleições do Zuma aqui perto e que tem uma grande influência na nossa vida. Porque os grandes grupos económicos que estão a comprar os jornais são de feição luso-angolana, mas sobretudo porque as preocupações de quem escreve para estes jornais é luso-angolana. Temos muito pouco retorno da realidade aqui e deveríamos incentivar isso.
(...)
É isso mesmo, diversidade “rácica”, o país não pode ser só gente de uma cor ou de outra, é o problema dos modelos. Quando temos uma pessoa na televisão estamos a passar modelos, é uma preocupação que temos de ter. Ter de ter mesmo, não há dúvidas. Sinto que às vezes, no nosso país, nós temos de pedir licença para ser negro, “deixem-me ser negro durante quinze minutos”. Não pode haver esse problema …
(...)
Ser negro é a cor da pele, são os hábitos. Por isso mesmo a questão dos modelos de sociedade que lançamos não pode ser a Brigitte Bardot ou outros modelos, tem de haver uma ligação. Não vejo porque se tem de discutir isso. Não vejo que haja preocupação em Portugal que é uma sociedade declaradamente branca, nos noticiários, não vejo ninguém a discutir se deve ser um branco ou um negro, e não vejo nenhum problema nisso. Agora quando chega aqui, que temos de ser maioritariamente negro, nem digo exclusivamente negro, porque esses são os nossos modelos de referência cai o Carmo e a Trindade, qual é o problema?
(...)
Nós não estamos habituados ao debate, andamos com rótulos. Quando as pessoas lerem esse bocado do Ismael Mateus no dia seguinte já sou racista e xenófobo. Tem de haver tranquilidade nestas questões. Nós somos um país de maioria negra, não podemos andar a pedir licença para sermos um país de maioria negra. Os modelos de referência que passamos ao nosso país têm de ser de maioria negra. As nossas crianças têm de conviver com a sua cor, com o seu modo de estar, tranquilamente. Vejamos o sucesso da boneca Analtina, porquê? Porque os modelos de referência das nossas meninas deixaram de ser as loiras e passou a ser a Analtina boneca, as miúdas reconhecem-se, identificam- se com a boneca e dizem “Eu também sou bonita”. É isso que temos de discutir e deixar de pensar que podemos passar, tranquilamente, modelos de referência que não atendam a essa diversidade. O que eu digo é maioria, porque também não sou apologista de radicalismos. Somos uma diversidade e é preciso entender essa diversidade. Mas por favor, sendo uma clara maioria negra, não nos levem a pedir favor para podermos ser negros, isso não. Já reparou que nos serviços bem pagos , há discotecas onde, para um negro entrar, tem de pedir por favor?. Os serviços mais bem pagos a gente chega lá olha para aquilo, vê uma negra como se, ser negro, fosse sinal de incompetência.
(...)
A discussão não é se uma modelo ou miss deveria ser negra ou não negra, isso é estúpido, o país é diverso e é normal que tenhamos modelos e misses de todas as cores, não há angolanos de primeira e de segunda. O problema é, se na hora de mostrar modelos, venham só loiras. Imaginemos uma branca, loira, mas com modelos sociais e culturais angolanos, há?. É o problema, os modelos de referência. Há muitos angolanos não negros, ninguém põe isso em causa, para muitos seria até insultuoso. A questão que coloco é que tanto a publicidade como os meios de comunicação dirigem-se às maiorias, então temos de atender às necessidades e às expectativas das maiorias, é tão simples quanto isso, é um problema numérico, de maiorias e também de diversidade porque não nos podemos fixar só nas maiorias. Não me digam que as minorias é que representam as maiorias, isso não aceito. Acabou a guerra, agora temos de acabar com os complexos, há países que estabeleceram quotas . As mulheres conseguiram. Porque não discutimos essas coisas? Acho que o podemos fazer de forma serena, tranquila.
(...)
Nós temos a nossa forma de falar, existem expressões angolanas, tudo isso está a ser sacrificado por meia dúzia de pessoas, ou porque não dão importância ou porque viveram fora. Acham que fala português quem fala como em Coimbra. No outro dia soube que determinada rádio tinha feito uma opção por determinado tipo de locutores ou por determinado tipo de pessoas porque os angolanos não sabem falar português. Imagina um angolano que faz gala do seu modo de falar e do seu modo de estar na vida ouvir uma coisa dessas. São coisas que me parecem insultuosas que não estão a ser devidamente acauteladas e que vão dar problemas, porque a permissividade que temos em algumas áreas como a lei da nacionalidade que permite que cidadãos que,há alguns anos atrás até se ecusavam a ser angolanos e agora chegam aqui, tiram o bilhete e no dia seguinte são angolanos, mas depois o modo de estar é português, o timbre da voz é português e estão em igualdade de circunstâncias com os angolanos que ficaram cá. Tudo isso vai criar um sentimento que se não for acautelado poderá ter maus resultados. Porque não me parece justo que as pessoas tenham andado aqui no batente e agora chega um indivíduo que nunca quis saber disso e diga “Olha, eu nasci no Kuangar” e tira o bilhete …
(...)
Claro, o problema não é só com os brancos, embora com esses se note mais. Mas se for ao Kuango verá os problemas que temos com os estrangeiros negros, é igual, o problema é a facilidade com que as pessoas chegam e se tornam angolanas e em condições vantajosas disputam os lugares com os angolanos. Alguns deles vêm como cooperantes e depois exibem o bilhete angolano e dizem que são tão angolanos como você e ainda disputam consigo o crédito no nosso banco quando ele já tem lá as suas condições. No caso dos negros é o problema das fronteiras e a facilidade com que se integram, é difícil separar um kuanhama do outro lado da fronteira. O problema é o angolano de ocasião, por mero interesse de mercado, um indivíduo que chega cá em condições vantajosas, disputa oportunidades e depois, ao sair já vai como português ou espanhol. O que há a fazer já não é rever é, pelo menos parar com isso.

{Leia mais aqui}

http://www.angonoticias.com/Artigos/item/22132 {Para olhares relacionados, ver aqui , aqui , aqui e aqui}


ISMAEL MATEUS AO PAIS

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O problema da liberdade de expressão não se liga apenas à liberdade do jornalista inventar títulos e fazer o que lhe apetecer. Tem a ver com a diversidade de títulos e de órgãos, é fundamental, porque leva a que os cidadãos tenham diversidade de escolha. Tem a ver também com a responsabilidade do jornalista, mas, sobretudo, tem a ver com o exercício do contraditório. E esse parece-nos ser o principal problema de que os órgãos enfermam. Os órgãos não têm o hábito do contraditório. Alguém se lembra de pôr um título desses que falamos há bocado, mas a pessoa que é lesada, que é atacada, não tem o direito de, naquele mesmo espaço, dizer o que pensa. O que chega ao leitor, ouvinte ou telespectador, não é uma visão de todas as partes. Isso é um problema, uma irresponsabilidade que ataca valores importantes. Este é um problema dos profissionais …
(...)
O jornalista, mesmo que indirectamente, está condicionado. Eu procuro dizer tudo o que penso, mas também tenho a clara sensação que se eu não tiver esse cuidado na abordagem de certas matérias, se disser tudo o que realmente penso em relação a alguns assuntos, no dia seguinte não sou convidado para coisa alguma. O problema é que na nossa sociedade se impôs uma mentalidade do jornalismo dócil, ou seja, a ideia que os políticos têm (os políticos neste momento é que têm os jornais, é que têm a liderança política) é a de que um bom jornalista é o que aplaude. Ou seja, ainda não se chegou ao estágio, na nossa sociedade, em que se pensa que a crítica construtiva, a crítica responsável, contribui muito para o crescimento da própria sociedade. Ainda não chegamos a essa fase e, portanto, a crítica, seja ela boa ou má, construtiva ou não, é vista como uma coisa a não incluir. Isso acabou por afectar o nível e a qualidade dos nossos órgãos. As nomeações, as indicações para os lugares principais, tudo isso seguiu essa lógica, quanto mais simpático o jornalista for com o regime, mais possibilidades tem de chegar ao topo. E nem sempre essas pessoas eram necessariamente qualificadas para tais tarefas …
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E os títulos publicados em Luanda têm a lógica, uns do passado e outros, os novos títulos, penso que trazem outro tipo de problemas. Trazem problemas, por exemplo, ligados a uma proximidade política com o regime, e isso cria alguma dificuldade.
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Por outro lado, há no nosso jornalismo ainda a “lógica do meu quintal”. – Olha, eu tenho o meu quintal – mesmo que as pessoas amanhã sejam proprietárias de nada. Mas ele quer dizer: “Eu aqui sou o dono do jornal, portanto não faço ligações com ninguém”. O quadro actual deveria levar à aglutinação de uma vez. Fazer redacções fortes, direcções fortes, mas isso não acontece, é como os partidos políticos. Eu aqui tenho um partido que só tem duas pessoas, mas eu sou o presidente. A lógica dos nossos jornais é essa também, com todo o respeito pelos meus colegas. Portanto os jornais vão morrendo, ou cada um tem de ir buscar outras alternativas. (...) Todo esse sistema vai levar a que os jornais existentes até agora tenham menos possibilidades de vida, é uma questão a prazo, pode ser daqui a cinco anos, três, mas vai acontecer se não houver uma atitude mais séria e mais organizada.
(...)
A nossa sociedade não tem debate, não tem troca de opiniões, troca de argumentos. É o tal problema da crítica. Como o debate implica crítica, implica diversidade, não se vê em lado algum. Logo, há órgãos que apercebendo-se disso aumentaram a sua carga de opinião. E são consumidos. Porque deixam a vertente noticiarista mas trazem a resposta, em que várias pessoas opinam sobre um tema e a nossa sociedade não o tem em mais lado nenhum.
(...)
Eu não sinto, no conjunto das opiniões que saem nos novos jornais, o substrato nacional. Sinto que há pessoas já muito conhecedoras da realidade de Luanda, mas sinto que está muito presa a um pequeno grupo de pessoas que conhecem a realidade de Luanda de um determinado modo. Eu gostava de ver mais, sobretudo no Jornal de Angola. Aliando estes três grandes, os novos jornais e o Jornal de Angola, gostava de ver mais gente das províncias, gente muito rica, do ponto de vista do conhecimento, a escrever. Infelizmente não temos isso. Uma pessoa que vive a realidade de Cabinda, por exemplo, escreve, necessariamente, com os exemplos dessa realidade, um indivíduo que seja kuanhama transmite, necessariamente, nos seus textos, essa realidade. Esse substrato nacional é que não sinto nas opiniões que são veiculadas, incluindo a minha, ficamos muito num circuito luandense.
(...)
As pessoas chegam a jornalistas apenas pelos seus olhos. Não há carteira profissional, não há nada como um estatuto do jornalista, não há regulamento da Lei de Imprensa, não há nada que obrigue uma pessoa a dar provas de que é jornalista. As pessoas chegam a jornalistas porque se autodenominam jornalistas. Chamam uma pessoa e diz na televisão “olha, eu sou jornalista” e a partir desse momento é jornalista. Esse é um problema sério da nossa vida. Não começa nos estrangeiros, começa nos angolanos. Essa desregra leva a que quem chega aqui, não tem de provar se realmente trabalhou, se é jornalista, não tem de provar se é competente e entra no mercado. O sindicato chama a atenção, muito claramente, sobre os jornalistas que estão que estão no desemprego, porque há jornalistas que estão no desemprego. E, como é possível que estejam a ser feitas contratações no estrangeiro sem que antes se dessem oportunidades aos angolanos de irem lá fazer provas se são capazes ou não.
(...)
Tem de haver regras para contratar estrangeiros, a menos que alguém me diga que os angolanos não são, todos, competentes. Quem é que disse que algumas dessas pessoas são mais competentes que angolanos? Mostrem o portfólio dessas pessoas, onde é que eles escreveram, mostrem até, sobretudo portugueses e brasileiros, se estão reconhecidos nas suas próprias associações de jornalistas. Eu conheço dois casos que não está, lá, reconhecidos como jornalistas, não são, nunca foram jornalistas em Portugal e vêm aqui e são recebidos como jornalistas. Ou seja, essa coisa de andarem a dizer que os angolanos não prestam, que não têm boa qualidade, para já é uma brincadeira porque quando foi preciso ir buscar quem dirige os órgãos foram buscar quadros angolanos, que são conhecedores da realidade. Por outro lado, quem quer fazer um investimento, de facto, tem de investir na formação, se os angolanos não têm qualidade não é trazendo estrangeiros que agora vão passar a ter. É formando os angolanos para que isso tenha para que os projectos tenham qualidade e continuidade. Isso é uma pescadinha de rabo na boca, às vezes as pessoas resolvem culpar os angolanos de não terem qualidade, mas na realidade não há melhor conhecedor da realidade angolana que os jornalistas angolanos. Aliás, quando nós olhamos para o O PAÍS, quando olhamos para o Novo Jornal, o Expansão, quem escreve as grandes matérias não são os estrangeiros, são os angolanos. Não me venham dizer que não têm qualidade porque isso é brincadeira.
(...)
Nós estamos muito influenciados por uma cultura lusoangolana, começamos a receber mais facilmente os problemas do PSD e do PS, em Portugal, que as eleições do Zuma aqui perto e que tem uma grande influência na nossa vida. Porque os grandes grupos económicos que estão a comprar os jornais são de feição luso-angolana, mas sobretudo porque as preocupações de quem escreve para estes jornais é luso-angolana. Temos muito pouco retorno da realidade aqui e deveríamos incentivar isso.
(...)
É isso mesmo, diversidade “rácica”, o país não pode ser só gente de uma cor ou de outra, é o problema dos modelos. Quando temos uma pessoa na televisão estamos a passar modelos, é uma preocupação que temos de ter. Ter de ter mesmo, não há dúvidas. Sinto que às vezes, no nosso país, nós temos de pedir licença para ser negro, “deixem-me ser negro durante quinze minutos”. Não pode haver esse problema …
(...)
Ser negro é a cor da pele, são os hábitos. Por isso mesmo a questão dos modelos de sociedade que lançamos não pode ser a Brigitte Bardot ou outros modelos, tem de haver uma ligação. Não vejo porque se tem de discutir isso. Não vejo que haja preocupação em Portugal que é uma sociedade declaradamente branca, nos noticiários, não vejo ninguém a discutir se deve ser um branco ou um negro, e não vejo nenhum problema nisso. Agora quando chega aqui, que temos de ser maioritariamente negro, nem digo exclusivamente negro, porque esses são os nossos modelos de referência cai o Carmo e a Trindade, qual é o problema?
(...)
Nós não estamos habituados ao debate, andamos com rótulos. Quando as pessoas lerem esse bocado do Ismael Mateus no dia seguinte já sou racista e xenófobo. Tem de haver tranquilidade nestas questões. Nós somos um país de maioria negra, não podemos andar a pedir licença para sermos um país de maioria negra. Os modelos de referência que passamos ao nosso país têm de ser de maioria negra. As nossas crianças têm de conviver com a sua cor, com o seu modo de estar, tranquilamente. Vejamos o sucesso da boneca Analtina, porquê? Porque os modelos de referência das nossas meninas deixaram de ser as loiras e passou a ser a Analtina boneca, as miúdas reconhecem-se, identificam- se com a boneca e dizem “Eu também sou bonita”. É isso que temos de discutir e deixar de pensar que podemos passar, tranquilamente, modelos de referência que não atendam a essa diversidade. O que eu digo é maioria, porque também não sou apologista de radicalismos. Somos uma diversidade e é preciso entender essa diversidade. Mas por favor, sendo uma clara maioria negra, não nos levem a pedir favor para podermos ser negros, isso não. Já reparou que nos serviços bem pagos , há discotecas onde, para um negro entrar, tem de pedir por favor?. Os serviços mais bem pagos a gente chega lá olha para aquilo, vê uma negra como se, ser negro, fosse sinal de incompetência.
(...)
A discussão não é se uma modelo ou miss deveria ser negra ou não negra, isso é estúpido, o país é diverso e é normal que tenhamos modelos e misses de todas as cores, não há angolanos de primeira e de segunda. O problema é, se na hora de mostrar modelos, venham só loiras. Imaginemos uma branca, loira, mas com modelos sociais e culturais angolanos, há?. É o problema, os modelos de referência. Há muitos angolanos não negros, ninguém põe isso em causa, para muitos seria até insultuoso. A questão que coloco é que tanto a publicidade como os meios de comunicação dirigem-se às maiorias, então temos de atender às necessidades e às expectativas das maiorias, é tão simples quanto isso, é um problema numérico, de maiorias e também de diversidade porque não nos podemos fixar só nas maiorias. Não me digam que as minorias é que representam as maiorias, isso não aceito. Acabou a guerra, agora temos de acabar com os complexos, há países que estabeleceram quotas . As mulheres conseguiram. Porque não discutimos essas coisas? Acho que o podemos fazer de forma serena, tranquila.
(...)
Nós temos a nossa forma de falar, existem expressões angolanas, tudo isso está a ser sacrificado por meia dúzia de pessoas, ou porque não dão importância ou porque viveram fora. Acham que fala português quem fala como em Coimbra. No outro dia soube que determinada rádio tinha feito uma opção por determinado tipo de locutores ou por determinado tipo de pessoas porque os angolanos não sabem falar português. Imagina um angolano que faz gala do seu modo de falar e do seu modo de estar na vida ouvir uma coisa dessas. São coisas que me parecem insultuosas que não estão a ser devidamente acauteladas e que vão dar problemas, porque a permissividade que temos em algumas áreas como a lei da nacionalidade que permite que cidadãos que,há alguns anos atrás até se ecusavam a ser angolanos e agora chegam aqui, tiram o bilhete e no dia seguinte são angolanos, mas depois o modo de estar é português, o timbre da voz é português e estão em igualdade de circunstâncias com os angolanos que ficaram cá. Tudo isso vai criar um sentimento que se não for acautelado poderá ter maus resultados. Porque não me parece justo que as pessoas tenham andado aqui no batente e agora chega um indivíduo que nunca quis saber disso e diga “Olha, eu nasci no Kuangar” e tira o bilhete …
(...)
Claro, o problema não é só com os brancos, embora com esses se note mais. Mas se for ao Kuango verá os problemas que temos com os estrangeiros negros, é igual, o problema é a facilidade com que as pessoas chegam e se tornam angolanas e em condições vantajosas disputam os lugares com os angolanos. Alguns deles vêm como cooperantes e depois exibem o bilhete angolano e dizem que são tão angolanos como você e ainda disputam consigo o crédito no nosso banco quando ele já tem lá as suas condições. No caso dos negros é o problema das fronteiras e a facilidade com que se integram, é difícil separar um kuanhama do outro lado da fronteira. O problema é o angolano de ocasião, por mero interesse de mercado, um indivíduo que chega cá em condições vantajosas, disputa oportunidades e depois, ao sair já vai como português ou espanhol. O que há a fazer já não é rever é, pelo menos parar com isso.

{Leia mais aqui}

http://www.angonoticias.com/Artigos/item/22132 {Para olhares relacionados, ver aqui , aqui , aqui e aqui}

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