Friday, 29 May 2009

AINDA SOBRE AS "7 MARAVILHAS PORTUGUESAS NO MUNDO"

Ainda sobre esta questao, um grupo de historiadores, incluindo alguns angolanos, acaba de emitir uma peticao dirigida ao Governo Portugues, suportada por esta carta aberta:


O concurso As 7 maravilhas portuguesas no mundo ignora a história da escravidão e do tráfico atlântico

Há mais ou menos vinte anos, vários países europeus, americanos e africanos vêm afirmando a memória dolorosa do comércio de africanos escravizados e valorizando o patrimônio que lhe é associado. Essa valorização se traduziu não somente na publicação de um grande número de obras historiográficas, mas também se expressou na realização de projetos como A Rota do Escravo iniciado pela UNESCO em 1994.

Apesar das dificuldades e das lutas políticas que envolveram a emergência da memória do passado escravista das nações europeias, americanas e africanas, de dez anos para cá a memória e a história do comércio atlântico passaram a fazer parte da memória pública de muitos países nos três continentes circundando o Atlântico. Em 2001, através da Lei Taubira, a França foi o primeiro país a reconhecer a escravidão e o tráfico atlântico como crimes contra a humanidade. Também na França, o 10 de Maio é doravante "dia nacional de comemoração das memórias do tráfico negreiro, da escravatura e das suas abolições". Em 2001, em Durban na África do Sul, a Terceira Conferência da ONU contra o racismo inscreveu em suas declarações finais a escravidão como "crime contra a humanidade". Em 1992, na Casa dos Escravos na Ilha de Gorée no Senegal, o Papa João Paulo II expressou suas desculpas pelo papel desempenhado pela Igreja Católica durante o tráfico atlântico. Bill Clinton, George W. Bush, e o próprio Presidente do Brasil, Luis Inácio Lula da Silva, condenaram publicamente a participação passada de seus países no comércio atlântico de africanos escravizados. Em 2006, Michaelle Jean, governadora geral do Canadá, escolheu o Castelo de Elmina em Gana para denunciar passado escravista. Em 2007, durante as comemorações do aniversário de duzentos anos da abolição do tráfico de escravos pela Inglaterra, foi a vez do ministro Tony Blair expressar publicamente seu profundo pesar pelo papel da Grã-Bretanha no comércio de africanos escravizados.

Em pleno ano de 2009, o governo de Portugal e instituições portuguesas como a Universidade de Coimbra, escolheram um caminho oposto ao descrito acima. No primeiro semestre desse ano essas instituições apoiaram a realização de um concurso para escolher as Sete Maravilhas Portuguesas no Mundo. Na lista das Sete Maravilhas a serem votadas pelo público na internet (http://www.7maravilhas.sapo.pt), constam não somente o Castelo São Jorge da Mina (Elmina), entreposto comercial fundado pelos portugueses em 1482, mas também a Cidade Velha (Ribeira Grande) na Ilha de Santiago em Cabo Verde, além de Luanda e da Ilha de Moçambique. Ao descrever esses sítios, a organização do concurso optou por omitir o uso desses lugares para o comércio de escravos. No texto descrevendo o Castelo São Jorge da Mina ou Elmina chegou-se ao cúmulo de afirmar que aquele local foi entreposto de escravos somente a partir da ocupação holandesa em 1637.

Para ser fiel à história e moralmente responsável, consideramos que a inclusão desses "monumentos" no dito concurso deveria ser acompanhada de informações completas sobre o papel deles no tráfico atlântico, assim como sobre seu uso atual. O Castelo de São Jorge da Mina ou Elmina, por exemplo, é hoje um museu que tenta retratar a história do tráfico. Trata-se de um lugar visitado por milhares de turistas de todo o mundo, entre os quais muitos representantes da diáspora africana que buscam ali prestar homenagem a seus ancestrais. O governo português, as instituições que apóiam o concurso e sua organização ignoraram a dor daqueles que tiveram seus antepassados deportados desses entrepostos comerciais e muitas vezes ali mortos. Seria possível desvincular a arquitetura dessas construções do papel que elas tiveram no passado e que ainda têm no presente enquanto lugares de memória da imensa tragédia que representou o tráfico transatlântico e a escravidão africana nas colônias européias ? Segundo as estimativas mais recentes (www.slavevoyages.org), Portugal e posteriormente sua ex-colônia, o Brasil, foram juntos responsáveis por quase a metade dos 12 milhões de cativos transportados através do Atlântico.

Em respeito à história e à memória dos milhões de vítimas do tráfico atlântico de escravos, viemos através desta carta aberta repudiar a omissão do papel que tiveram esses lugares no comércio atlântico de africanos escravizados. Convidamos todos aqueles que têm um compromisso com a pesquisa do tráfico atlântico de escravos e da escravidão a repudiar que essa história seja banalizada e apagada em prol da exaltação de um passado português glorioso expresso na suposta "beleza" arquitetural de tais sítios de morte e tragédia.

[Podera' consultar a lista de subscritores e assinar a peticao aqui]
Ainda sobre esta questao, um grupo de historiadores, incluindo alguns angolanos, acaba de emitir uma peticao dirigida ao Governo Portugues, suportada por esta carta aberta:


O concurso As 7 maravilhas portuguesas no mundo ignora a história da escravidão e do tráfico atlântico

Há mais ou menos vinte anos, vários países europeus, americanos e africanos vêm afirmando a memória dolorosa do comércio de africanos escravizados e valorizando o patrimônio que lhe é associado. Essa valorização se traduziu não somente na publicação de um grande número de obras historiográficas, mas também se expressou na realização de projetos como A Rota do Escravo iniciado pela UNESCO em 1994.

Apesar das dificuldades e das lutas políticas que envolveram a emergência da memória do passado escravista das nações europeias, americanas e africanas, de dez anos para cá a memória e a história do comércio atlântico passaram a fazer parte da memória pública de muitos países nos três continentes circundando o Atlântico. Em 2001, através da Lei Taubira, a França foi o primeiro país a reconhecer a escravidão e o tráfico atlântico como crimes contra a humanidade. Também na França, o 10 de Maio é doravante "dia nacional de comemoração das memórias do tráfico negreiro, da escravatura e das suas abolições". Em 2001, em Durban na África do Sul, a Terceira Conferência da ONU contra o racismo inscreveu em suas declarações finais a escravidão como "crime contra a humanidade". Em 1992, na Casa dos Escravos na Ilha de Gorée no Senegal, o Papa João Paulo II expressou suas desculpas pelo papel desempenhado pela Igreja Católica durante o tráfico atlântico. Bill Clinton, George W. Bush, e o próprio Presidente do Brasil, Luis Inácio Lula da Silva, condenaram publicamente a participação passada de seus países no comércio atlântico de africanos escravizados. Em 2006, Michaelle Jean, governadora geral do Canadá, escolheu o Castelo de Elmina em Gana para denunciar passado escravista. Em 2007, durante as comemorações do aniversário de duzentos anos da abolição do tráfico de escravos pela Inglaterra, foi a vez do ministro Tony Blair expressar publicamente seu profundo pesar pelo papel da Grã-Bretanha no comércio de africanos escravizados.

Em pleno ano de 2009, o governo de Portugal e instituições portuguesas como a Universidade de Coimbra, escolheram um caminho oposto ao descrito acima. No primeiro semestre desse ano essas instituições apoiaram a realização de um concurso para escolher as Sete Maravilhas Portuguesas no Mundo. Na lista das Sete Maravilhas a serem votadas pelo público na internet (http://www.7maravilhas.sapo.pt), constam não somente o Castelo São Jorge da Mina (Elmina), entreposto comercial fundado pelos portugueses em 1482, mas também a Cidade Velha (Ribeira Grande) na Ilha de Santiago em Cabo Verde, além de Luanda e da Ilha de Moçambique. Ao descrever esses sítios, a organização do concurso optou por omitir o uso desses lugares para o comércio de escravos. No texto descrevendo o Castelo São Jorge da Mina ou Elmina chegou-se ao cúmulo de afirmar que aquele local foi entreposto de escravos somente a partir da ocupação holandesa em 1637.

Para ser fiel à história e moralmente responsável, consideramos que a inclusão desses "monumentos" no dito concurso deveria ser acompanhada de informações completas sobre o papel deles no tráfico atlântico, assim como sobre seu uso atual. O Castelo de São Jorge da Mina ou Elmina, por exemplo, é hoje um museu que tenta retratar a história do tráfico. Trata-se de um lugar visitado por milhares de turistas de todo o mundo, entre os quais muitos representantes da diáspora africana que buscam ali prestar homenagem a seus ancestrais. O governo português, as instituições que apóiam o concurso e sua organização ignoraram a dor daqueles que tiveram seus antepassados deportados desses entrepostos comerciais e muitas vezes ali mortos. Seria possível desvincular a arquitetura dessas construções do papel que elas tiveram no passado e que ainda têm no presente enquanto lugares de memória da imensa tragédia que representou o tráfico transatlântico e a escravidão africana nas colônias européias ? Segundo as estimativas mais recentes (www.slavevoyages.org), Portugal e posteriormente sua ex-colônia, o Brasil, foram juntos responsáveis por quase a metade dos 12 milhões de cativos transportados através do Atlântico.

Em respeito à história e à memória dos milhões de vítimas do tráfico atlântico de escravos, viemos através desta carta aberta repudiar a omissão do papel que tiveram esses lugares no comércio atlântico de africanos escravizados. Convidamos todos aqueles que têm um compromisso com a pesquisa do tráfico atlântico de escravos e da escravidão a repudiar que essa história seja banalizada e apagada em prol da exaltação de um passado português glorioso expresso na suposta "beleza" arquitetural de tais sítios de morte e tragédia.

[Podera' consultar a lista de subscritores e assinar a peticao aqui]

2 comments:

lugardexilio said...

Tomei a liberdade de colocar excertos desta postagem no meu blogue.
Algum tempo que não o visitava. Casa nova, lindo grafismo,excelente

Koluki said...

Obrigada Agry.
Tambem vejo que, felizmente (!), desistiu de abandonar a blogsfera e esta' ate' de "lugar" novo. Parabens!