Friday 21 August 2009

OLHARES DIVERSOS (IX)

PONTO DE VISTA PESSOAL

Os partidos da oposição e algumas organizações cívicas que estão a fazer aproveitamento populista disso deveriam ter mais cuidado: estão a brincar com um barril de pólvora que, ao explodir, pode liquidá-los também. E o partido no poder, que, por isso mesmo, tem responsabilidades acrescidas, deve ser mais prudente na sua actuação para não dar azo a situações como aquela marcha travada in extremis. Por acaso fui apanhado no meio dela quando, passando pela estrada da Samba, me dirigia ao serviço. Lembro-me de ter apanhado um valente susto quando um dos manifestantes, muito irado, deu um valente soco na porta do meu carro enquanto gritava ‹‹são esses brancos de merda...››! Tirei o chapéu que sempre uso para que todos os manifestantes vissem que o meu cabelo, apesar de branco, era encarapinhado demais para ser de um ‹‹branco››... enquanto tremia de medo.

Esta semana estive – como aliás quase toda a equipa do Semanário Angolense – bastante envolvido em estudar e compreender a recente onda de demolições e as reacções que provocam na cidade de Luanda. Conversei com vários actores, ouvi discursos, entrevistas e depoimentos e fiz uma visita aos bairros Iraque e Bagdade. Por isso, deixo aqui expressa a minha opinião sobre o assunto.

Como outros cidadãos, eu também estou a construir uma casa. Sei o que é apertar o cinto, contrair empréstimos, passar noites sem dormir para ver de onde poderão sair mais alguns tostões para comprar mais uns blocos, uns sacos de cimento, um mosaico, um azulejo. Para ‹‹poupar o dinheiro das rendas e terminar já dentro›› eu e a minha família começamos a habitar a casa em construção quando ela nem sequer portas e janelas tinha. Durante dois dias ficamos totalmente expostos. Lembro-me que uma das minhas filhas não dormia por causa dos mosquitos.

Eu sei o que é o sacrifício de construir uma casa, por mais pobre que seja. Por experiência própria, não sou, não consigo ser a favor de demolições. Só em casos devidamente justificados eu daria o meu aval a uma demolição. Sei a fera em que me tornaria se algum dia o kamartelo aparecesse a demolir o meu chimbeco. Por causa da minha experiência pessoal, sou dos que defende que a demolição de uma propriedade, construída com o sacrifício do cidadão, só deveria partir dos tribunais depois de devidamente analisado o caso.

O meu desacordo vai também para aqueles meus compatriotas que, na mira do lucro fácil, constroem deliberadamente em espaços que sabem pertencer a outrem. São conhecidos muitos casos de pessoas a quem o governo indemniza para deixarem um determinado terreno mas que, passados minutos, já estão a erguer o que chamam de casas no outro extremo do mesmo terreno pelo qual acabaram de ser indemnizadas. Também já não é segredo que muitas pessoas agem em conluio com funcionários das administrações locais, de quem recebem todos os ‹‹azimutes›› relativos às indemnizações que o governo destina aos ocupantes de uma determinada área. Não é por acaso que casas nascem do dia para noite em áreas onde está prevista a deslocação de funcionários do governo para negociar desalojamentos e respectivas indemnizações.

As pessoas de boa fé – e nisso quero incluir todas as ONG – não podem ignorar que esse tipo de oportunismo ganha cada vez mais terreno em Luanda. Tenho para mim que só há um remédio para acabar com as demolições e com a ocupação anárquica de terrenos: a construção de mais casas. Se o governo conseguisse, pelo menos, construir 80% do prometido ‹‹pacote›› de 1 milhão de casas – isso significaria 800.000 casas! – já resolveria o problema habitacional de toda a população do nosso país. É que 800.000 famílias resultam em 5.600.000 pessoas à razão de 7 pessoas por família. Ora, se pensarmos que somos 17.000.000 habitantes no país isso significa 33% da população com casa nova (se for o milhão completo isso dá casa nova para 41% da população, isto é, quase metade dos angolanos). Ora, como mais de metade das famílias angolanas já vivem em casas próprias, pode-se pensar que o programa do governo almeja literalmente casa para todos até o ano 2012.

Por isso, pelo tremendo impacto positivo que um programa destes tem para o desenvolvimento do país, e principalmente para a realização do direito de cada cidadão a um tecto digno, terminado o período eleitoral ele deveria ter uma dimensão suprapartidária e o MPLA seria avisado se promovesse essa abordagem. É, sobretudo, por essa razão que não se compreende porquê o governo está a perseguir uma abordagem tão desastrada, e que está a colher a condenação de quase todos os sectores da sociedade, apesar da nobreza reconhecida das suas intenções. Deveria ser possível um plano estruturado de realojamento de cidadãos desalojados seja pelas calamidades naturais seja pelas necessidades – incontornáveis, diga-se de passagem – da requalificação urbana das cidades. Não deveria ser necessário colocar as pessoas em campos de deslocados sem condições nenhumas, sem escola para os filhos, longe dos empregos dos pais, enfim sem plano nem programa.

Em nenhum momento deveria ser necessário demolir residências como aconteceu na Feira Ngoma e agora no Iraque e Bagdade. Porque alguns dos cidadãos que ali estavam compraram legalmente os terrenos e têm documentos que provam isso. E estão ali há mais de três anos, não foram lá do dia para a noite não senhor. E os ‹‹casebres›› a que o Sr. vice-governador de Luanda se refere – uma grande falta de respeito ao povo que elegeu o ‹‹seu›› partido – são aquilo que eles puderam, com as suas parcas economias, construir. Concedendo que houve alguns aproveitadores – e houve – compete ao governo, que tem responsabilidades de Estado, contornar essa situação. Como? Através da educação cívica, diálogo, negociação, concertação e, caso isso não resulte, então, sim, pelo uso da força. E nesse processo, tudo deve ser feito de forma transparente por forma a que a opinião pública, nacional e estrangeira, possa acompanhar e tirar as próprias ilações. Aonde anda uma estratégia de comunicação e marketing do governo, ministro Rabelais e secretário Kwata Kanawa?

O receio de uma implosão social causada pela manifesta falta de criatividade de alguns – não todos— administradores e governo provincial de Luanda é real e deve ser devidamente tido em atenção. Os partidos da oposição e algumas organizações cívicas que estão a fazer aproveitamento populista disso deveriam ter mais cuidado: estão a brincar com um barril de pólvora que, ao explodir, pode liquidá-los também. E o partido no poder, que, por isso mesmo, tem responsabilidades acrescidas, deve ser mais prudente na sua actuação para não dar azo a situações como aquela marcha travada in extremis.

Por acaso fui apanhado no meio dela quando, passando pela estrada da Samba, me dirigia ao serviço. Lembro-me de ter apanhado um valente susto quando um dos manifestantes, muito irado, deu um valente soco na porta do meu carro enquanto gritava ‹‹são esses brancos de merda...››! Tirei o chapéu que sempre uso para que todos os manifestantes vissem que o meu cabelo, apesar de branco, era encarapinhado demais para ser de um ‹‹branco››... enquanto tremia de medo. Conto esse episódio para, de forma simples, chamar a atenção para os contornos perigosos que isso tudo já está a tomar. Aliás, não creio que tenha sido o único a levar um susto naquele dia.

Reitero: apesar de concordar com os objectivos do programa habitacional do governo – pelas razões apontadas acima – acho que este está a cometer um grave erro na maneira como está a operacionalizar este programa, no concernente à gestão das expectativas, medos e frustrações das populações. Esse erro está a pôr em risco a estabilidade do país, duramente conquistada e que tantos benefícios tem vindo a trazer a todos. O MPLA precisa – urgentemente – de deixar de embandeirar em arco com os 82% e instruir o seu executivo a mostrar resultados sim, mas também a manter as populações do seu lado. Precisa-se de estratégias de educação popular e informação das massas e elites daquilo que se está e se pretende fazer. É preciso (re)conquistar a opinião pública e, lá onde seja preciso, pedir ao povo mais um sacrifício, um pouco mais de paciência.

[In Semanario Angolense, Luanda, edicao # 328]
PONTO DE VISTA PESSOAL

Os partidos da oposição e algumas organizações cívicas que estão a fazer aproveitamento populista disso deveriam ter mais cuidado: estão a brincar com um barril de pólvora que, ao explodir, pode liquidá-los também. E o partido no poder, que, por isso mesmo, tem responsabilidades acrescidas, deve ser mais prudente na sua actuação para não dar azo a situações como aquela marcha travada in extremis. Por acaso fui apanhado no meio dela quando, passando pela estrada da Samba, me dirigia ao serviço. Lembro-me de ter apanhado um valente susto quando um dos manifestantes, muito irado, deu um valente soco na porta do meu carro enquanto gritava ‹‹são esses brancos de merda...››! Tirei o chapéu que sempre uso para que todos os manifestantes vissem que o meu cabelo, apesar de branco, era encarapinhado demais para ser de um ‹‹branco››... enquanto tremia de medo.

Esta semana estive – como aliás quase toda a equipa do Semanário Angolense – bastante envolvido em estudar e compreender a recente onda de demolições e as reacções que provocam na cidade de Luanda. Conversei com vários actores, ouvi discursos, entrevistas e depoimentos e fiz uma visita aos bairros Iraque e Bagdade. Por isso, deixo aqui expressa a minha opinião sobre o assunto.

Como outros cidadãos, eu também estou a construir uma casa. Sei o que é apertar o cinto, contrair empréstimos, passar noites sem dormir para ver de onde poderão sair mais alguns tostões para comprar mais uns blocos, uns sacos de cimento, um mosaico, um azulejo. Para ‹‹poupar o dinheiro das rendas e terminar já dentro›› eu e a minha família começamos a habitar a casa em construção quando ela nem sequer portas e janelas tinha. Durante dois dias ficamos totalmente expostos. Lembro-me que uma das minhas filhas não dormia por causa dos mosquitos.

Eu sei o que é o sacrifício de construir uma casa, por mais pobre que seja. Por experiência própria, não sou, não consigo ser a favor de demolições. Só em casos devidamente justificados eu daria o meu aval a uma demolição. Sei a fera em que me tornaria se algum dia o kamartelo aparecesse a demolir o meu chimbeco. Por causa da minha experiência pessoal, sou dos que defende que a demolição de uma propriedade, construída com o sacrifício do cidadão, só deveria partir dos tribunais depois de devidamente analisado o caso.

O meu desacordo vai também para aqueles meus compatriotas que, na mira do lucro fácil, constroem deliberadamente em espaços que sabem pertencer a outrem. São conhecidos muitos casos de pessoas a quem o governo indemniza para deixarem um determinado terreno mas que, passados minutos, já estão a erguer o que chamam de casas no outro extremo do mesmo terreno pelo qual acabaram de ser indemnizadas. Também já não é segredo que muitas pessoas agem em conluio com funcionários das administrações locais, de quem recebem todos os ‹‹azimutes›› relativos às indemnizações que o governo destina aos ocupantes de uma determinada área. Não é por acaso que casas nascem do dia para noite em áreas onde está prevista a deslocação de funcionários do governo para negociar desalojamentos e respectivas indemnizações.

As pessoas de boa fé – e nisso quero incluir todas as ONG – não podem ignorar que esse tipo de oportunismo ganha cada vez mais terreno em Luanda. Tenho para mim que só há um remédio para acabar com as demolições e com a ocupação anárquica de terrenos: a construção de mais casas. Se o governo conseguisse, pelo menos, construir 80% do prometido ‹‹pacote›› de 1 milhão de casas – isso significaria 800.000 casas! – já resolveria o problema habitacional de toda a população do nosso país. É que 800.000 famílias resultam em 5.600.000 pessoas à razão de 7 pessoas por família. Ora, se pensarmos que somos 17.000.000 habitantes no país isso significa 33% da população com casa nova (se for o milhão completo isso dá casa nova para 41% da população, isto é, quase metade dos angolanos). Ora, como mais de metade das famílias angolanas já vivem em casas próprias, pode-se pensar que o programa do governo almeja literalmente casa para todos até o ano 2012.

Por isso, pelo tremendo impacto positivo que um programa destes tem para o desenvolvimento do país, e principalmente para a realização do direito de cada cidadão a um tecto digno, terminado o período eleitoral ele deveria ter uma dimensão suprapartidária e o MPLA seria avisado se promovesse essa abordagem. É, sobretudo, por essa razão que não se compreende porquê o governo está a perseguir uma abordagem tão desastrada, e que está a colher a condenação de quase todos os sectores da sociedade, apesar da nobreza reconhecida das suas intenções. Deveria ser possível um plano estruturado de realojamento de cidadãos desalojados seja pelas calamidades naturais seja pelas necessidades – incontornáveis, diga-se de passagem – da requalificação urbana das cidades. Não deveria ser necessário colocar as pessoas em campos de deslocados sem condições nenhumas, sem escola para os filhos, longe dos empregos dos pais, enfim sem plano nem programa.

Em nenhum momento deveria ser necessário demolir residências como aconteceu na Feira Ngoma e agora no Iraque e Bagdade. Porque alguns dos cidadãos que ali estavam compraram legalmente os terrenos e têm documentos que provam isso. E estão ali há mais de três anos, não foram lá do dia para a noite não senhor. E os ‹‹casebres›› a que o Sr. vice-governador de Luanda se refere – uma grande falta de respeito ao povo que elegeu o ‹‹seu›› partido – são aquilo que eles puderam, com as suas parcas economias, construir. Concedendo que houve alguns aproveitadores – e houve – compete ao governo, que tem responsabilidades de Estado, contornar essa situação. Como? Através da educação cívica, diálogo, negociação, concertação e, caso isso não resulte, então, sim, pelo uso da força. E nesse processo, tudo deve ser feito de forma transparente por forma a que a opinião pública, nacional e estrangeira, possa acompanhar e tirar as próprias ilações. Aonde anda uma estratégia de comunicação e marketing do governo, ministro Rabelais e secretário Kwata Kanawa?

O receio de uma implosão social causada pela manifesta falta de criatividade de alguns – não todos— administradores e governo provincial de Luanda é real e deve ser devidamente tido em atenção. Os partidos da oposição e algumas organizações cívicas que estão a fazer aproveitamento populista disso deveriam ter mais cuidado: estão a brincar com um barril de pólvora que, ao explodir, pode liquidá-los também. E o partido no poder, que, por isso mesmo, tem responsabilidades acrescidas, deve ser mais prudente na sua actuação para não dar azo a situações como aquela marcha travada in extremis.

Por acaso fui apanhado no meio dela quando, passando pela estrada da Samba, me dirigia ao serviço. Lembro-me de ter apanhado um valente susto quando um dos manifestantes, muito irado, deu um valente soco na porta do meu carro enquanto gritava ‹‹são esses brancos de merda...››! Tirei o chapéu que sempre uso para que todos os manifestantes vissem que o meu cabelo, apesar de branco, era encarapinhado demais para ser de um ‹‹branco››... enquanto tremia de medo. Conto esse episódio para, de forma simples, chamar a atenção para os contornos perigosos que isso tudo já está a tomar. Aliás, não creio que tenha sido o único a levar um susto naquele dia.

Reitero: apesar de concordar com os objectivos do programa habitacional do governo – pelas razões apontadas acima – acho que este está a cometer um grave erro na maneira como está a operacionalizar este programa, no concernente à gestão das expectativas, medos e frustrações das populações. Esse erro está a pôr em risco a estabilidade do país, duramente conquistada e que tantos benefícios tem vindo a trazer a todos. O MPLA precisa – urgentemente – de deixar de embandeirar em arco com os 82% e instruir o seu executivo a mostrar resultados sim, mas também a manter as populações do seu lado. Precisa-se de estratégias de educação popular e informação das massas e elites daquilo que se está e se pretende fazer. É preciso (re)conquistar a opinião pública e, lá onde seja preciso, pedir ao povo mais um sacrifício, um pouco mais de paciência.

[In Semanario Angolense, Luanda, edicao # 328]

1 comment:

Tchinó said...

À todos os títulos condenáveis mais esta "actitude musculada" do governo de Angola, o que vem provar que a democracia vai custar muito a ser posta em práctica pelos "Camaradas" governantes. O povo está "furibundo" hoje, amanhã esquecerá de certeza e mais uns 82% serão encaixados. Gostaria se saber quando os administradores municipais e "seus elencos" serãp punidos de forma eficaz por: Abuso de poder, má gestão, conducta indecorosa...e muito mais.
Um "sarava" ao Celso por ter unido à sua voz a dos muitos outros contestatários.