Wednesday 17 December 2008

SOBRE O (IMPOSSIVEL?) DEBATE DA QUESTAO ZIMBABWEANA

No seguimento do debate suscitado, entre outros, pelo artigo do antropologo Mahmood Mamdani, este artigo do sociologo mocambicano Elisio Macamo:

Porquê é tão difícil discutir o Zimbabwe?

Eu sou por uma abordagem analítica. Reconheço a legitimidade e a razão de ser da abordagem normativa. Devo, contudo, também dizer que não fazemos parte do mesmo contexto de discussão. O seu debate não é o meu. E pior. A forma como alguns deles debatem mete muito medo. A insistência na adopção das suas posições normativas como condição de continuação de discussão não é, na essência, diferente do posicionamento de Mugabe que eles próprios criticam. Uma das razões que leva Mugabe a ser intolerante para com aqueles que não concordam com ele é justamente esta convicção de que em questões morais não é possível qualquer tipo de compromisso.
(...)
Mas isto é que é integridade intelectual. Não está em questão saber como Mahmood Mamdani se posiciona moralmente em relação a Mugabe. A questão é saber como perceber aquele problema. E ter a coragem de fazer o exercício de reflexão, mesmo sob o risco de se enganar e interpretar certos dados de forma inapropriada. Se outras abordagens analíticas mostrarem que ele está equivocado, muito bem, não há problema. Como bom académico que ele é vai de certeza rever as suas posições. Não obstante, ele não vai fazer essa revisão em função da necessidade de diabolizar seja quem for. Ele vai fazer a revisão em função de analisar cada vez melhor o problema. O sofrimento do povo zimbabweano exige esta solidariedade analítica dos académicos. Não exige o simples alinhamento com a opinião da maioria. Exige que sejamos mais rigorosos na análise. Essa é a melhor ajuda que podemos prestar ao Zimbabwe.


***

NÃO é fácil discutir o Zimbabwe. Essa dificuldade não se prende apenas à própria natureza bicuda do assunto. Ela prende-se também ao facto de que o assunto polariza e conduz os intervenientes na discussão aos extremos. Talvez não fosse mau reflectir sobre esta polarização, pois em certa medida ela impede uma abordagem útil de um problema que precisa de ser ultrapassado. O meu palpite é de que é difícil discutir o problema do Zimbabwe porque são privilegiadas duas abordagens que me parecem incompatíveis entre si. E não só. Uma dessas abordagens já provou ser não só parte da solução, como também parte do problema. Para simplificar as coisas chamemos às duas abordagens de normativa e analítica.

A defesa de uma ou outra abordagem é, em princípio, legítima. Isso está, portanto, fora de questão. O que interessa saber, contudo, é se uma ou outra são úteis ou não para uma reflexão produtiva do caso zimbabweano. Por abordagem normativa podemos entender duas coisas. Uma é a tendência de procurar saber o que fazer perante a situação. Isto é patente na insistência em articular a solução do problema ao afastamento de Robert Mugabe do poder. Essa é a resposta para a questão de saber o que fazer no Zimbabwe. Afastar Mugabe, o tirano, como se diz. A outra coisa que podemos entender por abordagem normativa é a preferência por uma discussão que faz apelos morais como base de avaliação da plausibilidade do que se diz sobre o assunto.

Esta dimensão manifesta-se de várias maneiras, todas elas ligadas a problemas lógicos de argumentação que precisariam de mais espaço para serem expostos com cuidado. De momento, podemos reter o tipo de linguagem que é privilegiado, isto é, uma linguagem bastante emotiva, uma tendência de estabelecer relações de causalidade bastante problemáticas, bem como os ataques às pessoas que dizem coisas diferentes do que é defendido pela abordagem normativa. Tudo isto é feito no sentido de descrever o problema de maneira a que não sejam razões fundamentadas que contam para se perceber o problema, mas sim emoções. Talvez seja importante destacar aqui que a abordagem normativa não se limita apenas aos que defendem que Mugabe deve sair do poder como condição de resolução do problema; mesmo aqueles que defendem que tudo é conspiração de brancos contra pretos resvalam por aí. Interessam-me, contudo, os outros, porque são eles que tornam difícil uma intervenção menos normativa.

A outra abordagem é analítica. A preocupação aqui é em perceber o que se está a passar naquele país. Caracteristicamente, os da abordagem normativa vão retorquir que não há mais nada a perceber. Mas essa preocupação assenta na necessidade de apreciar as razões que os vários actores envolvidos no assunto têm para assumir as posições que assumem e as acções que praticam. Porque é que Robert Mugabe está preparado para desafiar todo o mundo da maneira como o faz? Porque é que Morgan Tsvangirai acha que pode prescindir dos préstimos da região? Porque é que a comunidade internacional acha que as sanções são oportunas? Portanto, é preciso perceber isto e, acima de tudo, perceber o contexto que torna esses posicionamentos possíveis.

Uma comunidade internacional mais sensível à história, aos constrangimentos regionais, à evolução do problema zimbabweano teria sido rejeitada como interlocutor válido por Mugabe? O que se passou com o contexto para que o mesmo Mugabe que aceitou de forma pragmática as disposições do Acordo de Lancaster, muito embora adiasse a colheita dos frutos da razão da luta, nomeadamente um ordenamento económico justo, viesse mais tarde a fazer ouvidos de mercador à comunidade internacional? A simples apetência pelo poder? A falta de credenciais democráticas? De que maneira é que o contexto pode chegar mesmo a limitar as próprias opções dos actores?

[Continue lendo aqui]
No seguimento do debate suscitado, entre outros, pelo artigo do antropologo Mahmood Mamdani, este artigo do sociologo mocambicano Elisio Macamo:

Porquê é tão difícil discutir o Zimbabwe?

Eu sou por uma abordagem analítica. Reconheço a legitimidade e a razão de ser da abordagem normativa. Devo, contudo, também dizer que não fazemos parte do mesmo contexto de discussão. O seu debate não é o meu. E pior. A forma como alguns deles debatem mete muito medo. A insistência na adopção das suas posições normativas como condição de continuação de discussão não é, na essência, diferente do posicionamento de Mugabe que eles próprios criticam. Uma das razões que leva Mugabe a ser intolerante para com aqueles que não concordam com ele é justamente esta convicção de que em questões morais não é possível qualquer tipo de compromisso.
(...)
Mas isto é que é integridade intelectual. Não está em questão saber como Mahmood Mamdani se posiciona moralmente em relação a Mugabe. A questão é saber como perceber aquele problema. E ter a coragem de fazer o exercício de reflexão, mesmo sob o risco de se enganar e interpretar certos dados de forma inapropriada. Se outras abordagens analíticas mostrarem que ele está equivocado, muito bem, não há problema. Como bom académico que ele é vai de certeza rever as suas posições. Não obstante, ele não vai fazer essa revisão em função da necessidade de diabolizar seja quem for. Ele vai fazer a revisão em função de analisar cada vez melhor o problema. O sofrimento do povo zimbabweano exige esta solidariedade analítica dos académicos. Não exige o simples alinhamento com a opinião da maioria. Exige que sejamos mais rigorosos na análise. Essa é a melhor ajuda que podemos prestar ao Zimbabwe.


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NÃO é fácil discutir o Zimbabwe. Essa dificuldade não se prende apenas à própria natureza bicuda do assunto. Ela prende-se também ao facto de que o assunto polariza e conduz os intervenientes na discussão aos extremos. Talvez não fosse mau reflectir sobre esta polarização, pois em certa medida ela impede uma abordagem útil de um problema que precisa de ser ultrapassado. O meu palpite é de que é difícil discutir o problema do Zimbabwe porque são privilegiadas duas abordagens que me parecem incompatíveis entre si. E não só. Uma dessas abordagens já provou ser não só parte da solução, como também parte do problema. Para simplificar as coisas chamemos às duas abordagens de normativa e analítica.

A defesa de uma ou outra abordagem é, em princípio, legítima. Isso está, portanto, fora de questão. O que interessa saber, contudo, é se uma ou outra são úteis ou não para uma reflexão produtiva do caso zimbabweano. Por abordagem normativa podemos entender duas coisas. Uma é a tendência de procurar saber o que fazer perante a situação. Isto é patente na insistência em articular a solução do problema ao afastamento de Robert Mugabe do poder. Essa é a resposta para a questão de saber o que fazer no Zimbabwe. Afastar Mugabe, o tirano, como se diz. A outra coisa que podemos entender por abordagem normativa é a preferência por uma discussão que faz apelos morais como base de avaliação da plausibilidade do que se diz sobre o assunto.

Esta dimensão manifesta-se de várias maneiras, todas elas ligadas a problemas lógicos de argumentação que precisariam de mais espaço para serem expostos com cuidado. De momento, podemos reter o tipo de linguagem que é privilegiado, isto é, uma linguagem bastante emotiva, uma tendência de estabelecer relações de causalidade bastante problemáticas, bem como os ataques às pessoas que dizem coisas diferentes do que é defendido pela abordagem normativa. Tudo isto é feito no sentido de descrever o problema de maneira a que não sejam razões fundamentadas que contam para se perceber o problema, mas sim emoções. Talvez seja importante destacar aqui que a abordagem normativa não se limita apenas aos que defendem que Mugabe deve sair do poder como condição de resolução do problema; mesmo aqueles que defendem que tudo é conspiração de brancos contra pretos resvalam por aí. Interessam-me, contudo, os outros, porque são eles que tornam difícil uma intervenção menos normativa.

A outra abordagem é analítica. A preocupação aqui é em perceber o que se está a passar naquele país. Caracteristicamente, os da abordagem normativa vão retorquir que não há mais nada a perceber. Mas essa preocupação assenta na necessidade de apreciar as razões que os vários actores envolvidos no assunto têm para assumir as posições que assumem e as acções que praticam. Porque é que Robert Mugabe está preparado para desafiar todo o mundo da maneira como o faz? Porque é que Morgan Tsvangirai acha que pode prescindir dos préstimos da região? Porque é que a comunidade internacional acha que as sanções são oportunas? Portanto, é preciso perceber isto e, acima de tudo, perceber o contexto que torna esses posicionamentos possíveis.

Uma comunidade internacional mais sensível à história, aos constrangimentos regionais, à evolução do problema zimbabweano teria sido rejeitada como interlocutor válido por Mugabe? O que se passou com o contexto para que o mesmo Mugabe que aceitou de forma pragmática as disposições do Acordo de Lancaster, muito embora adiasse a colheita dos frutos da razão da luta, nomeadamente um ordenamento económico justo, viesse mais tarde a fazer ouvidos de mercador à comunidade internacional? A simples apetência pelo poder? A falta de credenciais democráticas? De que maneira é que o contexto pode chegar mesmo a limitar as próprias opções dos actores?

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2 comments:

renato gomes pereira said...

pois essa é que é a questão...mugabe precisou da comunidade internacional para se instalar no Zimbabue - antiga rodésia independente de Ian smith - e não regateou falta delegitimidade da comunidade internacional para ingerir-se nos assuntos internos da rodésia pais independente de ian smith...agora que é ele o alv da critica dessa mesma comunidade já não vale?

Mugabe não é vertebrado certamente...não tem espinha dorsal!!

Koluki said...

Caso tenha lido atentamente o artigo aqui postado e, ja' agora, se entende Ingles, o de Mahmood Mamdani - e nao me proponho responder-lhe por qualquer dos autores - o debate de que aqui se fala nao e' estritamente sobre questoes "morais"...
Mas sempre lhe digo que, se ha' que haver aqui julgamentos morais e se Mugabe e' "invertebrado", como diz, quem assinou do outro lado da mesa o Acordo de Lancaster House, pelo qual se comprometia a financiar o programa de redistribuicao de terras e nao o fez nao o sera' menos...
E, ja' agora, a Rodesia de Ian Smith nunca foi um pais independente reconhecido pela comunidade internacional - o unico membro da "comunidade internacional" que o reconheceu e apoiou, garantindo a sua sobrevivencia enquanto existiu, foi a Africa do Sul do Apartheid...

Tente ter um Natal de Paz e veja se consegue desejar o mesmo ao povo Zimbabweano!