Thursday 12 March 2009

A(S) MEMORIA(S) E O(S) PATRIMONIO(S) - PASSADO(S) E FUTURO(S)

La’ diz o velho ditado que nao ha’ duas sem tres…

Assim sendo, depois dos turbilhoes a volta da ‘transformacao’ do edificio conhecido como Palacio de Dona Ana Joaquina e, mais recentemente, da demolicao do antigo Mercado do Kinaxixe, novo turbilhao anda no ar em Luanda a volta da questao da preservacao do patrimonio historico da cidade. Desta vez trata-se do que e’ agora conhecido como Edificio Elinga e que ja’ foi, em tempos mais recuados, Centro Cultural Universitario (CCU) e Colegio Casa das Beiras.

Tenho conhecimento de pelo menos duas “frentes de combate” contra a sua planeada demolicao, diz-se que para dar lugar a um novo edificio e parque de estacionamento:

- Uma, iniciada por nostalgicos dos tempos do CCU que, algo resignados com a aparentemente inevitavel demolicao de um espaco do qual retinham experiencias de vida preciosas (e.g. o nascimento da Brigada Jovem de Literatura de Luanda), criaram uma corrente de partilha de memorias por email visando “comemorar” o desaparecimento daquele espaco, ate’ que… um dos contribuintes da corrente foi desencantar este despacho do Ministerio da Cultura datado de 1981, que, na letra e no espirito, parece conter o essencial para que se fale na existencia de uma politica de preservacao do patrimonio arquitectonico em Angola… excepto os necessarios mecanismos para a sua efectiva implementacao (questao que aqui abordei aquando da demolicao do Kinaxixe), falando-se, inclusive, na possibilidade de tal despacho poder ter sido ja’ revogado – do que nao parece haver confirmacao;

- Outra, que, certamente integrando alguns dos participantes da primeira, optou por uma posicao mais activamente politica (ideologica?), que decidiu expressar atraves deste Abaixo Assinado, correntemente aberto a subscricao por naturais e/ou residentes de Luanda.

Por entre as duas, vai-se movendo, como que em terreno minado, o responsavel pelo novo projecto, que se tem multiplicado em entrevistas e encontros publicos e privados, argumentando, por um lado, que o edificio esta mesmo tecnicamente condenado a morte (morrida, ou matada? – parece ser a questao no centro do debate, sendo certo que, como aqui tive ocasiao de notar, os edificios tambem morrem…) por, alegadamente, ja’ ter nascido “deficiente” e, por outro lado, dando garantias de que os mais directamente afectados pela planeada demolicao (nomeadamente o grupo de teatro Elinga e o pintor Antonio Ole, que la’ tem o seu attelier ha’ varios anos) terao espacos garantidos no novo edificio.

Esses, em resumo, os ‘factos’ que ate’ agora me chegaram ao conhecimento atraves da primeira “frente de combate” (atraves da qual recebi tambem copias 'scaneadas' de um artigo alusivo ao assunto publicado em Luanda no ultimo numero de "O Pais" e do despacho do Minicult acima mencionado, com que ilustro este post). Nas duas reconheco os meritos do activismo civico, as duas desejo sucesso – mesmo que sucesso neste caso possa eventualmente significar uma solucao de compromisso perante uma realidade que parece inevitavel, o que ja’ sera’ assinalavel dada a aparente resignacao inicial…

Agora, por entre os ‘factos’ e a memoria colectiva de toda uma geracao, ha’ um espacozinho para a minha propria memoria individual: lembro-me de, nos anos 80, ter naquele edificio frequentado um curso de guitarra classica, dado por dois professors Vietnamitas… lembro-me da vez em que, ja' no sec. XXI, fui la’ assistir a representacao pelo Elinga do “Quem Me Dera Ser Onda”, do Manuel Rui Monteiro… ou de ter la’ comemorado parte de um Dia Internacional da Mulher (uma memoria que, portanto, fez anos nos ultimos dias e que neste blog relatei aqui ha' uns tempos)… e lembro-me, sobretudo, das pessoas com quem partilhei aqueles momentos.

Memorias… sao elas que dao sentido a palavra “historico” ao lado da designacao “patrimonio arquitectonico”. Resta-nos sempre a consolacao de que, pelo menos enquanto somos vivos, elas sobrevivem a morte dos edificios. O problema e’ a preservacao dessas memorias, individuais e colectivas, para as geracoes futuras, nao perdendo de vista, contudo, que estas nao so’ teem direito ao conhecimento da historia, como tambem (alias, a semelhanca da "primeira frente de combate" aqui mencionada...) teem o direito a e a capacidade para criarem a sua propria historia e construirem as suas proprias memorias para o seu proprio futuro - que sera', afinal, o futuro da Nacao, portanto de todos nos.
La’ diz o velho ditado que nao ha’ duas sem tres…

Assim sendo, depois dos turbilhoes a volta da ‘transformacao’ do edificio conhecido como Palacio de Dona Ana Joaquina e, mais recentemente, da demolicao do antigo Mercado do Kinaxixe, novo turbilhao anda no ar em Luanda a volta da questao da preservacao do patrimonio historico da cidade. Desta vez trata-se do que e’ agora conhecido como Edificio Elinga e que ja’ foi, em tempos mais recuados, Centro Cultural Universitario (CCU) e Colegio Casa das Beiras.

Tenho conhecimento de pelo menos duas “frentes de combate” contra a sua planeada demolicao, diz-se que para dar lugar a um novo edificio e parque de estacionamento:

- Uma, iniciada por nostalgicos dos tempos do CCU que, algo resignados com a aparentemente inevitavel demolicao de um espaco do qual retinham experiencias de vida preciosas (e.g. o nascimento da Brigada Jovem de Literatura de Luanda), criaram uma corrente de partilha de memorias por email visando “comemorar” o desaparecimento daquele espaco, ate’ que… um dos contribuintes da corrente foi desencantar este despacho do Ministerio da Cultura datado de 1981, que, na letra e no espirito, parece conter o essencial para que se fale na existencia de uma politica de preservacao do patrimonio arquitectonico em Angola… excepto os necessarios mecanismos para a sua efectiva implementacao (questao que aqui abordei aquando da demolicao do Kinaxixe), falando-se, inclusive, na possibilidade de tal despacho poder ter sido ja’ revogado – do que nao parece haver confirmacao;

- Outra, que, certamente integrando alguns dos participantes da primeira, optou por uma posicao mais activamente politica (ideologica?), que decidiu expressar atraves deste Abaixo Assinado, correntemente aberto a subscricao por naturais e/ou residentes de Luanda.

Por entre as duas, vai-se movendo, como que em terreno minado, o responsavel pelo novo projecto, que se tem multiplicado em entrevistas e encontros publicos e privados, argumentando, por um lado, que o edificio esta mesmo tecnicamente condenado a morte (morrida, ou matada? – parece ser a questao no centro do debate, sendo certo que, como aqui tive ocasiao de notar, os edificios tambem morrem…) por, alegadamente, ja’ ter nascido “deficiente” e, por outro lado, dando garantias de que os mais directamente afectados pela planeada demolicao (nomeadamente o grupo de teatro Elinga e o pintor Antonio Ole, que la’ tem o seu attelier ha’ varios anos) terao espacos garantidos no novo edificio.

Esses, em resumo, os ‘factos’ que ate’ agora me chegaram ao conhecimento atraves da primeira “frente de combate” (atraves da qual recebi tambem copias 'scaneadas' de um artigo alusivo ao assunto publicado em Luanda no ultimo numero de "O Pais" e do despacho do Minicult acima mencionado, com que ilustro este post). Nas duas reconheco os meritos do activismo civico, as duas desejo sucesso – mesmo que sucesso neste caso possa eventualmente significar uma solucao de compromisso perante uma realidade que parece inevitavel, o que ja’ sera’ assinalavel dada a aparente resignacao inicial…

Agora, por entre os ‘factos’ e a memoria colectiva de toda uma geracao, ha’ um espacozinho para a minha propria memoria individual: lembro-me de, nos anos 80, ter naquele edificio frequentado um curso de guitarra classica, dado por dois professors Vietnamitas… lembro-me da vez em que, ja' no sec. XXI, fui la’ assistir a representacao pelo Elinga do “Quem Me Dera Ser Onda”, do Manuel Rui Monteiro… ou de ter la’ comemorado parte de um Dia Internacional da Mulher (uma memoria que, portanto, fez anos nos ultimos dias e que neste blog relatei aqui ha' uns tempos)… e lembro-me, sobretudo, das pessoas com quem partilhei aqueles momentos.

Memorias… sao elas que dao sentido a palavra “historico” ao lado da designacao “patrimonio arquitectonico”. Resta-nos sempre a consolacao de que, pelo menos enquanto somos vivos, elas sobrevivem a morte dos edificios. O problema e’ a preservacao dessas memorias, individuais e colectivas, para as geracoes futuras, nao perdendo de vista, contudo, que estas nao so’ teem direito ao conhecimento da historia, como tambem (alias, a semelhanca da "primeira frente de combate" aqui mencionada...) teem o direito a e a capacidade para criarem a sua propria historia e construirem as suas proprias memorias para o seu proprio futuro - que sera', afinal, o futuro da Nacao, portanto de todos nos.

8 comments:

Anonymous said...

A destruição de edifícios com arquitectura colonial portuguesa é recorrente nas novas nações que surgiram. Mesmo recuando bastantes décadas e olhando para certas zonas do Rio de Janeiro constata-se o mesmo, a destruição de quarteirões inteiros com arquitectura tradicional em nome de uma certa modernidade que não passa de uma submissão a padrões culturais e arquitectónicos perfeitamente desenquadrados das realidades climáticas locais. Depois é ver arranha-céus monstruosos revestidos a vidro e cheios de aparelhos de ar condicionado, a descarregar para os passeios verdadeiras chuvadas de condensados e gastando quantidades brutais de energia. Enfim, as modernices do costume,a imitação parola de Nova Iorque.

Para sabermos para onde queremos ir, temos de saber de onde viemos.

Calcinhas de Luanda

Koluki said...

Calcinhas,

Parece-me que o que diz se aplica a praticamente todas as cidades em crescimento, incluindo New York e... Lisboa!
E, de resto, a "imitacao" de que se fala em Luanda e' muito mais a la Dubai, ou, seguindo os preceitos la' ditados pelo Prof. Collier aqui ha' uns tempos, a la Malaysia com o seu "predio mais alto do mundo"...
Concordo, portanto, no geral, com o que diz, mas apetece-me perguntar-lhe: o que e' a tradicao?

Anonymous said...

O que se passa não tem a ver com tradição mas com ignorância acerca das questões climáticas. Estes edifícios são grande consumidores de energia e estão ser construídos no pressuposto de que o petróleo não tem fim. No caso particular de Angola o problema até nem é muito grave pois o potencial hidroeléctrico do país é enorme e dessa maneira os gastos de tais edifícios serão supridos de um modo ou de outro.
Repito não é uma questão de tradição, é uma questão de lógica! Quanto a Lisboa e outras cidades da Europa, a legislação sobre o comportamento térmicos dos edifícios vai futuramente condicionar muita coisa naquele continente.

Koluki said...

Caro Calcinhas,

Apenas hoje publico a sua resposta porque so' agora pude aceder ao blog por entretanto ter estado a viajar para... Luanda!
Por sinal venho agora de um pequeno giro pela cidade e pude ver mais de perto o tal "canteiro de obras" de que tanto se fala...
O Kinaxixi deixou-me simplesmente muda. Ainda estou a recuperar...
Entretanto, vi a famosa torre da Sonangol e achei-a pouco merecedora de todo o alarido que sobre ela se tem feito...
Mas, voltando a nossa conversa, eu percebo esse angulo das questoes climatericas a serem tidas em conta nas novas edificacoes e que ou nao o sao, ou o sao de forma tao inadequada quanto, por exemplo, na torre da Sonangol (segundo me contaram hoje quando por la' passavamos) se ter instalado um sistema de ar condicionado que e' tao bem ou tao mal controlado que o pessoal que la' trabalha - diz-se tambem que la' nao se trabalha, mas sim que instalaram la' todo o tipo de leisure facilities e agora e' que estao a pensar em contruir outra torre onde possam realmente trabalhar ;-)- volta e meia tem que usar casacos em pleno tempo de calor porque o edificio quase que congela la' dentro!
Mas, a minha questao sobre a "tradicao" partiu desta sua afirmacao: "destruição de quarteirões inteiros com arquitectura tradicional em nome de uma certa modernidade que não passa de uma submissão a padrões culturais e arquitectónicos perfeitamente desenquadrados das realidades climáticas locais."

Anonymous said...

Então eu passo a explicar. Se olhar para o Liceu Salvador Correia, ou Mutu-ya-Kevela ou os edifícios da marginal com aquelas belas arcadas pode constatar um tipo de arquitectura com grandes varandas e arcadas e no caso do liceu com belos claustros. Deste modo as pessoas ficam protegidas das inclemências do clima e a climatização é barata. Esta arquitectura do tempo colonial é o resultado do conhecimento adquirido pelos portugueses nas suas navegações e julgo que no fundo tem a ver com o que aprenderam na Índia e muito antes na Europa com os Árabes. Aliás neste último caso não aprenderam, herdaram. As casas são baixas muito juntas umas às outras, têm paredes grossas e janelas pequenas típicas de regiões com muita insolação. Tal como se verifica no Sul da Península Ibérica e no Norte de África. Nunca me esqueço do Dondo por exemplo ou de Parati no Brasil. É o mesmo estilo e as casas são frescas mesmo no pico do Verão. Um prédio de muito andares e todo envidraçado serve para o Norte da Europa ou da América onde a carga solar é pequena. Mas para baixas latitudes como é o caso de Angola e até mesmo de Portugal é uma asneira. No Norte de Portugal há dessas belas gaiolas de vidro que mesmo no Inverno têm de ser arrefecidas.
Logo em Luanda o facto de se alinhar com padrões arquitectónicos e estéticos adequados a outros climas irá ter um impacto negativo sobre a qualidade de vida dos utilizadores.
Quem ganha com isso? Os construtores civis, os vendedores de sistemas de climatização e a empresa que vende electricidade.
E o país? Se consome mais energia para uma dada função significa que fica menos competitivo em termos económicos. No caso particular de Angola onde o clima é apesar de tudo ameno não se está a tirar partido de tal vantagem. Depois e para terminar temos o centro de uma cidade com ruas estreitas que não irá aguentar o tráfico de tanta gente,a menos que se arrasem quarteirões para construir avenidas largas. E os esgotos, continuam a ser mandados para a baía? Há anos atrás tal era tecnicamente e politicamente e socialmente aceitável. Com o crescimento da cidade tal princípio não funciona mais. Em consequência a baía ficará assoreada. E depois, aterra-se?
No passado quando não vivíamos deslumbrados com a energia abundante e barata construíamos de maneira muito mais cuidada, seguíamos uma tradição que era, como diz o Camões "o saber de experiências feito".Isto tanto vale para os portugueses antigos colonisadores como para outros povos. Hoje em dia penso que andamos deslumbrados com as nossas capacidades tecnológicas e não olhamos à nossa volta, ou se quiser na boa tradição africano, não escutamos "os mais velhos",

Doctors by night said...

ciao amico dall'italia

Koluki said...

Calcinhas,

Parece-me que as questoes que coloca (ou a forma como as coloca) se destinam a uma audiencia bastante tecnicamente especializada nessa materia, entre a qual nao me incluo. Espero que encontre bons ouvidos e que, porventura, suscite algum debate sobre a questao entre os eventuais leitores.
A minha funcao aqui e' essencialmente, e sempre que possivel, facilitar/canalizar questoes para debate, ou apenas reflexao. Por isso lhe agradeco o te-las aqui trazido sobre este tema importantissimo e sempre tao polemico.

Volto, no entanto, a questao da 'tradicao v. modernismo ou modernidade', ou, colocando-a sob um outro angulo e voltando ao seu primeiro comentario neste blog, da 'civilizacao v. falta dela'...
Como sabe, os portugueses com todo o valor dos seus conhecimentos e contribuicoes para o que agora se convencionou chamar "patrimonio arquitectonico nacional", nao foram exactamente os primeiros habitantes destas paragens - o que nos remete para o caracter sempre relativo do conceito de "tradicao"...- e que, tanto quanto eles aqui instalaram "uma tradicao", em principio nada impede que outros tambem o possam fazer, salvo, obviamente, se os seus novos projectos estiverem TODOS tecnicamente feridos de inadaptacao as condicoes climatericas locais, questao que, como acima referi, prefiro deixar aos especialistas.
Nao nos esquecamos, neste contexto, de que os europeus criaram/transportaram/importaram nas/para 'as Africas' arquitecturas e tecnologias para servirem fundamentalmente o objectivo da sua adaptacao a climas que lhes eram totalmente estranhos (mesmo quando parecidos em algumas regioes...), mas aos quais outros povos ("mais velhos")se haviam ja adaptado ao longo de milenios... arquitecturas e tecnologias essas que obedeciam essencialmente tambem aos seus padroes estetico-culturais, os quais nao eram exactamente coincidentes com os dos tais "mais velhos" que por aqui encontraram...
Era apenas para esse factor que pretendia chamar a sua atencao.

Koluki said...

Ola amigo de Italia.