Sunday 7 September 2008

ONOFRE DOS SANTOS: “DO ESTADO DE ALMA AO ESTADO DE DIREITO”

O Semanário Angolense pede-me que partilhe com os seus leitores a minha experiência pessoal de há 16 anos. A dois dias das eleições, qual era o estado de espírito do Director Geral das Eleições? Como é que o País estava? Quantas assembleias de voto? O Director Geral antevia a hecatombe que depois se seguiu às eleições? Como tinha decorrido a campanha eleitoral? Quantos observadores nacionais e estrangeiros estavam credenciados?
(…)
O longo caminho entretanto percorrido foi adicionando acidentes de percurso ao processo de democratização, as perspectivas foram-se alterando como as pedras coloridas de um pequeno caleidoscópio criado como brinquedo para encantar crianças, mas que nos vai fazendo desejar formas mais ousadas e mais imaginativas de realização. Desde que as eleições de 2008 ficaram marcadas no horizonte político, participei como consultor das entidades que se empenharam desde os inícios de 2005 na efectivação do registo eleitoral que ficou concluído com assinalável êxito em meados de 2007 e actualizado ainda durante o corrente ano.

É certo que as primeiras eleições gerais tiveram um epílogo trágico que todos recordam, mas até esse desfecho foi uma lição de vida. Se temos hoje a Angola que temos muito se deve às lições aprendidas em 1992, com os erros por todos cometidos. Se os seus resultados estiveram na origem do retorno a guerra, foram também esses resultados que até hoje pautaram a vida política do País, conformaram o nosso Parlamento e o nosso Governo, reconhecido e legitimado como o foi no concerto de todas as nações do mundo.
(…)
O sentimento dominante era porém o de que seria impossível o retorno à violência armada, que o machado de guerra estava bem enterrado, todos fumavam o cachimbo da paz e até Deus era angolano e queria ser eleitor. O deslumbramento, o orgulho de ser angolano, a fé de que era agora que todos iriam colher os frutos doces da independência nacional eram, em grandes pinceladas, as cores que dominaram o quadro dessas primeiras eleições, tal como eu as via e ainda hoje recordo.

Hoje, em 2008, os principais partidos anunciaram já a constituição dos seus próprios centros de tabulação dos votos recolhidos e constantes das respectivas actas síntese. É uma boa iniciativa porque ela implica a responsabilidade de apresentação dos seus resultados e respectivos comprovativos, quando sejam diferentes dos que vierem a ser anunciados pela CNE. Em 1992, apesar das actas síntese e de a legislação neste aspecto ser em tudo idêntica, os resultados anunciados pela CNE foram contestados mas nunca foram confrontados com quaisquer resultados tabulados pelos partidos contestantes com base nas actas recolhidas pelos seus delegados de lista.
Em 1992 não se estava, contudo, a eleger apenas os Deputados mas também a eleger o Presidente da República. Este aspecto de as primeiras eleições serem duplas induziu outros factores de risco, elevando a aposta para uma luta eleitoral do tudo ou nada cujos resultados conhecemos. Não previ, porque não tenho dotes divinatórios, a «hecatombe» que se seguiu. Sempre acreditei no bom senso, nas segundas oportunidades.
(…)
Em 2008, o número de eleitores quase duplicou, a grande maioria dos actuais eleitores não votou nas eleições passadas. As circunstâncias que envolvem o actual processo são tão diferentes que não dá sequer para comparar. As grandes expectativas voltam a povoar os espíritos das pessoas e dos partidos. Vou votar no dia 5 como um cidadão que cumpre uma obrigação que se deverá tornar regular, e fá-lo-ei sem os estados de alma que me agitavam há dezasseis anos atrás. Com a sensação de que estaremos todos com esse gesto a contribuir para a consolidação do estado de direito.

[Aqui]
O Semanário Angolense pede-me que partilhe com os seus leitores a minha experiência pessoal de há 16 anos. A dois dias das eleições, qual era o estado de espírito do Director Geral das Eleições? Como é que o País estava? Quantas assembleias de voto? O Director Geral antevia a hecatombe que depois se seguiu às eleições? Como tinha decorrido a campanha eleitoral? Quantos observadores nacionais e estrangeiros estavam credenciados?
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O longo caminho entretanto percorrido foi adicionando acidentes de percurso ao processo de democratização, as perspectivas foram-se alterando como as pedras coloridas de um pequeno caleidoscópio criado como brinquedo para encantar crianças, mas que nos vai fazendo desejar formas mais ousadas e mais imaginativas de realização. Desde que as eleições de 2008 ficaram marcadas no horizonte político, participei como consultor das entidades que se empenharam desde os inícios de 2005 na efectivação do registo eleitoral que ficou concluído com assinalável êxito em meados de 2007 e actualizado ainda durante o corrente ano.

É certo que as primeiras eleições gerais tiveram um epílogo trágico que todos recordam, mas até esse desfecho foi uma lição de vida. Se temos hoje a Angola que temos muito se deve às lições aprendidas em 1992, com os erros por todos cometidos. Se os seus resultados estiveram na origem do retorno a guerra, foram também esses resultados que até hoje pautaram a vida política do País, conformaram o nosso Parlamento e o nosso Governo, reconhecido e legitimado como o foi no concerto de todas as nações do mundo.
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O sentimento dominante era porém o de que seria impossível o retorno à violência armada, que o machado de guerra estava bem enterrado, todos fumavam o cachimbo da paz e até Deus era angolano e queria ser eleitor. O deslumbramento, o orgulho de ser angolano, a fé de que era agora que todos iriam colher os frutos doces da independência nacional eram, em grandes pinceladas, as cores que dominaram o quadro dessas primeiras eleições, tal como eu as via e ainda hoje recordo.

Hoje, em 2008, os principais partidos anunciaram já a constituição dos seus próprios centros de tabulação dos votos recolhidos e constantes das respectivas actas síntese. É uma boa iniciativa porque ela implica a responsabilidade de apresentação dos seus resultados e respectivos comprovativos, quando sejam diferentes dos que vierem a ser anunciados pela CNE. Em 1992, apesar das actas síntese e de a legislação neste aspecto ser em tudo idêntica, os resultados anunciados pela CNE foram contestados mas nunca foram confrontados com quaisquer resultados tabulados pelos partidos contestantes com base nas actas recolhidas pelos seus delegados de lista.
Em 1992 não se estava, contudo, a eleger apenas os Deputados mas também a eleger o Presidente da República. Este aspecto de as primeiras eleições serem duplas induziu outros factores de risco, elevando a aposta para uma luta eleitoral do tudo ou nada cujos resultados conhecemos. Não previ, porque não tenho dotes divinatórios, a «hecatombe» que se seguiu. Sempre acreditei no bom senso, nas segundas oportunidades.
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Em 2008, o número de eleitores quase duplicou, a grande maioria dos actuais eleitores não votou nas eleições passadas. As circunstâncias que envolvem o actual processo são tão diferentes que não dá sequer para comparar. As grandes expectativas voltam a povoar os espíritos das pessoas e dos partidos. Vou votar no dia 5 como um cidadão que cumpre uma obrigação que se deverá tornar regular, e fá-lo-ei sem os estados de alma que me agitavam há dezasseis anos atrás. Com a sensação de que estaremos todos com esse gesto a contribuir para a consolidação do estado de direito.

[Aqui]

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