Thursday, 23 April 2009

PORTUGUESES EM ANGOLA

NEM EL DORADO NEM TERRA DE PERDICAO


A Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas (DGACCP) confirmou o que muitos já sabiam: há cada vez mais portugueses a viver e a trabalhar em Angola. No ano transacto, a comunidade portuguesa em Angola foi a que mais cresceu (mais 10.925 membros) logo a seguir à Suíça (mais 15.163) segundo a DGACCP. A mesma fonte estimava em 45 mil os portugueses residentes em Angola em 2005 e 60 mil no ano seguinte, incluídos os luso-angolanos, com dupla nacionalidade. Mas quantos são? Ninguém sabe ao certo: na imprensa dos dois países têm surgido dados que vão dos cem mil aos duzentos mil.

(...)

Se «para Angola e em força» parece ser em Portugal a palavra de ordem mais actual (palavra de ordem que não esperou pela «bênção» das autoridades oficiais) basta uma olhadela a qualquer fórum de conversas na net que trate das relações entre Portugal e Angola para constatar os sentimentos contraditórios que esta afluência de novos emigrantes portugueses suscita entre os angolanos. Às acusações – habituais em países onde os empregos escasseiam – de virem os «estrangeiros» roubar o pão da boca aos africanos, juntam-se considerações pouco abonatórias e mais ou menos racistas sobre os «tugas» ou «pulas» como são designados os imigrantes oriundos da ex-metrópole. Não ficam atrás em termo de preconceitos os «retornados» que avisam os incautos contra os muitos defeitos dos angolanos e o risco de se investir neste país.

Mal me quer, bem me quer? A pouca informação, para não se falar em desinformação, sobre Angola a que teve acesso nos últimos anos o público português, está na origem de muitos desencontros e mal-entendidos. A maioria dos portugueses que rumam a Luanda fazem-no de coração apertado, como última alternativa face à falência iminente, ou à procura do emprego que não aparece em Portugal nem em mais nenhum país «civilizado».



No extremo oposto, a ideia de que qualquer português com a escolaridade obrigatória completa pode aspirar a um cargo bem pago em Angola é a das mais enraizadas em Portugal. Conta um empresário luso instalado em Luanda que colocou um anúncio em Portugal para recrutar um encarregado de obra tendo recebido cerca de 400 respostas. Entre os candidatos figuravam vários empregados de mesa e até uma mulher de limpeza.

Para as grandes empresas multinacionais, nomeadamente as portuguesas, que operam em Angola, recrutar pessoal idóneo, para um mercado difícil e exigente, é um quebra-cabeças permanente, e os salários que oferecem fazem crescer água na boca a muitos portugueses, sobretudo agora que as obras estão paradas no «jardim à beira mar plantado». Entre dois mil e seis mil dólares mensais para um engenheiro recém-formado ou com menos de três anos de experiência, mais alimentação e alojamento e duas viagens a Portugal por ano é aliciante mais do que suficiente para «arriscar», apesar dos avisos contrários da família e dos amigos.

(...)

Inútil, por conseguinte, forjar habilitações ou inventar experiência que não se tem e que não resistirão à prova do fogo. Estes «chicos-espertos» são um pesadelo para as empresas, angolanas, portuguesas ou estrangeiras que se deixarem enganar. «Os custos para os mandar embora são enormes. Basta somar os ordenados, as viagens, os vistos, para não falar na reparação das asneiras cometidas», diz um projectista que admite «existir uma lista negra que circula à socapa», enquanto as empresas «roubam os melhores elementos, umas as outras».


[Por Nicole Guardiola, in Africa 21, Marco 2009]

NEM EL DORADO NEM TERRA DE PERDICAO


A Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas (DGACCP) confirmou o que muitos já sabiam: há cada vez mais portugueses a viver e a trabalhar em Angola. No ano transacto, a comunidade portuguesa em Angola foi a que mais cresceu (mais 10.925 membros) logo a seguir à Suíça (mais 15.163) segundo a DGACCP. A mesma fonte estimava em 45 mil os portugueses residentes em Angola em 2005 e 60 mil no ano seguinte, incluídos os luso-angolanos, com dupla nacionalidade. Mas quantos são? Ninguém sabe ao certo: na imprensa dos dois países têm surgido dados que vão dos cem mil aos duzentos mil.

(...)

Se «para Angola e em força» parece ser em Portugal a palavra de ordem mais actual (palavra de ordem que não esperou pela «bênção» das autoridades oficiais) basta uma olhadela a qualquer fórum de conversas na net que trate das relações entre Portugal e Angola para constatar os sentimentos contraditórios que esta afluência de novos emigrantes portugueses suscita entre os angolanos. Às acusações – habituais em países onde os empregos escasseiam – de virem os «estrangeiros» roubar o pão da boca aos africanos, juntam-se considerações pouco abonatórias e mais ou menos racistas sobre os «tugas» ou «pulas» como são designados os imigrantes oriundos da ex-metrópole. Não ficam atrás em termo de preconceitos os «retornados» que avisam os incautos contra os muitos defeitos dos angolanos e o risco de se investir neste país.

Mal me quer, bem me quer? A pouca informação, para não se falar em desinformação, sobre Angola a que teve acesso nos últimos anos o público português, está na origem de muitos desencontros e mal-entendidos. A maioria dos portugueses que rumam a Luanda fazem-no de coração apertado, como última alternativa face à falência iminente, ou à procura do emprego que não aparece em Portugal nem em mais nenhum país «civilizado».



No extremo oposto, a ideia de que qualquer português com a escolaridade obrigatória completa pode aspirar a um cargo bem pago em Angola é a das mais enraizadas em Portugal. Conta um empresário luso instalado em Luanda que colocou um anúncio em Portugal para recrutar um encarregado de obra tendo recebido cerca de 400 respostas. Entre os candidatos figuravam vários empregados de mesa e até uma mulher de limpeza.

Para as grandes empresas multinacionais, nomeadamente as portuguesas, que operam em Angola, recrutar pessoal idóneo, para um mercado difícil e exigente, é um quebra-cabeças permanente, e os salários que oferecem fazem crescer água na boca a muitos portugueses, sobretudo agora que as obras estão paradas no «jardim à beira mar plantado». Entre dois mil e seis mil dólares mensais para um engenheiro recém-formado ou com menos de três anos de experiência, mais alimentação e alojamento e duas viagens a Portugal por ano é aliciante mais do que suficiente para «arriscar», apesar dos avisos contrários da família e dos amigos.

(...)

Inútil, por conseguinte, forjar habilitações ou inventar experiência que não se tem e que não resistirão à prova do fogo. Estes «chicos-espertos» são um pesadelo para as empresas, angolanas, portuguesas ou estrangeiras que se deixarem enganar. «Os custos para os mandar embora são enormes. Basta somar os ordenados, as viagens, os vistos, para não falar na reparação das asneiras cometidas», diz um projectista que admite «existir uma lista negra que circula à socapa», enquanto as empresas «roubam os melhores elementos, umas as outras».


[Por Nicole Guardiola, in Africa 21, Marco 2009]

2 comments:

umBhalane said...

Gostei do artigo.

Mais coisa, menos coisa, anda lá.

Koluki said...

E' um artigo equilibrado e informativo.
So' ha' uma coisa que me parece fazer parte do que a autora chama "desencontros e mal-entendidos": as expressoes "tuga" e "pula" nao teem necessariamente motivacoes racistas. Tuga e' um diminutivo de Portuga, ou Portugues, tal como o e' a expressao "Mwangole'", que significa geralmente filho de Angola e que resulta da contracao de Mwana e (de) Angola. O que deu ao "tuga" um caracter mais carregado foi ele ter sido popularizado pelos guerrilheiros da guerra anti-colonial, mas nao se pode aferir dai que ele tenha necessariamente uma conotacao racista.
Quanto ao "pula", embora eu nao saiba muito bem a sua origem etimologica, sempre foi corrente em Angola desde o periodo colonial (por isso e' mais associada aos portugueses), mas quer geralmente significar "branco", i.e. exactamente como aqueles que o sao, sao geralmente designados "negros" ou "pretos", sem que dai se possa aferir necessariamente uma intencao racista.

Ha' tambem ai uma questao bastante discutivel em toda a frase em que ela se refere a essas expressoes. Mas essa para mim e' uma questao que tem que ser abordada sob parametros mais alargados, como, por exemplo, passe a imodestia, os expressos neste artigo e nalguns dos comentarios que suscitou:

http://koluki.blogspot.com/2008/12/angola-pais-xenofobo.html