FERNANDO MOURAO ao JA
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Aqui em Angola ou se dá o salto para altíssima tecnologia, principalmente para as Tecnologias de Informação e Comunicação ou seremos sempre importadores das ideias dos outros. Ficar só como receptor não dá. O Brasil rompeu com essa ideia depois da II Guerra Mundial, a Índia hoje tem tecnologia altamente sofisticada, o Paquistão também, a China está a lutar por isso. Que se produza matérias-primas alimentares é bom e é preciso, mas, do ponto de vista tecnológico, isso não serve para subir degraus. Ou partimos para tecnologias de ponta ou estamos sempre a importar técnicos especializados para fazer aquilo que não sabemos.
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Acho que temos de apostar no ensino e na tecnologia. Mas num ensino que não seja uma reposição deste ensino tradicional do tempo colonial. Temos de ir para um ensino altamente qualificado e formar quadros.Sou professor de Direito e vejo muitos alunos com códigos na mão e eu digo-lhes: podem deitar fora o código. Eles ficam admirados. Entendo que o necessário é eles terem a racionalidade para entenderem o que está no código e, principalmente hoje, nas convenções internacionais.
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Formação de quadros e reforma do ensino. O actual quadro do ensino em Angola é um quadro europeu do século passado, mas de europeu continental. Angola tem vizinhos que falam francês e inglês. Eu apostaria muito mais numa aproximação aos anglo-saxónicos. É preciso criar universidades bilingues pelas regiões do país e, de uma vez por todas, pôr os angolanos a falarem inglês, que é, cada vez mais, a língua universal. Enquanto os angolanos falarem só português e a língua materna ou, os que estão no Norte, um pouco de francês, estão sempre fora do comércio mundial. Hoje, quem está no comércio mundial é a Sonangol, mas não se pode ver o futuro de Angola só a partir do petróleo. O petróleo possibilitou a renovação das Forças Armadas, a reabilitação dos aeroportos, das estradas, mas se não se desenvolver uma classe média produtiva de pequenos e médios industriais eficientes e produtores, o país não vai para diante.
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Temos de ultrapassar esta fase e passarmos a ser produtores. Para isso, o país precisa de quadros. Enquanto tiver um ensino tradicional, em que o jovem sai da universidade e não sabe nada, como é que vai conseguir criar?
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O ensino técnico tem de arrancar juntamente com o ensino universitário. Mas que ensino universitário? De alunos que ficam por aí a papaguear códigos? Ou que vão ser preparados através de métodos de ensino racionais para que possam pensar?
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Ou se aposta com coragem na formação de quadros ou não teremos desenvolvimento. Vejo Angola como uma nação em crescimento, que saiu do inchaço para um certo crescimento. Só lhe falta dar um empurrãozinho, que é a aposta no ensino. A saída para este país está na formação de quadros. Agora, há a mania de falar em desenvolvimento, mas muitos não sabem o que é isso. Só hoje já ouvi falar mais de 50 vezes sobre desenvolvimento sustentado, mas metade das pessoas não sabe o que é.
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Se o país tiver boa formação de economistas, não apenas de econometristas. Acho que a matemática, as línguas e a filosofia deviam ser disciplinas obrigatórias para as pessoas abrirem o pensamento, saberem pensar.
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Já chega de culpar os outros. Cada um de nós é que tem de sair do buraco. É preciso consciência e optar por um ensino racional, modelo anglo-saxónico. De contrário estaremos a formar papagaios.
[Aqui]
N.B.: Voltarei, tao logo quanto possivel, a esta entrevista, com alguns comentarios, nomeadamente as observacoes do Professor Mourão (que daqui saudo na distancia que vai ate' a este simposio, onde o conheci pessoalmente) sobre os planos integrativos da SADC:
P- Quais considera serem hoje os pontos fortes e os pontos fracos de Angola?
R- O ponto forte de Angola é ser um país fiável, que tem uma unidade e uma vocação universal. Dentro das suas particularidades faz um equilíbrio entre o lado tradicional, o moderno e a concepção nacional e regional. Hoje, estamos na dúvida se vamos ficar na África Central, na Austral ou nas duas. Sem querer ser agradável ao Presidente José Eduardo dos Santos, vejo nele uma qualidade extraordinária, assim como Agostinho Neto, que era o homem da praxis, de aguentar a luta. O Presidente José Eduardo dos Santos é um homem que criou um quarto poder. O que é isso? Existe o Legislativo, o Executivo e o Judicial. No Brasil, até há um século, tínhamos um quarto poder que é o moderador. Vejo na presença do Presidente José Eduardo dos Santos um elemento moderador da política interna. Este poder moderador do Presidente José Eduardo dos Santos está a permitir, de certa forma, um equilíbrio regional e internacional, e uma prudência da parte dele não ir na conversa de modelos. Agora inventaram transformar a SADC num mercado comum, começando por uma região aduaneira.
P – A ideia de um mercado comum não é benéfica para Angola?
R - Será bom quando os países da SADC tiverem condições de formar essa região aduaneira. O facto de Angola não ir nessa conversa é benéfico. Por exemplo, o Mercosul é, ainda hoje, uma união aduaneira imperfeita, porque há situações diversas em cada um dos países que o integra. Na Europa, há a Alemanha que pagou a conta dos que não têm dinheiro. Em África isso não existe. Têm de se dar compensações, como se deu na Europa. Aqui, em África, existe uma porção de países que ainda dependem das Alfândegas. Se acabam com elas, onde é que vão buscar dinheiro para pagar o médico, o polícia, o professor? Que isso seja uma meta, estou de acordo.
P– Qual seria afinal o papel da SADC?
R – Um aprendizado integrativo, que leva a uma prática integrativa aos poucos. No fundo, é a grande proposta das Nações Unidas, de não ficar só pelos acordos de natureza bilaterais. Uma coisa crucial que a SADC está a fazer é a integração dos sistemas das redes eléctricas dos países que compõem a região, certas políticas aduaneiras, certas políticas de rodovias, o problema central da água, que Angola tem resposta na mão. A África do Sul não tem água e os outros também não. Este é um problema seríssimo de que ninguém quer falar. A SADC, aos poucos, vai criando legislação, com esforços diplomáticos, no sentido de, daqui a alguns anos, se poder fazer, então, a União Aduaneira, mas não uma União Aduaneira só de conversa fiada. Penso que isso pode ser feito dentro de 20 anos, mais ou menos. Ainda hoje ouvi falar no NEPAD e apanhei um susto. Sinceramente, não acredito nisso. É uma ideia muito bonita, mas o que é que se fez em nome da NEPAD? Há alguma indústria criada em nome do NEPAD? Claro que não.
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