Sunday 4 October 2009

OLHARES DIVERSOS (XIII)

JAKA JAMBA ao PAIS

A passagem pela UNESCO foi, de facto, o momento alto na minha carreira. Eu sou professor de filosofia, sou um homem voltado para a educação e para a formação, pelo que a minha passagem pela UNESCO permitiu-me complementar o entendimento da problemática da educação hoje, no mundo. Além de outras áreas de competência da UNESCO. Que não está vocacionada apenas para a educação, promove também a preservação e a conservação do património cultural. Volta-se, a UNESCO, também, para a informação, além do debate das questões mais candentes da actualidade. Por isso a UNESCO é o fórum mais privilegiado para a abordagem dos vários problemas e desafios do século XXI.

(…)


Na UNESCO temos o património histórico, em termos de abordagem, também o cultural, refiro-me a monumentos, aos sítios históricos de grande pertinência para a nossa história, fala-se também do património natural, temos paisagens bastante belas que merecem protecção e que sejam propostas para figurar na lista do património mundial. Por último temos o património imaterial, é este que envolve o legado de saberes, da nossa tradição, e também, levanta a questão de grande actualidade que é a ameaça que temos sobre o património linguístico, as nossas línguas de origem africana. Segundo alguns estudiosos, algumas dessas línguas são autónomas mas não ameaçadas de desaparecimento imediato.

Mas deve ter-se em conta que, em termos de políticas educacionais, em matéria da linguística, ainda não temos os equilíbrios mais desejáveis. Se essas línguas não forem inseridas no ensino, se não se voltarem para o quotidiano, se ficarem subalternas em relação as línguas de origem europeias, no nosso caso concreto do português, naturalmente, à medida que as novas gerações não se sintam utentes dessas línguas, que elas haverão de ter uma morte lenta e o seu desaparecimento, o que seria uma irresponsabilidade, se não protegermos um dos legados mais preciosos que temos da civilização banto. Não se perde apenas a forma de comunicar, também a cultura. Absolutamente. As línguas são veículos de cultura. São patrimónios únicos, as línguas têm carácter de unicidade. A língua é uma criação única no seu género, se desaparece também é uma cultura que desaparece.

(…)

A batalha em torno do património linguístico e sobre património histórico e cultural de Angola vai conhecendo altos e baixos. No quadro da cooperação com a UNESCO podemos ter apoios se ratificarmos as várias convenções voltadas para esses domínios. Falo da Convenção do Património Histórico, que ratificamos, mas a Convenção sobre o Património Imaterial, e outras de outros domínios, ainda não as ratificamos. Isso dificulta as diligências para a proposta de alguns sítios históricos para a lista do património mundial.

Tomemos o caso de MBanza Congo, há a vertente do património histórico, o Kulumbimbi, o cemitério dos reis,temos outros vestígios como a árvore sagrada. A árvore sagrada não só envolve o lado físico, material, mas envolve também a dimensão das tradições que vão para o quadro do património imaterial, cuja convenção ainda não reconhecemos. Desencadeamos o processo para ver se esse sítio histórico de grande valor e importância histórica para Angola, para os congos Brazzaville e Kinshasa, uma vez que o reino do Congo encontrado pelos portugueses, com MBanza Congo como centro, ia do actual território de Angola até ao Gabão. Todos esses países terão, certamente o interesse em promover o sítio de MBanza Congo para a lista do património Mundial, mas teremos primeiro de completar a ratificação das convenções necessárias para se completar a proposta do dossier .

(…)

Tudo o que faz parte do passado do nosso país merece ser protegido, merece ser salvaguardado, merece ser compreendido. O problema maior para contextos como o nosso, de passado colonial, é haver uma aparentemente maior visibilidade daquilo que foram as obras coloniais em detrimento do que foi a África antes da chegada dos europeus. Mesmo em termos linguísticos, não apenas histórico-culturais, a tendência, nalguns círculos das nossas comunidades, é voltar-se mais para aquilo que foi o legado da colonização, a língua da colonização, que aquilo que fomos antes da presença europeia. Por isso, em rigor, numa abordagem histórica mais completa, temos de recuar mesmo ao passado, encontrar metodologias que permitam, se preciso, avançarmos com a arqueologia, com a paleontologia e outras ciências históricas que permitam, cada vez mais, aprofundar o passado e o que foram os povos que viveram em Angola no passado. A história só será completa se abarcar todas as fontes cruzadas: as escritas, as orais e as fontes materiais.

(…)

O debate à volta da inserção da filosofia nos nossos currículos ainda não está muito aprofundado, embora seja incontornável. Em termos de património para a humanidade, a dimensão que permite que se crie espírito crítico, a capacidade de discernimento e a leitura da realidade em termos de concatenação lógica, só a filosofia o pode facultar. Mesmo a capacidade de problematizar, que faz parte da modernidade. E aquilo que são os instrumentos que definem o que o ocidente pode ter de mais pertinente, historicamente, é esta capacidade, do que se chama de dúvida metódica.

Desde Sócrates que dizia que tudo o que sei é que nada sei, a tal humildade para permitir que aquele que busca o saber tenha abertura, até a dúvida metódica cartesiana, tudo isto é um legado que faz falta a nós que temos que fazer uma aceleração na história, como dizia o Kizerbo, temos de sair do quasi neolítico para a idade moderna, há uma base histórica só a formação filosófica pode permitir. Desafios das tecnologias modernas, desafios em como potenciar os nossos países para competir neste mundo global. Sem a formação do espírito crítico, sem a formação filosófica, pensamos que não estaremos a altura de o fazer.

(…)

Há bem pouco tempo, estive num congresso mundial de filosofia, na Coreia do Sul, onde se levantou, com muita acuidade, a problemática de uma filosofia africana. É preferível falar da filosofia em África que falar de uma filosofia africana. A atitude filosófica como tal é uma capacidade do homem para levantar interrogações, de questionar o universo, quer na dimensão física como no devir histórico. A capacidade de questionamento é uma atitude do homem, seja ele europeu, americano, africano ou asiático. Em todo o caso, a filosofia decorre no espaço e no tempo. Os homens são produtos da sua época e da sua circunstância. Não há dúvidas que há iniciativas de abordagens filosóficas feitas por filhos de África de que podemos situá-las como pertencendo ao espaço africano, a contribuição que os pensadores africanos estão a dar para o pensamento filosófico.

No entanto, é preciso não confundir a filosofia com a étno-filosofia. Há um outro nível de legado histórico-cultural pertinente dos saberes tradicionais, que têm na sua base uma certa sedimentação de abordagem filosófica, mas que não podem imediatamente ser classificados como sendo, em última instância, de filosofia africana, porque à medida que as novas gerações vão tendo mais intercâmbio com as grandes correntes filosóficas da humanidade, vão aprofundando cada vez mais o que merece ser tido como abordagem filosófica. A filosofia é o espaço de uma certa elite intelectual. Em África, se houver tal elite, ela é menor e em Angola quase não temos pensadores.

Eu irei mais longe. A filosofia, para ser mesmo filosofia, não pode consagrar-se como estando numa torre de marfim. É um esforço de abordagem dos grandes problemas que dizem respeito ao homem mas, por outro lado, terá que ter implicações na vida, no quotidiano e na própria situação do homem de todos os tempos. A filosofia nem sempre foi a preocupação imediata. Daí o dito latino “Primum vivere dopo (deide) philosofarem”, é um facto de que ela não faz parte das necessidades mais imediatas. Contudo, à medida que vamos crescendo e que as novas gerações vão ganhando mais maturidade, mais inquietações, mais pensadores irão surgir.

É verdade que em filosofia é preciso, também, uma formação, e é preciso muita investigação. Tanto os pensadores, como os escritores, como muitos homens de cultura, têm muita dificuldade de fazer investigação porque a matéria que eles abordam não é uma matéria imediatamente consumível no mercado. Por isso também a tendência se se priorizarem certas carreiras e certas áreas do saber em detrimento da filosofia. Um filósofo só pode ser professor, quase não pode ganhar dinheiro noutras áreas. Direi que, por experiência pessoal, ensinar a filosofia, quando terminei o meu curso de filosofia e recebi o diploma, em Portugal, e fui prosseguir os estudos em Genebra, a grande frustração que tive no dia em que terminei, foi que era nesse dia que deveria começar o curso. Sentia-me cada vez mais pequeno face a pertinência da área em que penetrei e do que ainda merece ser aprofundado.

(…)

Há pouco perguntava se os filósofos serão mais para o professorado ou se poderão ser úteis noutras áreas. Direi que a capacidade de questionamento é necessária para todos os domínios. Há cientistas que começam pela física e que depois recuperam a base e a bagagem filosófica útil para a abordagem da física. Mesmo na política. No Parlamento não pode haver apenas juristas ou cientistas políticos, é preciso que haja pessoas com capacidade de levantar problemas, de ter uma leitura que leve a um ultrapassar-se permanente que permita olhar para novos horizontes.

Por exemplo, tendendo a política para uma certa dogmaticidade, uma vez que é a linha política dos partidos que prevalece, o que por vezes coloca os intelectuais em situações menos confortáveis, quando a leitura correcta da realidade aponta para um lado mas os estados maiores da política ordenam que o voto, a opção, a defesa, a advocacia, deve tender para a linha política do partido. Por isso é necessário que na sociedade, no nosso espaço público, a filosofia também ganhe o espaço que lhe é devido para ser a propulsora da inovação e que faça com que o homem se desgarre da inércia do quotidiano. Por isso a conjugação entre a política e a filosofia nem sempre foi serena ao longo dos tempos.

(…)

Não sei se é infeliz (um filósofo dentro de um partido político), depende do ângulo em que nos colocamos. Mas um filósofo pode sentir-se útil num partido político se no ordenamento jurídico-constitucional e, sobretudo nas grandes opções nacionais, chegarmos à conclusão de que não teremos democratização e Estado de direito sem partidos fortes e organizados . Se esses partidos políticos se fossilizarem nos tais pensamentos quase únicos, nessa altura a sociedade será mais pobre e com menos imaginação, com a falta de competitividade que hoje se vê em várias democracias. A capacidade de uma democracia pode ser também avaliada pela sua capacidade de debate dos grandes problemas que se levantam Os problemas levantam-se nas sociedades, nas instituições e nos partidos.

Angola é um país em transição, uma transição que se faz num quadro muito especial. Tivemos conflitualidade polarizada em contextos de pensamento quase único, em vez do debate. Entramos na democracia com a prevalência de uma certa conflitualidade. Há a prevalência dos mesmos actores históricos (um filósofo amigo questionou-me, em Moçambique, se os apóstolos do marxismo-leninismo podiam tornar-se em professores da democracia). Pode parecer uma piada de mau gosto, mas são circunstâncias históricas que estamos vivendo e é por isso que o debate se vai fazendo, com altos e baixos, mas, em termos de novas gerações parece que chegamos ao limiar do não retorno.

As novas gerações, querem uma Angola à altura do melhor que os outros povos têm, no quadro do debate, no quadro do conhecimento, numa melhor estruturação das nossas cidades, nas suas vidas, mesmo até no jornalismo onde podemos ver quadros angolanos de grande qualidade que estão surgindo. E as gerações anteriores que ainda detêm algum poder têm.

[Aqui]


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"Os Prubulema Ke Estamos Ku Eles"
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(…)


Na UNESCO temos o património histórico, em termos de abordagem, também o cultural, refiro-me a monumentos, aos sítios históricos de grande pertinência para a nossa história, fala-se também do património natural, temos paisagens bastante belas que merecem protecção e que sejam propostas para figurar na lista do património mundial. Por último temos o património imaterial, é este que envolve o legado de saberes, da nossa tradição, e também, levanta a questão de grande actualidade que é a ameaça que temos sobre o património linguístico, as nossas línguas de origem africana. Segundo alguns estudiosos, algumas dessas línguas são autónomas mas não ameaçadas de desaparecimento imediato.

Mas deve ter-se em conta que, em termos de políticas educacionais, em matéria da linguística, ainda não temos os equilíbrios mais desejáveis. Se essas línguas não forem inseridas no ensino, se não se voltarem para o quotidiano, se ficarem subalternas em relação as línguas de origem europeias, no nosso caso concreto do português, naturalmente, à medida que as novas gerações não se sintam utentes dessas línguas, que elas haverão de ter uma morte lenta e o seu desaparecimento, o que seria uma irresponsabilidade, se não protegermos um dos legados mais preciosos que temos da civilização banto. Não se perde apenas a forma de comunicar, também a cultura. Absolutamente. As línguas são veículos de cultura. São patrimónios únicos, as línguas têm carácter de unicidade. A língua é uma criação única no seu género, se desaparece também é uma cultura que desaparece.

(…)

A batalha em torno do património linguístico e sobre património histórico e cultural de Angola vai conhecendo altos e baixos. No quadro da cooperação com a UNESCO podemos ter apoios se ratificarmos as várias convenções voltadas para esses domínios. Falo da Convenção do Património Histórico, que ratificamos, mas a Convenção sobre o Património Imaterial, e outras de outros domínios, ainda não as ratificamos. Isso dificulta as diligências para a proposta de alguns sítios históricos para a lista do património mundial.

Tomemos o caso de MBanza Congo, há a vertente do património histórico, o Kulumbimbi, o cemitério dos reis,temos outros vestígios como a árvore sagrada. A árvore sagrada não só envolve o lado físico, material, mas envolve também a dimensão das tradições que vão para o quadro do património imaterial, cuja convenção ainda não reconhecemos. Desencadeamos o processo para ver se esse sítio histórico de grande valor e importância histórica para Angola, para os congos Brazzaville e Kinshasa, uma vez que o reino do Congo encontrado pelos portugueses, com MBanza Congo como centro, ia do actual território de Angola até ao Gabão. Todos esses países terão, certamente o interesse em promover o sítio de MBanza Congo para a lista do património Mundial, mas teremos primeiro de completar a ratificação das convenções necessárias para se completar a proposta do dossier .

(…)

Tudo o que faz parte do passado do nosso país merece ser protegido, merece ser salvaguardado, merece ser compreendido. O problema maior para contextos como o nosso, de passado colonial, é haver uma aparentemente maior visibilidade daquilo que foram as obras coloniais em detrimento do que foi a África antes da chegada dos europeus. Mesmo em termos linguísticos, não apenas histórico-culturais, a tendência, nalguns círculos das nossas comunidades, é voltar-se mais para aquilo que foi o legado da colonização, a língua da colonização, que aquilo que fomos antes da presença europeia. Por isso, em rigor, numa abordagem histórica mais completa, temos de recuar mesmo ao passado, encontrar metodologias que permitam, se preciso, avançarmos com a arqueologia, com a paleontologia e outras ciências históricas que permitam, cada vez mais, aprofundar o passado e o que foram os povos que viveram em Angola no passado. A história só será completa se abarcar todas as fontes cruzadas: as escritas, as orais e as fontes materiais.

(…)

O debate à volta da inserção da filosofia nos nossos currículos ainda não está muito aprofundado, embora seja incontornável. Em termos de património para a humanidade, a dimensão que permite que se crie espírito crítico, a capacidade de discernimento e a leitura da realidade em termos de concatenação lógica, só a filosofia o pode facultar. Mesmo a capacidade de problematizar, que faz parte da modernidade. E aquilo que são os instrumentos que definem o que o ocidente pode ter de mais pertinente, historicamente, é esta capacidade, do que se chama de dúvida metódica.

Desde Sócrates que dizia que tudo o que sei é que nada sei, a tal humildade para permitir que aquele que busca o saber tenha abertura, até a dúvida metódica cartesiana, tudo isto é um legado que faz falta a nós que temos que fazer uma aceleração na história, como dizia o Kizerbo, temos de sair do quasi neolítico para a idade moderna, há uma base histórica só a formação filosófica pode permitir. Desafios das tecnologias modernas, desafios em como potenciar os nossos países para competir neste mundo global. Sem a formação do espírito crítico, sem a formação filosófica, pensamos que não estaremos a altura de o fazer.

(…)

Há bem pouco tempo, estive num congresso mundial de filosofia, na Coreia do Sul, onde se levantou, com muita acuidade, a problemática de uma filosofia africana. É preferível falar da filosofia em África que falar de uma filosofia africana. A atitude filosófica como tal é uma capacidade do homem para levantar interrogações, de questionar o universo, quer na dimensão física como no devir histórico. A capacidade de questionamento é uma atitude do homem, seja ele europeu, americano, africano ou asiático. Em todo o caso, a filosofia decorre no espaço e no tempo. Os homens são produtos da sua época e da sua circunstância. Não há dúvidas que há iniciativas de abordagens filosóficas feitas por filhos de África de que podemos situá-las como pertencendo ao espaço africano, a contribuição que os pensadores africanos estão a dar para o pensamento filosófico.

No entanto, é preciso não confundir a filosofia com a étno-filosofia. Há um outro nível de legado histórico-cultural pertinente dos saberes tradicionais, que têm na sua base uma certa sedimentação de abordagem filosófica, mas que não podem imediatamente ser classificados como sendo, em última instância, de filosofia africana, porque à medida que as novas gerações vão tendo mais intercâmbio com as grandes correntes filosóficas da humanidade, vão aprofundando cada vez mais o que merece ser tido como abordagem filosófica. A filosofia é o espaço de uma certa elite intelectual. Em África, se houver tal elite, ela é menor e em Angola quase não temos pensadores.

Eu irei mais longe. A filosofia, para ser mesmo filosofia, não pode consagrar-se como estando numa torre de marfim. É um esforço de abordagem dos grandes problemas que dizem respeito ao homem mas, por outro lado, terá que ter implicações na vida, no quotidiano e na própria situação do homem de todos os tempos. A filosofia nem sempre foi a preocupação imediata. Daí o dito latino “Primum vivere dopo (deide) philosofarem”, é um facto de que ela não faz parte das necessidades mais imediatas. Contudo, à medida que vamos crescendo e que as novas gerações vão ganhando mais maturidade, mais inquietações, mais pensadores irão surgir.

É verdade que em filosofia é preciso, também, uma formação, e é preciso muita investigação. Tanto os pensadores, como os escritores, como muitos homens de cultura, têm muita dificuldade de fazer investigação porque a matéria que eles abordam não é uma matéria imediatamente consumível no mercado. Por isso também a tendência se se priorizarem certas carreiras e certas áreas do saber em detrimento da filosofia. Um filósofo só pode ser professor, quase não pode ganhar dinheiro noutras áreas. Direi que, por experiência pessoal, ensinar a filosofia, quando terminei o meu curso de filosofia e recebi o diploma, em Portugal, e fui prosseguir os estudos em Genebra, a grande frustração que tive no dia em que terminei, foi que era nesse dia que deveria começar o curso. Sentia-me cada vez mais pequeno face a pertinência da área em que penetrei e do que ainda merece ser aprofundado.

(…)

Há pouco perguntava se os filósofos serão mais para o professorado ou se poderão ser úteis noutras áreas. Direi que a capacidade de questionamento é necessária para todos os domínios. Há cientistas que começam pela física e que depois recuperam a base e a bagagem filosófica útil para a abordagem da física. Mesmo na política. No Parlamento não pode haver apenas juristas ou cientistas políticos, é preciso que haja pessoas com capacidade de levantar problemas, de ter uma leitura que leve a um ultrapassar-se permanente que permita olhar para novos horizontes.

Por exemplo, tendendo a política para uma certa dogmaticidade, uma vez que é a linha política dos partidos que prevalece, o que por vezes coloca os intelectuais em situações menos confortáveis, quando a leitura correcta da realidade aponta para um lado mas os estados maiores da política ordenam que o voto, a opção, a defesa, a advocacia, deve tender para a linha política do partido. Por isso é necessário que na sociedade, no nosso espaço público, a filosofia também ganhe o espaço que lhe é devido para ser a propulsora da inovação e que faça com que o homem se desgarre da inércia do quotidiano. Por isso a conjugação entre a política e a filosofia nem sempre foi serena ao longo dos tempos.

(…)

Não sei se é infeliz (um filósofo dentro de um partido político), depende do ângulo em que nos colocamos. Mas um filósofo pode sentir-se útil num partido político se no ordenamento jurídico-constitucional e, sobretudo nas grandes opções nacionais, chegarmos à conclusão de que não teremos democratização e Estado de direito sem partidos fortes e organizados . Se esses partidos políticos se fossilizarem nos tais pensamentos quase únicos, nessa altura a sociedade será mais pobre e com menos imaginação, com a falta de competitividade que hoje se vê em várias democracias. A capacidade de uma democracia pode ser também avaliada pela sua capacidade de debate dos grandes problemas que se levantam Os problemas levantam-se nas sociedades, nas instituições e nos partidos.

Angola é um país em transição, uma transição que se faz num quadro muito especial. Tivemos conflitualidade polarizada em contextos de pensamento quase único, em vez do debate. Entramos na democracia com a prevalência de uma certa conflitualidade. Há a prevalência dos mesmos actores históricos (um filósofo amigo questionou-me, em Moçambique, se os apóstolos do marxismo-leninismo podiam tornar-se em professores da democracia). Pode parecer uma piada de mau gosto, mas são circunstâncias históricas que estamos vivendo e é por isso que o debate se vai fazendo, com altos e baixos, mas, em termos de novas gerações parece que chegamos ao limiar do não retorno.

As novas gerações, querem uma Angola à altura do melhor que os outros povos têm, no quadro do debate, no quadro do conhecimento, numa melhor estruturação das nossas cidades, nas suas vidas, mesmo até no jornalismo onde podemos ver quadros angolanos de grande qualidade que estão surgindo. E as gerações anteriores que ainda detêm algum poder têm.

[Aqui]


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