Este post destina-se primordialmente a parabenizar o Salucombo Jr. pelo seu terceiro aniversario na blogosfera. Parabens Attelier dos Mangueirinhas!
E' tambem, para mim, uma oportunidade para zuelar um pouco sobre a questao da preservacao da arquitectura urbana em Luanda e em Angola em geral, que tantos debates tem gerado, na blogosfera e nao so'. As consideracoes que se seguem constituem uma versao editada de um comentario meu no Attelier dos Mangueirinhas, em resposta ao Salucombo Jr., no contexto deste post dele, de onde as fotografias aqui expostas tambem foram tomadas de emprestimo.
1. Todas as ex-potencias coloniais se envolvem, de uma forma ou de outra, na defesa dos seus patrimonios culturais no mundo e especialmente nas suas ex-colonias e isso passa normalmente pelo investimento em projectos de reconstrucao e manutencao, particularmente se essas ex-colonias tiverem passado por longos periodos de guerra. No caso de Angola, tal investimento (incluindo nao so’ financiamento, mas tambem ‘educacao cultural’ sobre esse patrimonio) seria ainda mais justificado pelo facto de a ex-potencia colonial nao ter sido alheia as razoes da guerra – bastaria, por exemplo, ter promovido e garantido um processo de descolonizacao mais atempado, responsavel e assumido e, consequentemente, menos catastrofico…
2. Nos casos em que tal se verifica, tais projectos de investimento sao, via de regra, feitos em parceria com o pais alvo e sob acordos inter-governamentais: nao teem, portanto, necessariamente a ver com “neocolonizacao”. E, afinal, o que e’ mais passivel de ser considerado “neocolonizacao”? A manutencao de um patrimonio cultural, ou o dominio de praticamente todo o sector bancario (e seus respectivos recursos humanos) e outros sectores importantes da economia de um pais? E, ja’ agora, quantas dessas novas torres de vidro nao se destinarao, porventura, directa ou indirectamente, a bancos ou outros interesses economicos portugueses? Mas, independementemente de quem tem ou nao o ‘dever e obrigacao’, ou de quem tem ‘mais ou menos dinheiro’ (ja’ agora dir-te-ei que alguns projectos desse tipo sao patrocinados e financiados por instituicoes supra-nacionais, como a UE ou a UNESCO - veja-se, por favor, o caso de Mbanza Kongo, sem duvida o mais flagrante exemplo de destruicao de um patrimonio historico-cultural, nao so' de Angola, como da humanidade!), eu falei em Portugal “assumir a lideranca” e isso pode resumir-se apenas a apresentar propostas/projectos concretos ao governo Angolano nesse sentido. Toma, por exemplo, o caso da escola portuguesa que foi instalada, por Portugal, ha’ varios anos em Luanda: qual foi o seu objectivo? Certamente nao outro que a manutencao da lingua e da cultura portuguesa – porque nao pensar-se no mesmo tipo de investimento em relacao ao patrimonio arquitectonico portugues?
3. Agora, passemos aquele que e’ talvez o aspecto mais importante dessa questao: em qualquer economia bem gerida (excepto em paises socialistas/comunistas, que Angola, malgre’ tout, nunca foi… quando muito, Angola foi ate’ ha’ 6 anos atras uma economia de guerra) ha’ uma clara delimitacao do papel do estado na economia, mediante a qual os investimentos publicos devem ser reservados aos bens publicos. E a definicao de bens publicos pode ser mais ou menos lata, mas e’ clara o suficiente: em termos gerais, e’considerado “bem publico” aquele que pode ser usufruido por qualquer membro do publico. Aqui poder-se-ha defender que a traca arquitetonica portuguesa (tal como outros bens do patrimonio historico de Angola) e’ um “bem publico” na medida em que qualquer membro do publico ao apenas poder olhar para ela estara’ a usufruir de um “bem cultural”. Ate’ ai muito bem. Mas poe-se entao a questao de saber, em termos mais estritos, se um determinado bem considerado “cultural” e’ propriedade publica ou privada? Isto e’, esta' nas maos do estado ou de um particular? E aqui as aguas do orcamento do estado teem que ser rigorosamente separadas: se e’ publica, cabe ao estado nele investir, se e’ privada, isso cabe ao particular que a possui. O papel do estado ai deve limitar-se a legislar e regulamentar os criterios da sua planificacao e manutencao;
4. Do ponto anterior segue-se que: em qualquer pais, mas mais fundamentalmente num pais com os niveis de pobreza que Angola apresenta, quais devem ser as prioridades dos gastos publicos? Nao me parece haver muito lugar para duvidas que elas devem ser direccionadas para os “bens indubitavelmente publicos”, isto e’, aqueles sem os quais nao havera membros do publico suficientes para usufruirem de “bens culturais”, sejam eles portugueses ou nao e por melhor mantidos que sejam. Falamos aqui de Saude, Alimentacao, Educacao, Sanidade e Saneamento, Transportes e Emprego, so’ para citar os mais vitais. E e’ para essas areas que as reivindicacoes do “publico em geral” sao geralmente e devem ser direccionadas, nao so’ em Angola e nao so’ em paises subdesenvolvidos, como em todo o mundo. E e’ tambem por essa razao fundamental que os governos interessados na manutencao do seu patrimonio cultural no mundo, com ou sem o apoio de instituicoes financeiras ou culturais internacionais, teem interesse em investir nesse patrimonio – porque esse investimento nao cabe estritamente ao governo do “pais herdeiro”. Ora, tais governos interessados poderao tambem ter consideraveis restricoes aos seus orcamentos publicos disponiveis para esse efeito e nesses casos recorrem as suas instituicoes privadas, sejam elas bancos ou fundacoes culturais especificamente criadas para tal. E aqui o papel dos bancos privados, por isso falei nos bancos portugueses em Angola, na aquisicao desses bens e/ou na concessao de financiamento para a sua manutencao.
Portanto, em resumo, a mensagem que te pretendia transmitir e’ que, como “nativos” que todos somos, nao nos ficaria nada mal um pouco de humildade em relacao as nossas proprias limitacoes de todo o tipo. E, tambem, que precisamos, principalmente voces da geracao mais jovem, de ter uma atitude mais proactiva/positiva, e menos reactiva/negativa, mais racional e menos emotiva, mas sobretudo mais pragmatica e menos dogmatica, em relacao a reconstrucao do nosso pais em todos os dominios – ate’ porque ja’ deviamos andar todos cansados de guerras por causa de ideologias que pouco ou nada teem a ver connosco...
Nao pretendo com isto dar uma de ‘patriota’, e muito menos ‘patrioteira’, ate’ porque tambem tenho as minhas criticas em relacao ao modelo de crescimento, incluindo a essas torres de vidro, que esta’ a ser seguido em Angola – criticas essas que fiz publicar nacional e internacionalmente. ***
P.S. - (28/04/09) - Acabo de encontrar esta noticia no Jornal Angolense:
O património histórico-cultural de Angola e a problemática da sua conservação e restauração foi o tema da comunicação apresentada quinta-feira, pelo Embaixador-delegado permanente de Angola junto da UNESCO, Almerindo Jaka Jamba, num debate organizado pela Fundação Luso-Africana para a Cultura (FLAC).
[Ler mais aqui]
Este post destina-se primordialmente a parabenizar o Salucombo Jr. pelo seu terceiro aniversario na blogosfera. Parabens Attelier dos Mangueirinhas!
E' tambem, para mim, uma oportunidade para zuelar um pouco sobre a questao da preservacao da arquitectura urbana em Luanda e em Angola em geral, que tantos debates tem gerado, na blogosfera e nao so'. As consideracoes que se seguem constituem uma versao editada de um comentario meu no Attelier dos Mangueirinhas, em resposta ao Salucombo Jr., no contexto deste post dele, de onde as fotografias aqui expostas tambem foram tomadas de emprestimo.
1. Todas as ex-potencias coloniais se envolvem, de uma forma ou de outra, na defesa dos seus patrimonios culturais no mundo e especialmente nas suas ex-colonias e isso passa normalmente pelo investimento em projectos de reconstrucao e manutencao, particularmente se essas ex-colonias tiverem passado por longos periodos de guerra. No caso de Angola, tal investimento (incluindo nao so’ financiamento, mas tambem ‘educacao cultural’ sobre esse patrimonio) seria ainda mais justificado pelo facto de a ex-potencia colonial nao ter sido alheia as razoes da guerra – bastaria, por exemplo, ter promovido e garantido um processo de descolonizacao mais atempado, responsavel e assumido e, consequentemente, menos catastrofico…
2. Nos casos em que tal se verifica, tais projectos de investimento sao, via de regra, feitos em parceria com o pais alvo e sob acordos inter-governamentais: nao teem, portanto, necessariamente a ver com “neocolonizacao”. E, afinal, o que e’ mais passivel de ser considerado “neocolonizacao”? A manutencao de um patrimonio cultural, ou o dominio de praticamente todo o sector bancario (e seus respectivos recursos humanos) e outros sectores importantes da economia de um pais? E, ja’ agora, quantas dessas novas torres de vidro nao se destinarao, porventura, directa ou indirectamente, a bancos ou outros interesses economicos portugueses? Mas, independementemente de quem tem ou nao o ‘dever e obrigacao’, ou de quem tem ‘mais ou menos dinheiro’ (ja’ agora dir-te-ei que alguns projectos desse tipo sao patrocinados e financiados por instituicoes supra-nacionais, como a UE ou a UNESCO - veja-se, por favor, o caso de Mbanza Kongo, sem duvida o mais flagrante exemplo de destruicao de um patrimonio historico-cultural, nao so' de Angola, como da humanidade!), eu falei em Portugal “assumir a lideranca” e isso pode resumir-se apenas a apresentar propostas/projectos concretos ao governo Angolano nesse sentido. Toma, por exemplo, o caso da escola portuguesa que foi instalada, por Portugal, ha’ varios anos em Luanda: qual foi o seu objectivo? Certamente nao outro que a manutencao da lingua e da cultura portuguesa – porque nao pensar-se no mesmo tipo de investimento em relacao ao patrimonio arquitectonico portugues?
3. Agora, passemos aquele que e’ talvez o aspecto mais importante dessa questao: em qualquer economia bem gerida (excepto em paises socialistas/comunistas, que Angola, malgre’ tout, nunca foi… quando muito, Angola foi ate’ ha’ 6 anos atras uma economia de guerra) ha’ uma clara delimitacao do papel do estado na economia, mediante a qual os investimentos publicos devem ser reservados aos bens publicos. E a definicao de bens publicos pode ser mais ou menos lata, mas e’ clara o suficiente: em termos gerais, e’considerado “bem publico” aquele que pode ser usufruido por qualquer membro do publico. Aqui poder-se-ha defender que a traca arquitetonica portuguesa (tal como outros bens do patrimonio historico de Angola) e’ um “bem publico” na medida em que qualquer membro do publico ao apenas poder olhar para ela estara’ a usufruir de um “bem cultural”. Ate’ ai muito bem. Mas poe-se entao a questao de saber, em termos mais estritos, se um determinado bem considerado “cultural” e’ propriedade publica ou privada? Isto e’, esta' nas maos do estado ou de um particular? E aqui as aguas do orcamento do estado teem que ser rigorosamente separadas: se e’ publica, cabe ao estado nele investir, se e’ privada, isso cabe ao particular que a possui. O papel do estado ai deve limitar-se a legislar e regulamentar os criterios da sua planificacao e manutencao;
4. Do ponto anterior segue-se que: em qualquer pais, mas mais fundamentalmente num pais com os niveis de pobreza que Angola apresenta, quais devem ser as prioridades dos gastos publicos? Nao me parece haver muito lugar para duvidas que elas devem ser direccionadas para os “bens indubitavelmente publicos”, isto e’, aqueles sem os quais nao havera membros do publico suficientes para usufruirem de “bens culturais”, sejam eles portugueses ou nao e por melhor mantidos que sejam. Falamos aqui de Saude, Alimentacao, Educacao, Sanidade e Saneamento, Transportes e Emprego, so’ para citar os mais vitais. E e’ para essas areas que as reivindicacoes do “publico em geral” sao geralmente e devem ser direccionadas, nao so’ em Angola e nao so’ em paises subdesenvolvidos, como em todo o mundo. E e’ tambem por essa razao fundamental que os governos interessados na manutencao do seu patrimonio cultural no mundo, com ou sem o apoio de instituicoes financeiras ou culturais internacionais, teem interesse em investir nesse patrimonio – porque esse investimento nao cabe estritamente ao governo do “pais herdeiro”. Ora, tais governos interessados poderao tambem ter consideraveis restricoes aos seus orcamentos publicos disponiveis para esse efeito e nesses casos recorrem as suas instituicoes privadas, sejam elas bancos ou fundacoes culturais especificamente criadas para tal. E aqui o papel dos bancos privados, por isso falei nos bancos portugueses em Angola, na aquisicao desses bens e/ou na concessao de financiamento para a sua manutencao.
Portanto, em resumo, a mensagem que te pretendia transmitir e’ que, como “nativos” que todos somos, nao nos ficaria nada mal um pouco de humildade em relacao as nossas proprias limitacoes de todo o tipo. E, tambem, que precisamos, principalmente voces da geracao mais jovem, de ter uma atitude mais proactiva/positiva, e menos reactiva/negativa, mais racional e menos emotiva, mas sobretudo mais pragmatica e menos dogmatica, em relacao a reconstrucao do nosso pais em todos os dominios – ate’ porque ja’ deviamos andar todos cansados de guerras por causa de ideologias que pouco ou nada teem a ver connosco...
Nao pretendo com isto dar uma de ‘patriota’, e muito menos ‘patrioteira’, ate’ porque tambem tenho as minhas criticas em relacao ao modelo de crescimento, incluindo a essas torres de vidro, que esta’ a ser seguido em Angola – criticas essas que fiz publicar nacional e internacionalmente. ***
P.S. - (28/04/09) - Acabo de encontrar esta noticia no Jornal Angolense:
O património histórico-cultural de Angola e a problemática da sua conservação e restauração foi o tema da comunicação apresentada quinta-feira, pelo Embaixador-delegado permanente de Angola junto da UNESCO, Almerindo Jaka Jamba, num debate organizado pela Fundação Luso-Africana para a Cultura (FLAC).
[Ler mais aqui]
2 comments:
Mais uma vez acerta na mouche, como sempre!
Esses mesmo alguns dos problemas que estamos com eles.
Continue aguentando a barra aí porque nós aqui estamos tomando notas.
Aquele abraço!
Obrigada pela atencao e pela forca AC.
Aquele abraco!
Post a Comment