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Afirmar que Agostinho Neto (1922-1979) foi um político que frequentou a poesia e Senghor (1906-2001) um poeta que frequentou a política é, na verdade, um trocadilho que constitui o cúmulo da bazófia. Conhecendo bem as literaturas africanas de língua francesa e inglesa, considero que semelhantes afirmações revelam a mais desbragada irresponsabilidade do acto judicativo e hermenêutico. Por isso, tenho dúvidas que quem assim pensa, conheça verdadeiramente as trajectórias biográficas dos dois escritores mencionados.
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Como compreender que (JE Agualusa) venha emitir juízos estéticos depreciativos acerca de três poetas angolanos importantes, revelando pertencer a uma tradição literária universal? Como se explica que ganhe fortuna crítica em nome da tradição literária angolana cuja existência nega com frequência, tal como fez mais recentemente numa entrevista concedida ao conhecido humorista brasileiro Jô Soares?
[Aqui]
Adriano dos Santos Junior, em "O SEU A SEU DONO":
O que não estamos de acordo é com o fundamento de Agualusa, segundo o qual Leopold Senghor tenha sido um grande poeta por ter ido beber à fonte da Grécia Antiga para além das tradições africanas, ter estudado na Sorbonne, ter tido orgulho pela sua «gota de sangue português», evocada num dos seus grandes poemas transcritos por Agualusa, e ter publicado onze livros, enquanto que Agostinho Neto não poderia ser um grande poeta porque não teria ido beber à bica da Grécia antiga, não passou pela Sorbonne e não publicou assim tantos livros. Para nós Leopold Senghor e Agostinho Neto foram grandes poetas pelas suas obras, independentemente dos santuários do saber que tenha frequentado ou visitado.
Por mais que devamos incentivar os nossos literatos a produzirem muito e terem o máximo apego à Cultura quer seja clássica ou tradicional, não nos podemos esquecer que o Poeta nasce e o Erudito faz-se. Há Poetas analfabetos e Eruditos incapazes de engendrar um poema. Por outro lado, os critérios para a classificação de escritores, poetas, contistas, romancistas, etc., não têm como factor essencial a quantidade de obras publicadas nem o número de versos ou de páginas das mesmas, mas sim a sua qualidade. Existem poetas de um poema só, contistas de um conto só e romancistas de um só romance. Embora possam ser excepções, literaturas relevantes de vários povos e em diversas épocas, registam casos em que autores de uma só obra integram as mesmas galerias que as de outros mais fecundos e com todo o merecimento.
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«…Talvez se justifique aqui acrescentar, para concluir, que gosto muito de escutar os versos de Agostinho Neto musicados por Rui Mingas. Gosto deles, como centenas de milhares de angolanos, devido à arte de Rui Mingas e também porque fazem parte do meu imaginário, e isto independentemente da sua qualidade literária…», revela Agualusa. A nosso ver, a beleza e o sucesso dos versos de Agostinho Neto musicados por Rui Mingas, que o nosso grande escritor adora escutar, não depende apenas da intervenção do genial compositor; Agualusa atribui todo mérito a Rui Mingas porque se recusa a perceber que os poemas de Agostinho Neto, por si sós, têm uma musicalidade intrínseca, «uma melodia silenciosa», como diria o poeta João Maimona referindo-se à poesia de António Jacinto. Interagindo e complementando-se, os talentos do poeta e do cancionista produziram as maravilhas que encantam até os desafectos.
[Aqui]
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.
Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.”
Manuel Alegre
3 comments:
Para alem do ‘post’ que entitulei “Elogio da Mediocridade”, nao tenho tomado qualquer posicao particular sobre os artigos de que aqui tenho feito eco no contexto desta maka. E, pelo menos por enquanto, nao pretendo faze-lo (e, by the way, espero que a ironia e sarcasmo que pretendi imprimir a apresentacao do ultimo numero desta serie nao tenha passado completamente ao largo dos seus eventuais leitores, incluindo alguns dos ‘replicantes’…).
Tenho, no entanto, feito alguns comentarios de caracter estritamente casual e pessoal a algumas das pecas incluidas nesta serie. No caso destas, ocorrem-me os seguintes:
- Ao artigo de Luis Kandjimbo
i. “Ora, como compreender que vinte anos depois, tal jovem nascido numa província do sul de Angola, venha emitir juízos estéticos depreciativos acerca de três poetas angolanos importantes, revelando pertencer a uma tradição literária universal?”
Nao me parece que seja particularmente relevante para o caso o facto de o ‘implicante’ ter “nascido numa provincia do sul de Angola”. O que poderia, hipoteticamente, ter alguma relevancia para o argumento de que ele “podera’ nao ter passado por processos de socialização que de uma forma ou de outra lhe permitiriam assumir plenamente o sentimento de pertencer a uma tradição literária angolana”, seria talvez o facto (e estou segura de nao estar aqui a incorrer em nenhuma inconfidencia) de ele ter nascido e crescido no Huambo e de la’ ter saido, ainda na sua adolescencia, para Portugal, por altura do 25 de Abril de 1974, tendo regressado a Angola, e pela primeira vez entao visitado Luanda, apenas em principios da decada de 90 (sendo essa, provavelmente, a visita a que Kandjimbo alude);
ii. Apenas uma nota de memoria: lembro-me de, em finais da decada de 80/ principios da de 90, ter estado presente num Congresso de Escritores da Lingua Portuguesa, realizado na Gulbenkian, em Lisboa. Nao sei se tera’ sido o mesmo a que Kandjimbo se refere, mas cito de memoria os escritores de quem me consigo lembrar daquele evento: Aires de Almeida Santos, David Mestre, Nelson Saute, Eugenia Neto, Ana Mafalda Leite, Yollanda Morazzo, Natalia Correia e… tendo em conta a minha actual ‘memoria selectiva’, ou, como diria o Kandjimbo, "o grau zero da minha memoria", particularmente no que toca ao mundo literario, lembrar-me de todos esses nomes e’ para ser tido como um verdadeiro prodigio!
- Ao artigo de Adriano dos Santos Jr.:
“O que não estamos de acordo é com o fundamento de Agualusa, segundo o qual Leopold Senghor tenha sido um grande poeta por ter ido beber à fonte da Grécia Antiga...”
Gostaria de corroborar essa afirmacao com uma frase do poeta Ingles William Blake, que ilustra ate’ que ponto alguns dos ‘replicantes’ de JEA nao sao exactamente os primeiros na Historia da Literatura a refutar a ideia da ‘Antiguidade Classica’ como “fonte de toda a poesia” (e nao so’ em relacao a poesia Angolana, ou Africana… alias, o que talvez seja o argumento mais forte a ser feito nessa discussao e’ que Senghor, pelo menos na minha leitura do contexto em que formulou o seu celebre postulado “A Razao e’ Grega; A Emocao e’ Negra”, concorde-se ou nao com ele, foi precisamente o primeiro poeta Africano a refutar filosoficamente aquela ideia e a formular os principios basilares de uma identidade literaria Africana):
“We do not want either Greek or Roman Models if we are but just and true to our own Imaginations…” [Nao queremos Modelos Gregos ou Romanos se formos apenas justos e verdadeiros para com as nossas proprias Imaginacoes…”] – “Preface”, Milton (1.a ed., 1804) in William Blake, Poems and Prophecies (Ed. Everyman), Londres, 1954, pg. 109; Reproduzido em “Defesa Da Poesia”, Percy Bysshe Shelley, Coleccao Filosofia & Ensaios, Guimaraes Editores, Lisboa.
Oi!
Com satisfação, encontrei o seu blog ao procurar o artigo do poeta Luis Kandjimbo a respeito da maka protagonizada pela infeliz declaração de J.E. Agualusa sobre a obra de três cânones da literatura angolana: A.Neto, A.Cardoso e A.Jacinto.
Passarei sempre por aqui.
Um abraço,
Ricardo Riso
http://ricardoriso.blogspot.com
Ola' Ricardo!
Seja bemvindo a esta casa e sinta-se a vontade para se servir do que precisar, ou lhe apetecer.
Acabo tambem de visitar o seu blog, que achei interessantissimo e bastante valioso para o conhecimento das Literaturas Africanas em Portugues. Irei certamente visita-lo mais vezes.
Um abraco!
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