Thursday, 2 December 2010

Just Poetry (XXXIII)

Portugal Colonial

Nada te devo
nem o sítio
onde nasci

nem a morte
que depois comi
nem a vida

repartida
p'los cães
nem a notícia

curta
a dizer-te
que morri

nada te devo
Portugal
colonial

cicatriz
doutra pele
apertada



O Sol Nasce A Oriente

(de um quadro de Malangatana)

Povo, de ti canto o movimento
teu nome, canção feita de fronteiras
lua nova, javite ou lança
tua hora, quissange em trança

Do longo longe do tempo
arde minha flecha, meu lamento
minha bandeira de outro vento
aurora urdida nos lábios de Zumbi

De ti guardo o gesto
as conversas leves das árvores
a fala sabia das aves
o dialeto novo do silêncio
e as pedras, as palavras do medo
os olhos falantes da mata
quando a onça posta a sua arte
nos fita, guardada em sua mágoa.

De ti amo a denuncia felina
das tuas mãos quebradas ao presente
a dança prometida do sol
nascer um dia a Oriente



Amêndoa de Mombaça

Por ti
colhi o luar
na cabaça

comi o retrato
na vidraça
feri

o gargalo
na taça
bebi

onde bebe
a caça
por ti

por tua
amêndoa de
Mombaça



Blues

Tua voz desliza como um pássaro aberto na lâmina do dia
ilha que se levanta e voa a partir do Sol
lamento gritado da floresta por sua gazela perdida
choro grande do vento nas montanhas
ao nascimento de um escravo mais na história do vale

Tua voz vem de dentro da cidade
de todas as ruas bairros e leitos da cidade onde houver
um calor de pernas
contar o silêncio das horas guardadas a soco no sarilho
dos ventres
com um jazzman a assobiar na escuridão dos pares
a memória ácida do chicote
nos porões do Mundo



Nas Barbas Do Bando

E quem
nesta roda
riscou no peito
a ave
inviolável?

Qual de vós
apostou a morte
e perdeu?
Qual de vos
inegáveis patifes

navalhas encantadas
traçou no areal
a mais bela aventura
nas barbas
do bando?



Dedicatória

Teus dedos
vadios
colhendo flores
na renda
dos meus

recordarei de
pois quando
noutros dedos
tocava
os teus



Que outro nome

Que rio se pode
abrir na língua acesa
para o capim crepitando
baixo. Que palavra
por ele nasce e corre a lua
e outra lua sem que regresse
ao corpo. Que outro nome
te demos
vestida e no escuro desposada. Liberdade.
Que tempo de
ocultar o nome sabíamos
perder e nem de moscardo zumbias: Ngola
nosso pouco maruvo eras
no terreiro anunciada. Liberdade.
Quem das copas pronuncia
os teus lábios na terra? Nzambi
neles tivesse
mordiscado leve. Liberdade.


[Poemas Seleccionados de David Mestre]
Portugal Colonial

Nada te devo
nem o sítio
onde nasci

nem a morte
que depois comi
nem a vida

repartida
p'los cães
nem a notícia

curta
a dizer-te
que morri

nada te devo
Portugal
colonial

cicatriz
doutra pele
apertada



O Sol Nasce A Oriente

(de um quadro de Malangatana)

Povo, de ti canto o movimento
teu nome, canção feita de fronteiras
lua nova, javite ou lança
tua hora, quissange em trança

Do longo longe do tempo
arde minha flecha, meu lamento
minha bandeira de outro vento
aurora urdida nos lábios de Zumbi

De ti guardo o gesto
as conversas leves das árvores
a fala sabia das aves
o dialeto novo do silêncio
e as pedras, as palavras do medo
os olhos falantes da mata
quando a onça posta a sua arte
nos fita, guardada em sua mágoa.

De ti amo a denuncia felina
das tuas mãos quebradas ao presente
a dança prometida do sol
nascer um dia a Oriente



Amêndoa de Mombaça

Por ti
colhi o luar
na cabaça

comi o retrato
na vidraça
feri

o gargalo
na taça
bebi

onde bebe
a caça
por ti

por tua
amêndoa de
Mombaça



Blues

Tua voz desliza como um pássaro aberto na lâmina do dia
ilha que se levanta e voa a partir do Sol
lamento gritado da floresta por sua gazela perdida
choro grande do vento nas montanhas
ao nascimento de um escravo mais na história do vale

Tua voz vem de dentro da cidade
de todas as ruas bairros e leitos da cidade onde houver
um calor de pernas
contar o silêncio das horas guardadas a soco no sarilho
dos ventres
com um jazzman a assobiar na escuridão dos pares
a memória ácida do chicote
nos porões do Mundo



Nas Barbas Do Bando

E quem
nesta roda
riscou no peito
a ave
inviolável?

Qual de vós
apostou a morte
e perdeu?
Qual de vos
inegáveis patifes

navalhas encantadas
traçou no areal
a mais bela aventura
nas barbas
do bando?



Dedicatória

Teus dedos
vadios
colhendo flores
na renda
dos meus

recordarei de
pois quando
noutros dedos
tocava
os teus



Que outro nome

Que rio se pode
abrir na língua acesa
para o capim crepitando
baixo. Que palavra
por ele nasce e corre a lua
e outra lua sem que regresse
ao corpo. Que outro nome
te demos
vestida e no escuro desposada. Liberdade.
Que tempo de
ocultar o nome sabíamos
perder e nem de moscardo zumbias: Ngola
nosso pouco maruvo eras
no terreiro anunciada. Liberdade.
Quem das copas pronuncia
os teus lábios na terra? Nzambi
neles tivesse
mordiscado leve. Liberdade.


[Poemas Seleccionados de David Mestre]

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