Sunday 19 December 2010

Olhares Diversos XXII



Carlinhos Zassala: «Mais de 90 por cento dos angolanos são doentes»


(…) Muitos pensam que quando se fala de saúde trata-se da ausência de sintomas de doença. Mas a Organização Mundial da Saúde definiu o conceito de saúde como o bem-estar físico, mental e social.

Na realidade angolana, nós não temos aquele espírito de prevenir. Nos países onde o sistema de saúde funciona de forma normal, quase no início do ano as pessoas recorrem para tratar da saúde física aos centros médicos ou hospitais para poderem fazer um check-up, para ver como está o nível de colesterol, de açúcar e como está a bater o coração. Porque são doenças que às vezes temos mas não estamos a sentir. É assim que muitas vezes somos surpreendidos que a pessoa que esteve connosco no dia anterior morreu repentinamente, é porque ela tinha uma doença não manifestada. No campo da saúde mental, as pessoas também fazem um check-up no sentido de saber se o indivíduo não tem, por exemplo, um nível de depressão profunda, porque quando assim acontece esta pessoa pode facilmente cometer suicídio ou auto-suicídio, que significa matar ou matar-se. É bom sempre saber qual é o nosso nível de ansiedade e de frustração. Não se pode falar da saúde se não tivermos estas três vertentes, saúde física, mental e social. É por isso que, mesmo como dizia o grande psicanalista Freud, nenhum ser humano é a 100 por cento saudável, todos nós estamos sempre doentes. Mesmo quando a pessoa não se sente bem também é um estado patológico.

Quando a pessoa sente que tem um nariz grande e procura um cirurgião plástico para mudar, também não goza de boa saúde. Quando se irrita com facilidade, que é um estímulo menor, porque temos ouvido muitos casos de filhos que são queimados por causa de cinco kwanzas, mulher que é morta por mil kwanzas, esses são comportamentos patológicos. Por isso, volto a afirmar que mais de 90 por cento da população angolana é doente.

(…) Neste momento, de acordo com algumas pesquisas existentes, a maior patologia que o angolano sofre é o stress, devido ao nível de vida que levamos, principalmente nas grandes cidades. Ora, o stress é uma doença muito perigosa porque quando atinge o ser humano, primeiramente esse ser humano já não valoriza o outro e já não tem um bom desempenho na vida profissional. E o stress diminui o nível de defesa do nosso corpo contra as doenças. É assim que muitas vezes ficamos doentes por causa do stress, porque destrói os anticorpos que temos.

A segunda doença é a frustração devido a muitos impedimentos que o angolano encontra quando pretende satisfazer as suas necessidades, principalmente as necessidades básicas, que são a alimentação, o sono (para dormir bem tem que ter uma casa), a saúde e a segurança. A maioria dos angolanos praticamente não consegue encontrar a satisfação das suas necessidades básicas.

Vem depois a depressão. É esse estado que leva as pessoas a suicidarem-se, é que nos leva a explicar o que acontece nas maternidades, porque as mulheres gestantes sofrem sempre de um estado de depressão nos períodos pré-parto e pós-parto. E o estado de depressão para aqueles que têm muitos problemas e estão no estado de desespero, são problemas de decepção amorosa, doença crónica.

Estes problemas devem ser diagnosticados antecipadamente e tratados para evitarmos o pior. Temos também a ansiedade que é uma das patologias frequentes, assim como o stress pós-traumático causado pela longa guerra que o país conheceu. Muitos indivíduos que viveram de forma directa ou indirecta os traumatismos da guerra sofrem ainda as consequências, como a insónia, pesadelo, sono perturbado, dores de cabeça, entre outras patologias como a falta de apetite. Se tivéssemos já serviços de atendimento psicológico para poder atender estes casos, evitaríamos muitos comportamentos não desejados.

(…) Os problemas que mencionei existem em Angola em grande escala. O problema da guerra causou muitos traumatismos, há pessoas que não gostam que se diga isso, mas o 27 de Maio também causou muitos traumatismos nas pessoas.

(…) Neste caso temos de trabalhar em cooperação com o Governo, no sentido de termos o centro de atendimento psicológico em todas as províncias, a fim de fazermos face a todos os problemas que se fazem sentir na sociedade angolana, como tantos casos de suicídios, delinquência juvenil, problemas de feitiçaria e algumas seitas religiosas, que praticam algumas acções até criminosas quando começam a indicar este ou aquele é feiticeiro, incentivando ódios e divisão no seio da população.

Luanda não é um meio saudável do ponto de vista mental, porque os latinos diziam que quando uma cidade destruída e o campo protegido ou salvaguardado, significa que o país não se destruiu, porque é o campo que abastece a cidade. Mas quando se destrói o campo, o interior, o país está em ruínas, é este o problema que estamos a viver em Angola. As pessoas não estão a ligar. O êxodo rural é um problema muito preocupante, porque hoje não sentimos isso porque temos muito petróleo que o país está a produzir. É assim que vivemos de importações e o petróleo quando terminar, quem vai abastecer as cidades? Será o campo.

(…) Aliás, em termos de longevidade, a esperança de vida dos angolanos é apenas de 43 anos para os homens e 46 para as mulheres, significa que não vivemos bastante devido às más condições de vida.

(…) Muitas vezes foquei este aspecto, mas gostaria de dizer que o álcool é uma droga lícita que é permitada, mas é igual às outras drogas como a liamba, haxixe, cocaína e marijuana. Cria dependência e depois destrói a resistência do nosso corpo e também estraga o nosso relacionamento com os outros.

Então o álcool consumido moderadamente e por pessoas que já têm maturidade psicológica, biológica e social, às vezes é recomendável. Não faz mal à saúde. Mas quando é consumido de forma exagerada como está a acontecer no nosso país, que até menores de idade o consomem, existem estudos em psicologia que demonstram que o consumo de bebidas alcoólicas por parte dos adolescentes e crianças atrofiam o desenvolvimento cognitivo. Significa que diminui o nosso nível de inteligência; hoje em dia se você perguntar a um professor sério, temos um problema preocupante no país, os nossos alunos praticamente têm dificuldade para poderem assimilar matérias e estudar.Pode também ser fruto não só do álcool como também dos traumatismos de guerra a que muitos foram submetidos.

(…) Estamos numa sociedade onde há muita perversão. O grande problema é que todos aqueles que são legisladores dizem que Angola tem muitas leis em termos teóricos, mas a prática é a grande questão. Nós os mais velhos temos de dar exemplos, como conhecedores da realidade profunda, temos que discutir sobre o tipo de educação que queremos no nosso país.


[Aqui]


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"Um Passo em Frente"?

Afinale?

"Perturbacoes"





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(…) Muitos pensam que quando se fala de saúde trata-se da ausência de sintomas de doença. Mas a Organização Mundial da Saúde definiu o conceito de saúde como o bem-estar físico, mental e social.

Na realidade angolana, nós não temos aquele espírito de prevenir. Nos países onde o sistema de saúde funciona de forma normal, quase no início do ano as pessoas recorrem para tratar da saúde física aos centros médicos ou hospitais para poderem fazer um check-up, para ver como está o nível de colesterol, de açúcar e como está a bater o coração. Porque são doenças que às vezes temos mas não estamos a sentir. É assim que muitas vezes somos surpreendidos que a pessoa que esteve connosco no dia anterior morreu repentinamente, é porque ela tinha uma doença não manifestada. No campo da saúde mental, as pessoas também fazem um check-up no sentido de saber se o indivíduo não tem, por exemplo, um nível de depressão profunda, porque quando assim acontece esta pessoa pode facilmente cometer suicídio ou auto-suicídio, que significa matar ou matar-se. É bom sempre saber qual é o nosso nível de ansiedade e de frustração. Não se pode falar da saúde se não tivermos estas três vertentes, saúde física, mental e social. É por isso que, mesmo como dizia o grande psicanalista Freud, nenhum ser humano é a 100 por cento saudável, todos nós estamos sempre doentes. Mesmo quando a pessoa não se sente bem também é um estado patológico.

Quando a pessoa sente que tem um nariz grande e procura um cirurgião plástico para mudar, também não goza de boa saúde. Quando se irrita com facilidade, que é um estímulo menor, porque temos ouvido muitos casos de filhos que são queimados por causa de cinco kwanzas, mulher que é morta por mil kwanzas, esses são comportamentos patológicos. Por isso, volto a afirmar que mais de 90 por cento da população angolana é doente.

(…) Neste momento, de acordo com algumas pesquisas existentes, a maior patologia que o angolano sofre é o stress, devido ao nível de vida que levamos, principalmente nas grandes cidades. Ora, o stress é uma doença muito perigosa porque quando atinge o ser humano, primeiramente esse ser humano já não valoriza o outro e já não tem um bom desempenho na vida profissional. E o stress diminui o nível de defesa do nosso corpo contra as doenças. É assim que muitas vezes ficamos doentes por causa do stress, porque destrói os anticorpos que temos.

A segunda doença é a frustração devido a muitos impedimentos que o angolano encontra quando pretende satisfazer as suas necessidades, principalmente as necessidades básicas, que são a alimentação, o sono (para dormir bem tem que ter uma casa), a saúde e a segurança. A maioria dos angolanos praticamente não consegue encontrar a satisfação das suas necessidades básicas.

Vem depois a depressão. É esse estado que leva as pessoas a suicidarem-se, é que nos leva a explicar o que acontece nas maternidades, porque as mulheres gestantes sofrem sempre de um estado de depressão nos períodos pré-parto e pós-parto. E o estado de depressão para aqueles que têm muitos problemas e estão no estado de desespero, são problemas de decepção amorosa, doença crónica.

Estes problemas devem ser diagnosticados antecipadamente e tratados para evitarmos o pior. Temos também a ansiedade que é uma das patologias frequentes, assim como o stress pós-traumático causado pela longa guerra que o país conheceu. Muitos indivíduos que viveram de forma directa ou indirecta os traumatismos da guerra sofrem ainda as consequências, como a insónia, pesadelo, sono perturbado, dores de cabeça, entre outras patologias como a falta de apetite. Se tivéssemos já serviços de atendimento psicológico para poder atender estes casos, evitaríamos muitos comportamentos não desejados.

(…) Os problemas que mencionei existem em Angola em grande escala. O problema da guerra causou muitos traumatismos, há pessoas que não gostam que se diga isso, mas o 27 de Maio também causou muitos traumatismos nas pessoas.

(…) Neste caso temos de trabalhar em cooperação com o Governo, no sentido de termos o centro de atendimento psicológico em todas as províncias, a fim de fazermos face a todos os problemas que se fazem sentir na sociedade angolana, como tantos casos de suicídios, delinquência juvenil, problemas de feitiçaria e algumas seitas religiosas, que praticam algumas acções até criminosas quando começam a indicar este ou aquele é feiticeiro, incentivando ódios e divisão no seio da população.

Luanda não é um meio saudável do ponto de vista mental, porque os latinos diziam que quando uma cidade destruída e o campo protegido ou salvaguardado, significa que o país não se destruiu, porque é o campo que abastece a cidade. Mas quando se destrói o campo, o interior, o país está em ruínas, é este o problema que estamos a viver em Angola. As pessoas não estão a ligar. O êxodo rural é um problema muito preocupante, porque hoje não sentimos isso porque temos muito petróleo que o país está a produzir. É assim que vivemos de importações e o petróleo quando terminar, quem vai abastecer as cidades? Será o campo.

(…) Aliás, em termos de longevidade, a esperança de vida dos angolanos é apenas de 43 anos para os homens e 46 para as mulheres, significa que não vivemos bastante devido às más condições de vida.

(…) Muitas vezes foquei este aspecto, mas gostaria de dizer que o álcool é uma droga lícita que é permitada, mas é igual às outras drogas como a liamba, haxixe, cocaína e marijuana. Cria dependência e depois destrói a resistência do nosso corpo e também estraga o nosso relacionamento com os outros.

Então o álcool consumido moderadamente e por pessoas que já têm maturidade psicológica, biológica e social, às vezes é recomendável. Não faz mal à saúde. Mas quando é consumido de forma exagerada como está a acontecer no nosso país, que até menores de idade o consomem, existem estudos em psicologia que demonstram que o consumo de bebidas alcoólicas por parte dos adolescentes e crianças atrofiam o desenvolvimento cognitivo. Significa que diminui o nosso nível de inteligência; hoje em dia se você perguntar a um professor sério, temos um problema preocupante no país, os nossos alunos praticamente têm dificuldade para poderem assimilar matérias e estudar.Pode também ser fruto não só do álcool como também dos traumatismos de guerra a que muitos foram submetidos.

(…) Estamos numa sociedade onde há muita perversão. O grande problema é que todos aqueles que são legisladores dizem que Angola tem muitas leis em termos teóricos, mas a prática é a grande questão. Nós os mais velhos temos de dar exemplos, como conhecedores da realidade profunda, temos que discutir sobre o tipo de educação que queremos no nosso país.


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