Thursday, 2 December 2010

E POR FALAR EM CINEMA...




Numa altura em que o recem-criado Festival Internacional de Cinema (FIC) de Luanda se parece estar a sedimentar, veem-me a memoria os tempos (finais da decada de 70 e boa parte da de 80) em que Luanda se podia orgulhar de poder ver algum do melhor cinema do mundo.

Era-nos trazido pela Cinemateca la' da banda que regularmente apresentava ciclos de cinema (frances, alemao, espanhol, russo, italiano, enfim, um pouco de todo o mundo), com algumas sessoes precedidas ou seguidas de apresentacoes e discussao, sendo que alguns dos filmes tambem eram passados na TPA.

Pudemos assim tomar contacto com as tematicas, os realizadores e actores (nao que estes estivessem la’ fisicamente presentes, como agora parece ja’ vir acontecendo um pouco mais nesse tipo de eventos em Luanda...) que fizeram epoca, tanto na altura como em decadas passadas. Nomes como Bunuel, Wenders, Coppola, Polanski, Truffaut, Godard, entre muitos outros, enchiam-nos os olhos e as mentes de "outros mundos" e da vida “la’ fora” (... dois filmes que, por varias razoes, me marcaram particularmente naquela altura foram “Ana e as Suas Irmas”, de Woody Allen e “As Lagrimas Amargas de Petra Von Kant”, de Rainer Fassbinder).

Havia tambem regular e substantiva critica de cinema nas paginas do Vida e Cultura do “nosso Pravda” – claro que, em grande medida, era de teor ideologico, visando “guiar/condicionar” a “visao/opiniao” do espectador, mas a maravilha da setima arte e’ que a podemos ver sem qualquer “intermediacao” entre os nossos olhos e o screen, descontando a eventual censura previa, como e’ obvio...

E tudo se passava sem quaisquer fanfarras ou jamborees “inaugurais”... Talvez por isso, nunca vi nas sessoes daqueles ciclos de cinema certa(o)s “suma(o)s pontifices” que agora do FIC apenas nos dao conta da “vanity fair” que, a conta dele, protagonizam e que nada tem a ver com cinema...

O mesmo se poderia dizer, por exemplo, das “Makas a Quarta-Feira” na UEA naquela altura: eram abertas a tutti quanti, digo, a todo o mundo (eu so’ nao ia quando absolutamente impedida de o fazer, e isso muito antes de publicar o meu livro ou de fazer parte da UEA... e, ja' agora, isso sem qualquer relacao com um certo poeta errante, que tambem nunca me aconteceu ver na UEA...), mas nunca la’ vi tais “pontifices” (entre os quais se incluem neofitas vultas e intelectualoides a prova de bala e espinafre, kabungados, minions, epigonos e afins...). Por isso nunca a(o)s conheci! Por onde andariam? Nos “cavalos”? No lo creo, porque tanto os filmes como as makas eram a noite...

Anyway, este pretendia-se apenas um breve comentario a (des)proposito.



Mas, ja’ agora, sera’ de notar que tal como os habitos de leitura se devem criar desde cedo para se manterem e desenvolverem naturalmente ao longo da vida, o mesmo se passa com o (bom) cinema e, ja’ agora, com a (boa) musica.

No entanto, ficando-me apenas pelo cinema, levei o habito para Lisboa, onde, sempre que podia, ia ver pelo menos um filme por semana e fui tambem, ocasionalmente, a alguns ciclos de cinema especialisados. E isto lembra-me da forma como algumas pessoas (por sinal nao negras) minhas amigas viram “A Cor Purpura” do Spielberg (com base na obra de Alice Walker e onde se destacaram Whoopi Goldberg e Oprah Winfrey): uma, que ja’ o tinha visto, aconselhou-me a levar “muitos lencos de papel” porque me “ia fartar de chorar”; outro, anos mais tarde, tentando “adivinhar” qual o filme que mais me tinha marcado/emocionado na vida, saiu-se “perfeitamente seguro” com esta: “A Cor Purpura”!


Bom, lamentei ter que desiludi-los porque, embora "A Cor Purpura" me tenha certamente emocionado e marcado bastante, o filme que realmente me fez chorar “baba e ranho” (... e me apanhou sem lencos de papel...) foi um filme relativamente obscuro que vi num dos ciclos de cinema de Lisboa, sobre a vida da escultora francesa Camille Claudel, irma do poeta Paul Claudel, e o seu relacionamento com o igualmente escultor (mas considerado um “monstro sagrado” relativamente a ela, que dir-se-ia passar, na mente de alguns, como uma “pobre e insignificante criatura rejeitada”) August Rodin ...

Porque?... Vejam-se os processos de negacao, supressao e apagamento a que aqui me referi...

Soube mais tarde que Isabelle Adjani (nomeada, tal como Whoopi Goldberg pelo seu papel em "A Cor Purpura", para o Oscar de Melhor Actriz e premiada com varios outros premios internacionais de cinema por aquele papel) ficou de tal modo afectada pela encarnacao e representacao da personagem de Camille, que teve que ser submetida a tratamento psicoterapico...

E um dos efeitos colaterais que esses dois filmes me deixaram foi que, durante muito tempo, por "mais bonzinho", ou "melhor", que fosse o papel que visse o Gerard Depardieu ou o Danny Glover desempenhar, eu pura e simplesmente nao os conseguia "chupar", mas... ja' passou.

E' assim (tambem) no (bom) cinema.





Numa altura em que o recem-criado Festival Internacional de Cinema (FIC) de Luanda se parece estar a sedimentar, veem-me a memoria os tempos (finais da decada de 70 e boa parte da de 80) em que Luanda se podia orgulhar de poder ver algum do melhor cinema do mundo.

Era-nos trazido pela Cinemateca la' da banda que regularmente apresentava ciclos de cinema (frances, alemao, espanhol, russo, italiano, enfim, um pouco de todo o mundo), com algumas sessoes precedidas ou seguidas de apresentacoes e discussao, sendo que alguns dos filmes tambem eram passados na TPA.

Pudemos assim tomar contacto com as tematicas, os realizadores e actores (nao que estes estivessem la’ fisicamente presentes, como agora parece ja’ vir acontecendo um pouco mais nesse tipo de eventos em Luanda...) que fizeram epoca, tanto na altura como em decadas passadas. Nomes como Bunuel, Wenders, Coppola, Polanski, Truffaut, Godard, entre muitos outros, enchiam-nos os olhos e as mentes de "outros mundos" e da vida “la’ fora” (... dois filmes que, por varias razoes, me marcaram particularmente naquela altura foram “Ana e as Suas Irmas”, de Woody Allen e “As Lagrimas Amargas de Petra Von Kant”, de Rainer Fassbinder).

Havia tambem regular e substantiva critica de cinema nas paginas do Vida e Cultura do “nosso Pravda” – claro que, em grande medida, era de teor ideologico, visando “guiar/condicionar” a “visao/opiniao” do espectador, mas a maravilha da setima arte e’ que a podemos ver sem qualquer “intermediacao” entre os nossos olhos e o screen, descontando a eventual censura previa, como e’ obvio...

E tudo se passava sem quaisquer fanfarras ou jamborees “inaugurais”... Talvez por isso, nunca vi nas sessoes daqueles ciclos de cinema certa(o)s “suma(o)s pontifices” que agora do FIC apenas nos dao conta da “vanity fair” que, a conta dele, protagonizam e que nada tem a ver com cinema...

O mesmo se poderia dizer, por exemplo, das “Makas a Quarta-Feira” na UEA naquela altura: eram abertas a tutti quanti, digo, a todo o mundo (eu so’ nao ia quando absolutamente impedida de o fazer, e isso muito antes de publicar o meu livro ou de fazer parte da UEA... e, ja' agora, isso sem qualquer relacao com um certo poeta errante, que tambem nunca me aconteceu ver na UEA...), mas nunca la’ vi tais “pontifices” (entre os quais se incluem neofitas vultas e intelectualoides a prova de bala e espinafre, kabungados, minions, epigonos e afins...). Por isso nunca a(o)s conheci! Por onde andariam? Nos “cavalos”? No lo creo, porque tanto os filmes como as makas eram a noite...

Anyway, este pretendia-se apenas um breve comentario a (des)proposito.



Mas, ja’ agora, sera’ de notar que tal como os habitos de leitura se devem criar desde cedo para se manterem e desenvolverem naturalmente ao longo da vida, o mesmo se passa com o (bom) cinema e, ja’ agora, com a (boa) musica.

No entanto, ficando-me apenas pelo cinema, levei o habito para Lisboa, onde, sempre que podia, ia ver pelo menos um filme por semana e fui tambem, ocasionalmente, a alguns ciclos de cinema especialisados. E isto lembra-me da forma como algumas pessoas (por sinal nao negras) minhas amigas viram “A Cor Purpura” do Spielberg (com base na obra de Alice Walker e onde se destacaram Whoopi Goldberg e Oprah Winfrey): uma, que ja’ o tinha visto, aconselhou-me a levar “muitos lencos de papel” porque me “ia fartar de chorar”; outro, anos mais tarde, tentando “adivinhar” qual o filme que mais me tinha marcado/emocionado na vida, saiu-se “perfeitamente seguro” com esta: “A Cor Purpura”!


Bom, lamentei ter que desiludi-los porque, embora "A Cor Purpura" me tenha certamente emocionado e marcado bastante, o filme que realmente me fez chorar “baba e ranho” (... e me apanhou sem lencos de papel...) foi um filme relativamente obscuro que vi num dos ciclos de cinema de Lisboa, sobre a vida da escultora francesa Camille Claudel, irma do poeta Paul Claudel, e o seu relacionamento com o igualmente escultor (mas considerado um “monstro sagrado” relativamente a ela, que dir-se-ia passar, na mente de alguns, como uma “pobre e insignificante criatura rejeitada”) August Rodin ...

Porque?... Vejam-se os processos de negacao, supressao e apagamento a que aqui me referi...

Soube mais tarde que Isabelle Adjani (nomeada, tal como Whoopi Goldberg pelo seu papel em "A Cor Purpura", para o Oscar de Melhor Actriz e premiada com varios outros premios internacionais de cinema por aquele papel) ficou de tal modo afectada pela encarnacao e representacao da personagem de Camille, que teve que ser submetida a tratamento psicoterapico...

E um dos efeitos colaterais que esses dois filmes me deixaram foi que, durante muito tempo, por "mais bonzinho", ou "melhor", que fosse o papel que visse o Gerard Depardieu ou o Danny Glover desempenhar, eu pura e simplesmente nao os conseguia "chupar", mas... ja' passou.

E' assim (tambem) no (bom) cinema.


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