Voltando a receita para um “jet-set” nacional (Angolano ou Mocambicano): Uma Segunda Leitura, Um Olhar Diferente…
4. O facto de o artigo original do Mia Couto ter sido publicado ha dois anos atras, levou-me a ir repescar alguns artigos publicados por aquela altura, em 2004...
Angola: Quando o Silêncio do Povo Fala
Rafael Marques, 17 Janeiro 2004
(Parte II)
Frantz Fanon alertara os políticos africanos sobre a politização das massas. Não é nem pode ser através de um discurso político: "Politizar é abrir o espírito, é despertar o espírito, dar luz ao espírito". Nos musseques, onde se encontram as massas - a maioria absoluta - o silêncio do povo deixou-se estar embarrado pela miséria, tolhido pela guerra e pela repressão. A faixa 11, "Ekos de Revolta", desperta o tal espírito adormecido - balumuka. É uma análise sobre "um povo que sofre nas mãos dos governantes". Disseca a importação de disfarces ocidentais por parte da classe política que saqueia os recursos do povo e retribui com "discursos bonitinhos". "Ekos de revolta" apela aos cidadãos para que "estejam preparados/ o silêncio do povo fala/ a passividade do povo rebenta o balão". A rima resume a mensagem sobre e para o povo:
"Nós somos politicamente domesticados
Economicamente colonizados
Culturalmente estagnados
Socialmente atrasados/ (...)"
Donde provém essa consciência crítica? MCK indica a vida ao seu redor. Terminou o curso médio de Gestão e não tem acesso à universidade pública nem fundos para ingressar nas privadas. "Viver no musseque é ser herói". Miséria, insalubridade... Todavia, essa consciência é fruto de um processo de absorção das conquistas da liberdade de imprensa. O cantor tem, debaixo da cama, uma grande colecção de recortes de imprensa, onde abundam casos de corrupção, desgoverno e sei lá o quê! "Compomos as nossas letras com base no que captamos também da imprensa e da Rádio Ecclésia". Apesar da sua circulação pouco expressiva, em média total 30,000 exemplares/ semana para mais de 3,5 milhões de habitantes em Luanda, a imprensa independente tem sido o verdadeiro motor da consciência democrática que se vai impondo. Numa dinâmica espontânea e retro-alimentar, a faixa 6 do "Trincheira de Ideias", "Topikos p'ro artigo" é um tributo à imprensa independente - que a inspira - e uma paródia ao embelezamento oficial da realidade. Tem a participação do Brigadeiro Mata-Fracos, Iconoclasta, Kua Kubanza e Mil & Segundo. O tema explora, com positivismo forçado, o que mudou e o que está na mesma e vai constatando que "o salão de beleza da polícia tem novos penteados/ (...) o Parlamento, afinal, é uma comédia/ e quem pode fazer algo não liga/ (...) os jovens estão perdidos no deserto como camelos (...).
E a conversa continua no local do crime, no embarcadouro do Mussulo, onde a guarda do Senhorio, ao meio-dia e em praça pública, torturou e afogou o Cherokee. Ali onde a elite se refastela e goza os privilégios de uma Angola só para poucos. Naquele cemitério da verdade, onde o silêncio do povo é festejado com risos de escárnio. Faz parte do processo. "Os nossos corações estão arreados", lamenta um lavador de carros pela perda do colega e amigo. Em voz alta descarrega a sua raiva. "As autoridades que tinham vontade de matar, deviam apanhar o MCK e não um inocente. Querem ver-nos a viver como mudos".
MCK baixa a cara, coça os chinelos gastos pelas andanças e suspira. Não é inocente. O lavador de carros não o conhece. Este continua a falar, a dizer que não se deve tocar mais no assunto para não aborrecer os homens da presidência e da DNIC que por lá "andam a rondar". Quanto mais fala no medo menos amedrontado parece. Prefere, talvez, o discurso indirecto, manter a capa do medo. Outros lavadores juntam-se-lhe para confirmar o medo e as pressões a que estão sujeitos, enquanto desprezam o tal medo e dizem o que têm a dizer. Gostam e identificam-se com o "Sei lá o quê uáué". Talvez se sentissem honrados em saber que o MCK está no meio deles. A pesar as causas e consequências do seu exercício de cidadania.
Não faz parte dos cálculos e cenários elaborados a intromissão da música nos meandros da política. Sobretudo desse rap inventado no princípio dos anos 70 nos ghettos de Bronx, Nova Iorque, por marginais com muita imaginação, que fundiam ritmos e melodias de músicas conhecidas com poesia cáustica sobre a vida nos ghettos. Sem aproximação (…) qual será o desfecho em relação ao abismo que separa o poder, a oposição, os centros urbanos, os musseques de Luanda, os antigos combatentes, os palácios dos governadores e o resto do país?
Voltando a receita para um “jet-set” nacional (Angolano ou Mocambicano): Uma Segunda Leitura, Um Olhar Diferente…
4. O facto de o artigo original do Mia Couto ter sido publicado ha dois anos atras, levou-me a ir repescar alguns artigos publicados por aquela altura, em 2004...
Angola: Quando o Silêncio do Povo Fala
Rafael Marques, 17 Janeiro 2004
(Parte II)
Frantz Fanon alertara os políticos africanos sobre a politização das massas. Não é nem pode ser através de um discurso político: "Politizar é abrir o espírito, é despertar o espírito, dar luz ao espírito". Nos musseques, onde se encontram as massas - a maioria absoluta - o silêncio do povo deixou-se estar embarrado pela miséria, tolhido pela guerra e pela repressão. A faixa 11, "Ekos de Revolta", desperta o tal espírito adormecido - balumuka. É uma análise sobre "um povo que sofre nas mãos dos governantes". Disseca a importação de disfarces ocidentais por parte da classe política que saqueia os recursos do povo e retribui com "discursos bonitinhos". "Ekos de revolta" apela aos cidadãos para que "estejam preparados/ o silêncio do povo fala/ a passividade do povo rebenta o balão". A rima resume a mensagem sobre e para o povo:
"Nós somos politicamente domesticados
Economicamente colonizados
Culturalmente estagnados
Socialmente atrasados/ (...)"
Donde provém essa consciência crítica? MCK indica a vida ao seu redor. Terminou o curso médio de Gestão e não tem acesso à universidade pública nem fundos para ingressar nas privadas. "Viver no musseque é ser herói". Miséria, insalubridade... Todavia, essa consciência é fruto de um processo de absorção das conquistas da liberdade de imprensa. O cantor tem, debaixo da cama, uma grande colecção de recortes de imprensa, onde abundam casos de corrupção, desgoverno e sei lá o quê! "Compomos as nossas letras com base no que captamos também da imprensa e da Rádio Ecclésia". Apesar da sua circulação pouco expressiva, em média total 30,000 exemplares/ semana para mais de 3,5 milhões de habitantes em Luanda, a imprensa independente tem sido o verdadeiro motor da consciência democrática que se vai impondo. Numa dinâmica espontânea e retro-alimentar, a faixa 6 do "Trincheira de Ideias", "Topikos p'ro artigo" é um tributo à imprensa independente - que a inspira - e uma paródia ao embelezamento oficial da realidade. Tem a participação do Brigadeiro Mata-Fracos, Iconoclasta, Kua Kubanza e Mil & Segundo. O tema explora, com positivismo forçado, o que mudou e o que está na mesma e vai constatando que "o salão de beleza da polícia tem novos penteados/ (...) o Parlamento, afinal, é uma comédia/ e quem pode fazer algo não liga/ (...) os jovens estão perdidos no deserto como camelos (...).
E a conversa continua no local do crime, no embarcadouro do Mussulo, onde a guarda do Senhorio, ao meio-dia e em praça pública, torturou e afogou o Cherokee. Ali onde a elite se refastela e goza os privilégios de uma Angola só para poucos. Naquele cemitério da verdade, onde o silêncio do povo é festejado com risos de escárnio. Faz parte do processo. "Os nossos corações estão arreados", lamenta um lavador de carros pela perda do colega e amigo. Em voz alta descarrega a sua raiva. "As autoridades que tinham vontade de matar, deviam apanhar o MCK e não um inocente. Querem ver-nos a viver como mudos".
MCK baixa a cara, coça os chinelos gastos pelas andanças e suspira. Não é inocente. O lavador de carros não o conhece. Este continua a falar, a dizer que não se deve tocar mais no assunto para não aborrecer os homens da presidência e da DNIC que por lá "andam a rondar". Quanto mais fala no medo menos amedrontado parece. Prefere, talvez, o discurso indirecto, manter a capa do medo. Outros lavadores juntam-se-lhe para confirmar o medo e as pressões a que estão sujeitos, enquanto desprezam o tal medo e dizem o que têm a dizer. Gostam e identificam-se com o "Sei lá o quê uáué". Talvez se sentissem honrados em saber que o MCK está no meio deles. A pesar as causas e consequências do seu exercício de cidadania.
Não faz parte dos cálculos e cenários elaborados a intromissão da música nos meandros da política. Sobretudo desse rap inventado no princípio dos anos 70 nos ghettos de Bronx, Nova Iorque, por marginais com muita imaginação, que fundiam ritmos e melodias de músicas conhecidas com poesia cáustica sobre a vida nos ghettos. Sem aproximação (…) qual será o desfecho em relação ao abismo que separa o poder, a oposição, os centros urbanos, os musseques de Luanda, os antigos combatentes, os palácios dos governadores e o resto do país?
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