Thursday 1 March 2007

Sabores, Odores & Sonho






«Oh sub-alimentados do sonho, a poesia é para se comer!»
Natalia Correia




«Por bem simples que seja a obra, faz,
Pois sempre é obra tua, e é mais uma...
Vale mais de alguma coisa ser capaz,
Que afinal não fazer coisa nenhuma.
E se alguém te disser que é imperfeita,
Diz-lhe que não se admire, porque é tua,
Não soubeste fazê-la mais perfeita.
Porém, que faça ele melhor a sua...»

Do poeta de Casal de Cinza
A. MONTEIRO DA FONSECA (1895-1986)
in «O Canto do Sol-Posto»


Ilustracao da capa: desenho de Luandino Vieira
Introito:

"J'ai envie de parler de la rose et du rossignol, d'une belle journee et d'une belle vie... mais la vie me tient par le poignet et je tombe comme si j'avais une pierre au cou jusqu'au fond de la realite." (Elsa Triolet)


Texto da contracapa:

"Este e' o caderno de uma estreia, o volume inicial de uma voz propria, uma oficina segura, uma inequivoca sensibilidade. O resumo de um poeta. Que esse resumo seja um inicio pode parecer paradoxal. Mas aqui estao pouco mais de vinte poemas que constituem a surpreendente revelacao de um poeta capaz de invencao no acto da escrita, de fidelidade ao real, ao nosso tempo e espaco, uma atmosfera recriada pela forca da palavra. Uma voz feminina com a coragem de penetrar areas defendidas ou minadas por palavreado e retorica anteriores. Que faz explodir e libertar para fonte de seu futuro trabalho poetico. Ou outros futuros."
Compilaçao feita por Luandino Vieira (enquanto Secretario Geral da Uniao dos Escritores Angolanos) de opinioes escritas por um painel constituido, entre outros, pelos escritores Manuel Rui Monteiro, Costa Andrade e Ruy Duarte de Carvalho.


Data de publicaçao: Agosto de 1985, Luanda; Lançamento: Lubango, 1986 (Apresentacoes feitas por Henrique Abranches e Aires de Almeida Santos); Tiragem: 10.000 exemplares.


PELA CHUVA, AS RAÍZES

Apenas agora,
tantas já as gotas
batidas na chapa
estrelas espreitadas
pelos furinhos
por sobre as cabeças
o odor da terra molhada
tornado imenso no tempero
do coxilo, o luando,
os imbondeiros ausentes,
nos trópicos,
tão ténue o travo da múcua,
o zinco tornado o último andar
alinhavando o que falta nascer,
pelo vidro quebrando a chuva,
nos damos conta da vida,
sempre lá fora,
pelo meio da gota, transbordando
da lua, nunca apontada,
tantas as estórias de encantar
rebuscadas ainda a chuva
entrava pelo zinco esburacado.
E se quebrarmos o vidro,
saltarmos do último andar
e nos enterrarmos na terra molhada
até dela sairmos
pelas raízes do imbondeiro?
Porque não nascer
e provar a múcua sobre o luando,
nem zincos, nem garras para
arranhar os céus,
seguindo a estrela
bebendo a chuva,
nos dando conta? 


AGUARDANDO LUZ VERDE

Se não me tivesses cortado a palavra, António,
satisfaria esse teu ardente desejo
e dir-te-ia do que se vê nos meus olhos
sob um olhar turvo

Só que quando o fazes, António,
está turvo o dia e nada se pode ver nos olhos
Mas, eu estou por aqui,
esperando a vida,
melhor, espero por mim
dormindo, o milagre no chão
sonhando

Não sonho já contigo
estou semeando plantas, António
espero as flores para te falar,
que com o seu desabrochar
venha a tua luz verde
para os meus olhos
venham os teus, límpidos
e atentos, António
tua boca escutando a minha voz.







«Oh sub-alimentados do sonho, a poesia é para se comer!»
Natalia Correia




«Por bem simples que seja a obra, faz,
Pois sempre é obra tua, e é mais uma...
Vale mais de alguma coisa ser capaz,
Que afinal não fazer coisa nenhuma.
E se alguém te disser que é imperfeita,
Diz-lhe que não se admire, porque é tua,
Não soubeste fazê-la mais perfeita.
Porém, que faça ele melhor a sua...»

Do poeta de Casal de Cinza
A. MONTEIRO DA FONSECA (1895-1986)
in «O Canto do Sol-Posto»


Ilustracao da capa: desenho de Luandino Vieira
Introito:

"J'ai envie de parler de la rose et du rossignol, d'une belle journee et d'une belle vie... mais la vie me tient par le poignet et je tombe comme si j'avais une pierre au cou jusqu'au fond de la realite." (Elsa Triolet)


Texto da contracapa:

"Este e' o caderno de uma estreia, o volume inicial de uma voz propria, uma oficina segura, uma inequivoca sensibilidade. O resumo de um poeta. Que esse resumo seja um inicio pode parecer paradoxal. Mas aqui estao pouco mais de vinte poemas que constituem a surpreendente revelacao de um poeta capaz de invencao no acto da escrita, de fidelidade ao real, ao nosso tempo e espaco, uma atmosfera recriada pela forca da palavra. Uma voz feminina com a coragem de penetrar areas defendidas ou minadas por palavreado e retorica anteriores. Que faz explodir e libertar para fonte de seu futuro trabalho poetico. Ou outros futuros."
Compilaçao feita por Luandino Vieira (enquanto Secretario Geral da Uniao dos Escritores Angolanos) de opinioes escritas por um painel constituido, entre outros, pelos escritores Manuel Rui Monteiro, Costa Andrade e Ruy Duarte de Carvalho.


Data de publicaçao: Agosto de 1985, Luanda; Lançamento: Lubango, 1986 (Apresentacoes feitas por Henrique Abranches e Aires de Almeida Santos); Tiragem: 10.000 exemplares.


PELA CHUVA, AS RAÍZES

Apenas agora,
tantas já as gotas
batidas na chapa
estrelas espreitadas
pelos furinhos
por sobre as cabeças
o odor da terra molhada
tornado imenso no tempero
do coxilo, o luando,
os imbondeiros ausentes,
nos trópicos,
tão ténue o travo da múcua,
o zinco tornado o último andar
alinhavando o que falta nascer,
pelo vidro quebrando a chuva,
nos damos conta da vida,
sempre lá fora,
pelo meio da gota, transbordando
da lua, nunca apontada,
tantas as estórias de encantar
rebuscadas ainda a chuva
entrava pelo zinco esburacado.
E se quebrarmos o vidro,
saltarmos do último andar
e nos enterrarmos na terra molhada
até dela sairmos
pelas raízes do imbondeiro?
Porque não nascer
e provar a múcua sobre o luando,
nem zincos, nem garras para
arranhar os céus,
seguindo a estrela
bebendo a chuva,
nos dando conta? 


AGUARDANDO LUZ VERDE

Se não me tivesses cortado a palavra, António,
satisfaria esse teu ardente desejo
e dir-te-ia do que se vê nos meus olhos
sob um olhar turvo

Só que quando o fazes, António,
está turvo o dia e nada se pode ver nos olhos
Mas, eu estou por aqui,
esperando a vida,
melhor, espero por mim
dormindo, o milagre no chão
sonhando

Não sonho já contigo
estou semeando plantas, António
espero as flores para te falar,
que com o seu desabrochar
venha a tua luz verde
para os meus olhos
venham os teus, límpidos
e atentos, António
tua boca escutando a minha voz.


3 comments:

Fernando Ribeiro said...

Agora fiquei atrapalhado... Afinal, tenho estado a comunicar com uma interlocutora que é ainda (muito) mais ilustre do que eu pensava! Koluki, eu não chego nem aos seus calcanhares.

Koluki said...

Ora Denudado... Nao me faca "corar" esta' bem?
E deixe-se de tanta modestia porque sabe bem o quanto tenho aprendido na comunicacao consigo!
Isto e' o tipo de coisas que, por natureza, feitio e formacao, normalmente nao me passa pela cabeca fazer, i.e. "to blow my own horns"... Claro que isto parece um pouco "desingenious" de se dizer depois de se o ter feito, mas e' a pura verdade.
Acontece porem que por causa dessa minha atitude recatada, dei muito espaco durante muito tempo para aquilo que S. Tomas de Aquino define como "invidia" e "distorcao" dos factos... De modo que, pelo menos uma vez na minha vida, tinha que tentar por certos tracos nos tt e outros tantos pontos nos ii! Nao so por mim, que ja tive a minha vida pessoal e profissional bastante prejudicadas pela tal invidia e distorcao, mas tambem pelas pessoas que ao praticarem-nas acabam por cair nas suas proprias armadilhas...
E que lugar melhor para fazer isto do que onde se pretende "deitar contas a vida"?
Um grande abraco meu mui ilustre amigo!

Koluki said...

Apenas para "repostar" aqui os comentarios feitos a primeira versao deste post, que decidi guardar como "draft":


Koluki said...
Esta foi a resposta que dei a um comentario da poeta brasileira Martha Galrao, feito dois posts mais abaixo, que decidi "repostar" aqui por me parecer o local apropriado:

E' verdade Martha, eu sou a tal "preta atrevida" que, aos 25 anos de idade, se deixou convencer por um grupo de escritores notaveis do seu pais ("dentro" do qual ja nao esta) a publicar um pequeno caderno de poemas... tenho pago caro o atrevimento desde entao!
Quanto aos meus textos, pode encontra-los por aqui mesmo.

Um beijo.

P.S.: As minhas sinceras desculpas a Martha, por quem tenho grande estima e cuja poesia imensamente aprecio, se esta minha resposta soa um pouco incaracteristica, mas espero que venha um dia a compreender o porque. Obrigada.

Saturday, February 24, 2007
Anonymous said...
Os meus parabéns pela coragem que teve em lançar este livro naquela altura e naquela situação. Foi um acontecimento marcante para angolanos e angolanas pertencentes a várias gerações. Quando é que vem o próximo?
António Clemente (Luanda).

Sunday, February 25, 2007
Koluki said...
Obrigada, caro amigo.
Quanto ao "proximo", ainda nao sei. De momento estou mais preocupada em consolidar os meus "outros futuros" e depois disso, se a vida mo permitir, logo se vera'. Mas nao tenho, nem nunca tive pressas nem ansiedades em relacao a isso e como tambem, feliz ou infelizmente, nunca tive a sorte de ter uma "bolsa de criacao", o que tiver que acontecer acontecera' a seu tempo.

Um abraco e volte sempre!

Sunday, February 25, 2007