O Marxismo parecia-me evoluir no mesmo sentido da geologia e da psicanalise… Todos os tres mostravam que o entendimento consiste na reducao de um tipo de realidade a um outro; que a verdadeira realidade nunca e’ a mais obvia das realidades… em todos os casos, o problema e’ o mesmo: a relacao… entre a razao e a percepcao sensorial…
[Claude Levi-Strauss, 1908 – 2009]
Na pratica, a importancia da ideologia marxista para uma compreensao de Levi-Strauss e' dificil de determinar. O uso da dialetica por parte de Levi-Strauss, com a sequencia formal de tese-antitese-sintese, e' mais hegeliano do que marxista e a sua atitude para com a historia parece ser inteiramente contraria ao dogma marxista. Mas o quadro fica bastante confuso em virtude da interaccao dialetica entre o Existencialismo de Sartre e o Estruturalismo de Levi-Strauss.
Levi-Strauss encontrou-se pela primeira vez com Sartre em pessoa em Nova Iorque, corria o ano de 1946, mas ambos tinham relacoes comuns anteriores. Assim, Simone de Beauvoir e Merleau Ponty foram ambos estudantes normalistas com Levi-Strauss no Lycee Janson de Sailly (P.C.). Artigos de Levi-Strauss foram publicados amiude na revista de Sartre Les Temps Modernes mas, ao que parece, as relacoes pessoais entre os dois homens, por volta de 1955, estavam nitidamente tensas. Em Tristes Tropiques, Levi-Strauss comenta sobre o Existencialismo que:
Promover as preocupacoes particulares a categoria de problemas filosoficos e' perigoso e pode redundar numa especie de filosofia de vendeuse (W.W.: 62).
E todo o Capitulo 9 de La Pensee Sauvage e' dedicado a um ataque polemico contra a Critique de La Raison Dialectique, de Sartre. Levi-Strauss manifesta um especial desdem pela opiniao (aparente) de Sartre de que os membros de sociedades exoticas devem, necessariamente, ser incapazes de analise intelectual e dos poderes de demonstracao racional.
(...)
…a segunda fase do nosso empreendimento e’ que, embora nao nos apeguemos a elementos de qualquer sociedade, em particular, fazemos uso de todos eles para distinguir os principios da vida social que podem ser aplicados com o objectivo de reformar os nossos proprios costumes daqueles principios que regem os costumes que nos sao inteiramente estranhos… A nossa propria sociedade e’ a unica que podemos transformar e, apesar disso, nao destruir, dado que as mudancas introduzidas proviriam de dentro (W.W.: 391-2)
Como esta passagem nos mostra, Levi-Strauss e’ um visionario e o problema com os que teem visoes e’ que acham muito dificil reconhecer o mundo prosaico e trivial que o resto dos mortais ve a sua volta. Levi-Strauss empenha-se na sua antropologia porque concebe os povos primitivos como “modelos reduzidos” do que e’ essencial em toda a humanidade; mas os nobres selvagens resultantes, a maneira de Rousseau, habitam um mundo muito distante da imundicie e da miseria que e’ o terreno normalmente pisado pelo antropologo de campo.
Isto e’ importante. Um estudo cuidadoso de Tristes Tropiques revela que, em todo o curso de suas viagens brasileiras, Levi-Strauss nunca pode permanecer num lugar por mais de algumas semanas de cada vez e jamais esteve em condicoes de conversar facilmente com qualquer dos seus informantes nativos, na linguagem nativa deles. (…) Levi-Strauss nunca teve a oportunidade de sofrer essa experiencia desmoralizante nem se viu a bracos com as questoes envolvidas.
Existem muitas especies de investigacao antropologica mas o trabalho intensivo de campo, no estilo de Malinowski, empregando o vernaculo (...) e' um procedimento inteiramente diferente da cuidadosa mas menos abrangente descricao de maneiras e costumes, baseada no uso de informantes e interpretes especiais, que foi a fonte original para a maioria das observacoes etnograficas em que Levi-Strauss, como os seus predecessores frazerianos, preferiu confiar.
Em todos os seus escritos, Levi-Strauss pressupoe que o “modelo” simples, do primeiro estagio, gerado pelas impressoes originais do observador, corresponde fielmente a uma autentica (e muito importante) realidade etnografica – o “modelo consciente” que esta’ presente no espirito dos informantes do antropologo. Em contraste, aos antropologos que tiveram uma gama muito mais ampla e variada de experiencias de campo parece por demais obvio que esse modelo inicial pouco mais e’ do que uma amalgama de pressuposicoes tendenciosas do proprio observador.
A este respeito, muitos argumentaram que Levi-Strauss, como Frazer, e’ insuficientemente critico no tocante ao seu material basico de informacao. Ele parece ser capaz de descobrir justamente aquilo que estava procurando. Qualquer prova, por muito duvidosa que seja, e’ aceitavel – desde que se ajuste as expectativas logicamente calculadas; mas, sempre que os dados contrariam a teoria, Levi-Strauss contornara’ as provas ou mobilizara’ todos os recursos de sua poderosa invectiva para que a heresia seja expulsa, sem apelacao! Por isso e’ conveniente recordar que a formacao primordial de Levi-Strauss foi em Filosofia e Direito; ele comporta-se, sistematicamente, mais como um advogado defendendo uma causa do que como um cientista em busca da verdade ultima.
Mas o filosofo-advogado e’ tambem um poeta. The Seven Types of Ambiguity (1931), de William Empson, pertence a uma classe de critica literaria que e' inteiramente hostil aos estruturalistas contemporaneos; nao obstante, serve como excelente leitura introdutoria para quem quer que se candidate a estudar Levi-Strauss. Realmente, Levi-Strauss nao publicou poesia mas toda a sua atitude em relacao aos sons e significados, as combinacoes e permutas, dos elementos da linguagem denuncia a sua natureza. (...) Isso e' o terreno do poeta e os que se impacientam com a tortuosa ginastica da argumentacao de Levi-Strauss - como acontece com a maioria dos que o leem - precisam lembrar-se de que ele compartilha com Freud de uma capacidade sumamente extraordinaria: a de nos conduzir, sem que tenhamos consciencia disso, ate' aos mais profundos recessos das nossas emocoes secretas.
(…) Diga-se de passagem que todo o corpus dos escritos de Levi-Strauss esta’ repleto de referencias obliquas e jogos de palavras, que recordam a formula simbolista de Verlaine, pas de couleur, rien que la nuance. Davy (1965: 54) observou que os poetas simbolistas “insistiam em que a funcao da linguagem poetica e, particularmente das imagens, nao era ilustrar ideias mas consubstanciar uma experiencia indefinivel de qualquer outro modo”. "
[Copyright © Edmund Leach, 1970]
Posts Relacionados:
Suggested Readings for the Social Researcher (Or Just the Interested Lay Reader)
Dance?
No comments:
Post a Comment