Tuesday, 12 July 2011

PERSONAGENS (VIII) [R]*



'A Senhora Professora'


Havia firmado seus creditos no tempo colonial como professora liceal de Ingles. No pos-independencia acabou por saldar tais creditos como “professora de jornalismo”, nao se sabe muito bem com que qualificacoes, teoricas ou praticas, especificas.

Entre os dois periodos houve uma transicao durante a qual ela fora levemente “beliscada”, juntamente com um lendario poeta, por um dos movimentos de libertacao. Alguns estudantes liceais – entre os quais uma certa miuda que nunca fora, nem nunca seria, sua aluna –, que na altura andavam pelas ruas da cidade em pe’ de guerra contra tudo que era debitado aos “fantoches”, foram para a frente da hoje RNA gritar “Nos queremos AC! Nos queremos GA!” (… mas tambem, o que e’ que “nos nao queriamos” naquela altura?). E foi assim que a Sra. Professora ganhou estatuto de “intocavel”…

Longe estavam ainda os tempos em que se iria notabilizar como “guardia do templo” dos escribas e uma sua “peca de mobiliario”: uma especie de “escrivaninha” capaz de fazer e desfazer carreiras literarias a seu belo prazer (… entao, se estava p(h)odendo? Para que lhe servia afinal o estatuto de intocavel?). Foi por esses tempos que aquela miuda, entao ja’ mais crescidinha, lhe foi “imposta” como um novo membro do seu templo…

A Sra. Professora teve ali mesmo um ataque : os seus cabelos desgrenhados ericaram-se em cabos de alta tensao assassinos; os seus parcos e cariados dentes rangeram contra as gengivas quase exangues. Mas os espiritas do templo la’ conseguiram fazer-lhe controlar o seu xinguilamento e convence-la a conter, pelo menos publicamente, a sua “raiva na cara” (… Afinal, das Sras. Professoras esperava-se um minimo de contencao e decoro!) … E, assim, ela la’ (mal) se conteve. Mas jurou para si mesma e para todos quantos a pudessem ouvir, que "enquanto ela fosse viva, no que dependesse dela, aquela miuda nunca iria a lado nenhum" ou, dito de outro modo, "havia de lhe fazer a vida negra"! Promessa que viria a cumprir a risca, das mais diversas formas, mas a sua preferida (e que nem sequer era de todas a pior) era dizer sobre a miuda, tanto verbalmente como em publicacoes: “… mas essa abandonou o pais para estudar e nunca mais voltou”!

E foi nesses propositos em que a miuda, passados varios anos, encontrou a Sra. Professora palestrando sobre “Mulheres e Literatura”, durante uma “Maka a Quarta Feira” no seu templo. Era um 2 ou 8 de Marco e a sala estava – como a miuda nunca tinha visto nos tempos em que era habitue’ das “makas” – a transbordar de uma audiencia constituida maioritariamente por alunas das escolas secundarias circundantes.

A Sra. Professora falou de varias coisas que entendia afectarem a vida das mulheres: das "quatorzinhas" que, segundo ela, "apenas o eram porque as suas maes a isso as obrigavam ou incentivavam"; daqueles “sacanas, racistas e machistas” dos Zimbabweanos que "obrigavam as escritoras do seu pais a ter uma organizacao separada"; dos homens “africanos” que "entregavam a criacao dos filhos exclusivamente as mulheres" – tendo-se ai virado para o Mais-Velho de chapeu e bengala e, sem a menor deferencia, lhe perguntado: “nao e’ verdade?! Voce alguma vez deu banho a um dos seus filhos?!” E o Mais-Velho so’ abanou levemente a cabeca em sinal de desgosto e reprovacao por aquela falta de respeito… Ate’ que chegou a referencia a alguns nomes e obras, sendo de destacar a mencao que fez a uma delas que, afirmava, “escrevia poemas e contos que se passavam em cenarios e ambientes sofisticados, nao os la’ do musseque”, rematando com um “assim e’ que e’”!

O resto era de se adivinhar, sendo que quando chegou o infalivel momento de, sobre a miuda, dizer “mas essa abandonou o pais…”, a miuda levantou o braco de onde estava, pedindo a palavra. A Sra. Professora: “Ai! Estas aqui? Ja’ voltaste?! Olha que eu nao te reconhecia pa’, estas toda gorda!” (sendo que esta ultima observacao visivelmente a enchera de satisfacao!) … A miuda, cujo corpo, por mais “gordo” que estivesse, cabia pelo menos umas tres ou quatro vezes no corpo balofo da Sra. Professora, comecou por dizer que lamentava que, num dia dedicado a Mulher, a referencia mais “perspicaz” que lhe ocorria fazer depois de tantos anos sem se verem era a mencao (negativa) ao seu corpo, acrescentando as suas congratulacoes a Sra. Professora porque, de cabelos e dentes arranjados, achava-a muito mais bonita! Depois, disse um pouco de si e do que tinha feito e estava a fazer durante o seu "abandono do pais". Quando terminou a sua intervencao, o Mais-Velho levantou-se para sair e, parando brevemente junto da miuda, que conhecia desde realmente miuda, deu-lhe dois beijinhos e, beliscando-lhe a bochecha disse-lhe afectuosamente: “tu sais mesmo ao teu pai”!

Bom, a “maka” terminou com o primeiro e unico “popular mobbing” que a miuda teve na vida: toda aquela miudagem de raparigas e alguns rapazes se acotovelou a volta dela com beijinhos, pedidos de autografos, perguntas e as mais diversas manifestacoes de entusiasmo… Assim, por tudo o que nao escreveu e nao disse ao longo dos anos, aquele momento de espontaneo e genuino calor humano – mesmo nao o tendo particularmente desejado por nao se julgar dele merecedora – disse tudo quanto ela alguma vez “precisara de ouvir” sobre a sua, modestamente assumida, pequena obra e longa ausencia. E, muito mais do que sobre ela ou a sua escrita, disse bastante quanto ao que a palavra "esperanca" pode significar em Angola...

E da Sra. Professora ela nunca mais ouvira, excepto que falecera algum tempo depois e que deixara algumas herdeiras , por entre 'donas negras' e 'ninfas brancas', determinadas a prosseguir o seu legado de inveja, odio e 'senseless bullying' contra a miuda… [Paz a Sua(s) Alma(s)]





[*] Postado inicialmente a 31/03/10

Repostado a proposito disto...

E... onde e' que por aqui ja' se falou em Sadismos e Masoquismos? ... E de onde e quando "o sexo comanda a vida"? ... E de "masculinidades equivocadas e distorcidas"? ... E de "rapazes", "sub-rapazes" e "rapazitos"? ... E de "complexos de colonizado"? ... E de "lavagens ao cerebro"? ... E do "homem novo"? ... E de jornalismo no "pais real"?... E de "sociedade doente"?


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Maria Luisa Dolbeth e Costa...



'A Senhora Professora'


Havia firmado seus creditos no tempo colonial como professora liceal de Ingles. No pos-independencia acabou por saldar tais creditos como “professora de jornalismo”, nao se sabe muito bem com que qualificacoes, teoricas ou praticas, especificas.

Entre os dois periodos houve uma transicao durante a qual ela fora levemente “beliscada”, juntamente com um lendario poeta, por um dos movimentos de libertacao. Alguns estudantes liceais – entre os quais uma certa miuda que nunca fora, nem nunca seria, sua aluna –, que na altura andavam pelas ruas da cidade em pe’ de guerra contra tudo que era debitado aos “fantoches”, foram para a frente da hoje RNA gritar “Nos queremos AC! Nos queremos GA!” (… mas tambem, o que e’ que “nos nao queriamos” naquela altura?). E foi assim que a Sra. Professora ganhou estatuto de “intocavel”…

Longe estavam ainda os tempos em que se iria notabilizar como “guardia do templo” dos escribas e uma sua “peca de mobiliario”: uma especie de “escrivaninha” capaz de fazer e desfazer carreiras literarias a seu belo prazer (… entao, se estava p(h)odendo? Para que lhe servia afinal o estatuto de intocavel?). Foi por esses tempos que aquela miuda, entao ja’ mais crescidinha, lhe foi “imposta” como um novo membro do seu templo…

A Sra. Professora teve ali mesmo um ataque : os seus cabelos desgrenhados ericaram-se em cabos de alta tensao assassinos; os seus parcos e cariados dentes rangeram contra as gengivas quase exangues. Mas os espiritas do templo la’ conseguiram fazer-lhe controlar o seu xinguilamento e convence-la a conter, pelo menos publicamente, a sua “raiva na cara” (… Afinal, das Sras. Professoras esperava-se um minimo de contencao e decoro!) … E, assim, ela la’ (mal) se conteve. Mas jurou para si mesma e para todos quantos a pudessem ouvir, que "enquanto ela fosse viva, no que dependesse dela, aquela miuda nunca iria a lado nenhum" ou, dito de outro modo, "havia de lhe fazer a vida negra"! Promessa que viria a cumprir a risca, das mais diversas formas, mas a sua preferida (e que nem sequer era de todas a pior) era dizer sobre a miuda, tanto verbalmente como em publicacoes: “… mas essa abandonou o pais para estudar e nunca mais voltou”!

E foi nesses propositos em que a miuda, passados varios anos, encontrou a Sra. Professora palestrando sobre “Mulheres e Literatura”, durante uma “Maka a Quarta Feira” no seu templo. Era um 2 ou 8 de Marco e a sala estava – como a miuda nunca tinha visto nos tempos em que era habitue’ das “makas” – a transbordar de uma audiencia constituida maioritariamente por alunas das escolas secundarias circundantes.

A Sra. Professora falou de varias coisas que entendia afectarem a vida das mulheres: das "quatorzinhas" que, segundo ela, "apenas o eram porque as suas maes a isso as obrigavam ou incentivavam"; daqueles “sacanas, racistas e machistas” dos Zimbabweanos que "obrigavam as escritoras do seu pais a ter uma organizacao separada"; dos homens “africanos” que "entregavam a criacao dos filhos exclusivamente as mulheres" – tendo-se ai virado para o Mais-Velho de chapeu e bengala e, sem a menor deferencia, lhe perguntado: “nao e’ verdade?! Voce alguma vez deu banho a um dos seus filhos?!” E o Mais-Velho so’ abanou levemente a cabeca em sinal de desgosto e reprovacao por aquela falta de respeito… Ate’ que chegou a referencia a alguns nomes e obras, sendo de destacar a mencao que fez a uma delas que, afirmava, “escrevia poemas e contos que se passavam em cenarios e ambientes sofisticados, nao os la’ do musseque”, rematando com um “assim e’ que e’”!

O resto era de se adivinhar, sendo que quando chegou o infalivel momento de, sobre a miuda, dizer “mas essa abandonou o pais…”, a miuda levantou o braco de onde estava, pedindo a palavra. A Sra. Professora: “Ai! Estas aqui? Ja’ voltaste?! Olha que eu nao te reconhecia pa’, estas toda gorda!” (sendo que esta ultima observacao visivelmente a enchera de satisfacao!) … A miuda, cujo corpo, por mais “gordo” que estivesse, cabia pelo menos umas tres ou quatro vezes no corpo balofo da Sra. Professora, comecou por dizer que lamentava que, num dia dedicado a Mulher, a referencia mais “perspicaz” que lhe ocorria fazer depois de tantos anos sem se verem era a mencao (negativa) ao seu corpo, acrescentando as suas congratulacoes a Sra. Professora porque, de cabelos e dentes arranjados, achava-a muito mais bonita! Depois, disse um pouco de si e do que tinha feito e estava a fazer durante o seu "abandono do pais". Quando terminou a sua intervencao, o Mais-Velho levantou-se para sair e, parando brevemente junto da miuda, que conhecia desde realmente miuda, deu-lhe dois beijinhos e, beliscando-lhe a bochecha disse-lhe afectuosamente: “tu sais mesmo ao teu pai”!

Bom, a “maka” terminou com o primeiro e unico “popular mobbing” que a miuda teve na vida: toda aquela miudagem de raparigas e alguns rapazes se acotovelou a volta dela com beijinhos, pedidos de autografos, perguntas e as mais diversas manifestacoes de entusiasmo… Assim, por tudo o que nao escreveu e nao disse ao longo dos anos, aquele momento de espontaneo e genuino calor humano – mesmo nao o tendo particularmente desejado por nao se julgar dele merecedora – disse tudo quanto ela alguma vez “precisara de ouvir” sobre a sua, modestamente assumida, pequena obra e longa ausencia. E, muito mais do que sobre ela ou a sua escrita, disse bastante quanto ao que a palavra "esperanca" pode significar em Angola...

E da Sra. Professora ela nunca mais ouvira, excepto que falecera algum tempo depois e que deixara algumas herdeiras , por entre
'donas negras' e 'ninfas brancas', determinadas a prosseguir o seu legado de inveja, odio e 'senseless bullying' contra a miuda… [Paz a Sua(s) Alma(s)]





[*] Postado inicialmente a 31/03/10

Repostado a proposito disto...

E... onde e' que por aqui ja' se falou em Sadismos e Masoquismos? ... E de onde e quando "o sexo comanda a vida"? ... E de "masculinidades equivocadas e distorcidas"? ... E de "rapazes", "sub-rapazes" e "rapazitos"? ... E de "complexos de colonizado"? ... E de "lavagens ao cerebro"? ... E do "homem novo"? ... E de jornalismo no "pais real"?... E de "sociedade doente"?


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Maria Luisa Dolbeth e Costa...

6 comments:

Inquieta said...

Mas afinale...sem ofensa, onde andam as Mamas Angolanas?
Sao os atrasados mentais que precisam de "outra" mae! Sao os "bailarinos" e "jornalistas" que precisam de uma "mae da danca contemporanea em Africa"!
Onde andam as famosas Maes Negras???
Deixo a pergunta no ar!

Koluki said...

Tentando responder a sua inquietacao:

A tao famosa "Mae Negra", pelo menos de acordo com a celebre cancao e um menos celebre poema, "nao sabe nada"!
A nao ser dar de mamar e criar os filhos da ****, ou seja, da "outra", isto e' da "mae branca"... Compreende?

Anonymous said...

E o mais triste e' que esses "machoes" dizem-se "ofendidos" porque no tempo colonial, ou mesmo agora, lhes chamavam "rapazes" qualquer que fosse a sua idade. Mas agora no pos-colonial "deliciam-se" por serem chamados "atrasados mentais"!
E' muito komplikoso...

Koluki said...

E' verdade. E gostei do "komplikoso"...
Talvez eles sejam mesmo uns "atrasados mentais"... kem sabe?!

Inquieta said...

Absolutamente de acordo.
E ja agora aproveito para deixar uma sugestao: nao sera de se rebaptizar a tal "alta representante de todo o mundo" como "Mae da Negritude Branca Pos-Colonial"?

;)

Bjos e bom fim de semana!

Koluki said...

Ora nem mais! Sugestao aceite.
Talvez lhe acrescentasse apenas a "toda importante" (no texto e no contexto) palavra "Lusofona"!...

:-)))

Bom fim de Semana!