“A Agencia”
Era assim:
- Havia varios desks - nacional, desporto, cultura e internacional – e cada um tinha o seu chefe, ao qual os staffers (sub-editores, jornalistas e/ou tradutores) submetiam as suas peças. O chefe, por sua vez, submetia as peças seleccionadas do seu desk ao editor de servico (chefe de turno) e este levava aquelas que passavam pelo seu 'crivo' ao desk dos controladores (um desk algo 'invisivel', mas que existia (!) e integrava alguns editores-chefes e representantes do partido e/ou de “outras agencias nao especificadas”). Estes, por sua vez, usavam os seus proprios “filtros” de seleccao das peças que iam para a sala de telex, de onde eram despachadas para os varios orgaos de “difusao massiva” ou “mass media”, hoje mais comumente designados “de comunicacao social” ou simplesmente “media” ou “midia”.
Entao, aconteceu assim:
- Num certo turno da manha (que normalmente comecava as 6 a.m. e era o que “apanhava” as noticias “mais quentes” da noite anterior ou as que iriam marcar o dia), no desk internacional (que usava como fontes os despachos das principais agencias noticiosas internacionais - Reuters, France Press, Tass, Novosti, Prensa Latina, Pana, etc.), esta staffer “apanhou” com um despacho da France Press assim entitulado:
“URSS invade Afeganistao”!
Tendo aquela sido a primeira noticia sobre o acontecimento, em nome de uma certa nocao de objectividade, nao lhe ocorreu fazer-lhe quaisquer “retoques ou efeitos especiais”, tendo-se limitado a traduzi-la do original em Frances.
- Passado um bocado, o chefe de turno (por sinal alguem que a tratava por 'comadre' e a quem ela tratava por 'compadre') veio dizer-lhe que ela tinha que reescrever aquela materia e entitula-la “URSS presta Ajuda Internacionalista ao Afeganistao”. Encontrando-se ela ja’ ocupada com outras materias, respondeu-lhe descontraidamente que seria melhor que o fizesse ele... Mas ele insistiu e depois de uma pequena discussao a volta dos conceitos de “invasao” e “ajuda internacionalista”, ele dirigiu-se ao desk dos controladores, de onde regressou acompanhado por representantes, um (A) do partido e outro (B) de uma das tais “agencias nao identificadas”...
- Comecou o A: “pois, eu ja’ ha’ muito venho reparando que esta camarada tem ideias muito diversionistas”! Acrescentou o B: “olhe, quem aqui nao esta’ de acordo com a linha politica do partido, nao pode trabalhar aqui”! E colocaram-lhe a peça a frente para que a “corrigisse”...
- A staffer, mal acreditando no que via e ouvia, pegou na peça, rasgou-a em pedacinhos e, sem uma palavra, dirigiu-se a sala do secretariado onde dactilografou e entregou o seu pedido de demissao, abandonando de seguida o edificio.
- Passados alguns dias, a staffer foi chamada pelo director da agencia, para lhe pedir que reconsiderasse a sua decisao, esquecesse o que se tinha passado e regressasse ao trabalho. Ao que ela respondeu que lamentava, mas a sua decisao era irrevogavel e apenas desejava que lhe passassem a devida carta de desvinculacao. Tal carta nunca lhe foi passada... pelo que, ironia das ironias, oficialmente “continua vinculada a agencia” ate’ hoje – Dia Mundial da Liberdade de Imprensa!
Bom, ironias a parte, passadas cerca de 3 decadas desde aquele infausto episodio (numa altura em que, curiosamente, o Afeganistao se encontra de novo "invadido"...), tem sido deveras interessante observar como personagens como B haveriam, nao muito mais tarde, de se notabilizar nas hostes propagandisticas do maior partido da oposicao, ou como alguns dos seus co-staffers de entao (que nunca 'tugiram nem mujiram' sobre aquele ou outros episodios similares - e nao pretendendo com este reparo retirar-lhes os meritos onde eles possam ser devidos!), se tornaram ao longo dos anos delegados da agencia ou adidos de imprensa nos mais diversos aeropagos internacionais, acessores governamentais ou presidenciais, deputados, auto-denominados “caes do partido”, premios nacionais disto ou daquilo, ou ainda, mais recentemente, “porta-estandartes da liberdade de imprensa e da democracia” (mais vale tarde do que nunca!)...
Mas, como diz o outro: Sarava’!
Era assim:
- Havia varios desks - nacional, desporto, cultura e internacional – e cada um tinha o seu chefe, ao qual os staffers (sub-editores, jornalistas e/ou tradutores) submetiam as suas peças. O chefe, por sua vez, submetia as peças seleccionadas do seu desk ao editor de servico (chefe de turno) e este levava aquelas que passavam pelo seu 'crivo' ao desk dos controladores (um desk algo 'invisivel', mas que existia (!) e integrava alguns editores-chefes e representantes do partido e/ou de “outras agencias nao especificadas”). Estes, por sua vez, usavam os seus proprios “filtros” de seleccao das peças que iam para a sala de telex, de onde eram despachadas para os varios orgaos de “difusao massiva” ou “mass media”, hoje mais comumente designados “de comunicacao social” ou simplesmente “media” ou “midia”.
Entao, aconteceu assim:
- Num certo turno da manha (que normalmente comecava as 6 a.m. e era o que “apanhava” as noticias “mais quentes” da noite anterior ou as que iriam marcar o dia), no desk internacional (que usava como fontes os despachos das principais agencias noticiosas internacionais - Reuters, France Press, Tass, Novosti, Prensa Latina, Pana, etc.), esta staffer “apanhou” com um despacho da France Press assim entitulado:
“URSS invade Afeganistao”!
Tendo aquela sido a primeira noticia sobre o acontecimento, em nome de uma certa nocao de objectividade, nao lhe ocorreu fazer-lhe quaisquer “retoques ou efeitos especiais”, tendo-se limitado a traduzi-la do original em Frances.
- Passado um bocado, o chefe de turno (por sinal alguem que a tratava por 'comadre' e a quem ela tratava por 'compadre') veio dizer-lhe que ela tinha que reescrever aquela materia e entitula-la “URSS presta Ajuda Internacionalista ao Afeganistao”. Encontrando-se ela ja’ ocupada com outras materias, respondeu-lhe descontraidamente que seria melhor que o fizesse ele... Mas ele insistiu e depois de uma pequena discussao a volta dos conceitos de “invasao” e “ajuda internacionalista”, ele dirigiu-se ao desk dos controladores, de onde regressou acompanhado por representantes, um (A) do partido e outro (B) de uma das tais “agencias nao identificadas”...
- Comecou o A: “pois, eu ja’ ha’ muito venho reparando que esta camarada tem ideias muito diversionistas”! Acrescentou o B: “olhe, quem aqui nao esta’ de acordo com a linha politica do partido, nao pode trabalhar aqui”! E colocaram-lhe a peça a frente para que a “corrigisse”...
- A staffer, mal acreditando no que via e ouvia, pegou na peça, rasgou-a em pedacinhos e, sem uma palavra, dirigiu-se a sala do secretariado onde dactilografou e entregou o seu pedido de demissao, abandonando de seguida o edificio.
- Passados alguns dias, a staffer foi chamada pelo director da agencia, para lhe pedir que reconsiderasse a sua decisao, esquecesse o que se tinha passado e regressasse ao trabalho. Ao que ela respondeu que lamentava, mas a sua decisao era irrevogavel e apenas desejava que lhe passassem a devida carta de desvinculacao. Tal carta nunca lhe foi passada... pelo que, ironia das ironias, oficialmente “continua vinculada a agencia” ate’ hoje – Dia Mundial da Liberdade de Imprensa!
Bom, ironias a parte, passadas cerca de 3 decadas desde aquele infausto episodio (numa altura em que, curiosamente, o Afeganistao se encontra de novo "invadido"...), tem sido deveras interessante observar como personagens como B haveriam, nao muito mais tarde, de se notabilizar nas hostes propagandisticas do maior partido da oposicao, ou como alguns dos seus co-staffers de entao (que nunca 'tugiram nem mujiram' sobre aquele ou outros episodios similares - e nao pretendendo com este reparo retirar-lhes os meritos onde eles possam ser devidos!), se tornaram ao longo dos anos delegados da agencia ou adidos de imprensa nos mais diversos aeropagos internacionais, acessores governamentais ou presidenciais, deputados, auto-denominados “caes do partido”, premios nacionais disto ou daquilo, ou ainda, mais recentemente, “porta-estandartes da liberdade de imprensa e da democracia” (mais vale tarde do que nunca!)...
Mas, como diz o outro: Sarava’!
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