Wednesday 28 March 2012

Gostei de Ler [5]



(...)

Para já eu estou cada vez mais velho, cada mais anarquista, e acredito muito pouco na fórmula partido.
Antes dizia que tinha dúvidas sobre a fórmula partido, hoje digo que acredito cada vez menos nesta fórmula. Não me parece que seja uma fórmula que avance muito. Acaba por ser sempre um aparelho que condiciona tudo o resto, um partido pode ter muitos militantes, mas há um aparelhozinho que condiciona tudo o resto. A Revolução francesa fez-se sem partidos, mas com clubes de pensadores. É claro que também era tudo anárquico, mas eu acho que devia haver possibilidades sem estar amarrado a um partido, mas estamos a tender cada vez mais para a consolidação da fórmula partido.
Eu não sei deste caso que falou do Abel Chivukuvuku, mas será interessante seguir e ver o que vai dar. Se conseguir apanhar pessoas que foram do partido A, B e C será interessante ver isso.

(...)

Hoje as pessoas dentro do MPLA exteriorizam mais facilmente ideias contrárias?

Eu acho que têm mais essa possibilidade. Duvido que o façam, mas ai há outro problema.

Qual?

Começa a tocar em interesses. E as pessoas ficam à espera, na expectativa. Criou-se a obsessão do que só o chefe pensa. E fica a impressão de que cinco milhões de pessoas não pensam, à espera que o chefe pense. É a ideia que dá. E depois o chefe diz uma frase e essa frase vira slogan que aparece em todo o lado. Só não aparece nas paredes porque agora a malta deixou de pintar as paredes.
É um certo seguidismo que se instalou, sem dúvida alguma. Mas depende das épocas. Agora é época de eleições portanto o seguidismo tem de ser muito forte, temos de estar todos unidos. Depois há maior dispersão. Isso nota-se nos comentários de algumas pessoas que mudam o discurso conforme a época política e os interesses pessoais. Sem dúvida, uma coisa que foi discutida há muitos anos no MPLA é o direito das tendências.

(...)

Em certa medida e em relação a uns tantos membros, o MPLA parece clientelista, pois eles se aproveitam do facto de serem militantes para obterem benefícios. Não falo da grande massa de militantes e simpatizantes que pouco ganham com o facto de o serem. Mas a nível de responsáveis, muitos têm negócios que só prosperam por causa da sua posição política. E ostentam as riquezas de forma pornográfica, por isso não há como enganar.

(...)

A oposição parlamentar dá-me a ideia que está apenas pelo dinheiro do Estado. É verdade que também não se dá muito espaço à oposição para dar a conhecer todas as suas ideias. Eles queixam-se muito disso, que a imprensa favorece o partido no poder, mas parece-me que com esta oposição o MPLA está tranquilo: tem mais cem anos. Portanto será interessante vermos esta experiência de um novo partido e ver se agita um bocado as águas.

(...)

O que lhe parece a “ousadia” de Lukoki durante a última reunião do Comité central onde terá levantado a questão da distribuição da riqueza nacional e a da sucessão como pontos para uma próxima reunião do CC, por sinal agendada para esta sexta-feira.

O Ambrósio Lukoki, de quem me orgulho de ser amigo, é um homem vertical, de grande coragem e frontalidade, qualidades essas que lhe têm valido problemas sérios. Ele só teve a ousadia de dizer o que mais de metade da sala pensava mas, como sempre, cala. Fora, batem-lhe nas costas a dizer, falaste bem. Lá dentro, nem o defendem dos mesmos mabecos de sempre, a tentar morder as canelas dos grandes homens.
Como é que se processará a transição de JES para um novo PR?

Esta é outra questão que devia ser pacifica, banal e que se torna um problema quase divino. O mundo acaba quando se pensa na sucessão. Deveria ser uma coisa quase banal porque as pessoas vão, deixam os cargos, vão descansar, é normal essa substituição de geração. E tem havido essa substituição de geração ao nível do MPLA, nas estruturas intermédias e mesmo ao nível do Bureau Político onde hoje há pessoas que são bastante mais novas do que aqueles que fizeram a luta de libertação. Agora, realmente esta é uma questão que acaba por se tornar complicada e quanto mais há segredos a volta disso, mais secretismo mais complicado fica.

E já é hora de se desmistificar essa questão?

Exactamente, abre-se o jogo tranquilamente. O Presidente não é eterno, ninguém é eterno, só Deus para os crentes. Nem o planeta terra é eterno. Acreditamos que tem de haver uma substituição, vamos ver quando, como e falamos sobre isso. Mas é um tabu, é um sacrilégio, mas é claro que toda a gente anda a murmurar nos cantos.

Não será por causa de algumas resistências internas?

Provavelmente haverá várias forcas a querer ganhar mais poder, representadas por pessoas, essa é uma realidade que acontece nos partidos, há lutas. Agora podem ser lutas mais abertas ou mais tranquilas.

E neste caso?

Neste caso é um tabu. E eu acho que as pessoas têm medo que AB ou C estejam a pensar qualquer coisa. Houve umas pessoas que aqui há uns anos atrás admitiam a hipótese de ser candidatos, mas isso é normal, mas as pessoas normalmente criam uma onda de indignação que percorre as fileiras porque alguém ousou dizer que pode substituir o presidente.

(...)

Quando falamos do impacto das manifestações e em face dos novos desenvolvimentos o que lhe pergunto é: Será mesmo que a visão de que os militantes despertaram pelo facto de serem muito mais contra o exíguo número de manifestantes é verdade, quando vemos as imagens da porrada a que foram alvos na sua última manifestação. Ou como explicar isso?

O MPLA de facto aparenta ter mais medo dos jovens que tentam se manifestar que dos partidos da oposição. Estes são aparelhos e como tal podem ser controlados, manobrados, enfraquecidos, etc... Já os manifestantes, mobilizados por meios mais difíceis de controlar, podem aparecer como um perigo muito maior, imprevisível. Parece absurdo um partido que diz ter cinco milhões de membros tremer perante um pequeno grupo de jovens que quer gritar a sua revolta, mas é um facto. Por outro lado, esse pequeno grupo poderá crescer por causa da resposta inadequada das autoridades. Não é aceitável que apareçam pessoas, que se declaram organizadas, atacando os manifestantes, impedindo que eles exerçam um direito constitucional, perante órgãos do Estado, impávidos e serenos. Assim não se aprofunda a democracia, antes pelo contrário, indica uma regressão que acabará por sair muito cara num futuro mais ou menos breve. Quem impede uma manifestação legítima e pacífica tem de ser processado e posto em situação de não voltar a repetir o gesto, seja quem for o seu mandante. Este filme já foi visto, demasiado parecido com os lumpens recrutados por Mussolini e Hitler para atacar os verdadeiros democratas e progressistas. Para que não seja o caso, o Estado tem de ser claro: está do lado da Constituição ou contra ela?

(...)

Como avalia as relações entre Angola e Portugal?

De um modo geral são boas. Foram más e estão melhores. Acho que há equívocos. Bastantes equívocos.

Que equívocos?

Acho que há algumas pessoas na parte angolana. Por um lado, um certo saudosismo e, por outro lado, uma espécie de revanche e em termos económicos há uma vontade de comprar coisas em Portugal fazendo por vezes péssimos negócios. Eu também vi que a Sonangol comprou coisas no Iraque e no Irão que foram um desastre, nem se fala nisso, mas temos de ter atenção porque está-se a meter dinheiro do Estado. Agora, os particulares se querem ter um castelo, isso ai é com eles. Acho que devia haver maior transparência. Que a nação fosse informada que foram compradas quotas ou empresas e que não saibamos disso só quando há uma maka lá fora. E no caso de Portugal há negócios muito escuros e muitos deles serão prejudiciais a Angola e entretanto vemos algumas pessoas que nunca gostaram de nós e que agora abraçam-nos e só não bejam na boca porque parece mal. São relações de conveniência, no discurso oficial são relações de amizade e o passado comum. Mas isso é conversa. O negócio entre os países é feito apenas na base de interesses. E não há aqui sentimentos, sentimentos há entre nós intelectuais, mas os assuntos de Estado são negócios.

(...)

4 anos depois, como avalia o mandato de Barack Obama?

Eu sou um dos que ficou muito entusiasmado por Obama antes dele ser eleito. Eu conheci o Obama em 2004 quando estive uma época nos EUA e em que ele começava a despontar no partido democrata.
Vários amigos meus chamavam-me atenção e quando ele profere aquele discurso magnifico de apresentação do John Terry então diziam que eche homo (ai está o homem!). eu torci por ele. E sempre disse que no dia seguinte à sua eleição estaria contra ele porque a partir do momento em que ele é o Presidente dos Estados Unidos faria uma política da qual não estaria de acordo.
De qualquer modo acho que foi um avanço civilizacional ele ter sido eleito, mas para uma pessoa que recebe o prémio nobel logo no primeiro ano de mandato acho que já fez guerras há mais. E ainda se está a preparar para fazer outra. Gostaria de dizê-lo isso na cara. É verdade que já havia muito prémio nobel mal atribuído, mas para quem não tinha feito nada ainda pela paz e ele recebeu logo é porque o mundo ou o comité nobel, queria que ele fizesse mais. Também é verdade que ele é muito travado nos EUA por preconceitos por uma série de governadores.

Acha que ele tem menos poderes do que Bush?

Tem porque ele está a governar sem maioria.

Mas ele só perdeu a maioria há meio do mandato?

Tinha uma ligeira maioria, mas que perdeu logo.

Será reeleito.

Acho que sim. Porque este ano a economia irá melhorar um bocadinho.

Não será por ter morto Bin Laden, Kadaffi e outros?

Não, isso é importante durante um ou dois meses, mas depois esquecese, perde-se. O que é importante nos EUA é mesmo a economia. O americano só pensa em dólares, só dólares e mais nada. É isso que temos de saber. Se a economia estiver a andar bem como está a acontecer com a diminuição do emprego, ele ganha. Por outro lado, também não tem oposição. Aquela oposição, francamente...

Pior do que a nossa?

(Risos)... Pior do que a nossa... está lá perto, mas parece que o Obama em dois debate rebenta o Romney milionário e se ele adopta aquele discurso populista do eu negro vindo de uma família media que tive de trabalhar muito ao contrário de ti que nasceste já no meio do ouro,
arruma-o...

Acha que a China conseguirá atingir o estatuto de superpotência?

Está a fazer tudo por isso. Até aumentou bastante o seu orçamento militar, que era o que faltava. Portanto, penso que sim.

Neste caso teremos um mundo bipolar?

Depende um bocado da evolução da India que é um outro país que pode fazer frente aos EUA e a China. Eu não conto mais com a União Europeia que está em declínio total. Começa a parecer-se com a União Africana, qualquer dia acaba, porque a União africana já acabou há muito tempo.
E agora, a India é uma outra potencia que está a despontar tal como o Brasil que com a Argentina podem tornar a América Latina uma zona ouvida, uma outra fonte para distribuir melhor o poder no mundo.

Faltaria apenas África.

África ainda está longe. Não há nenhum país no continente que ascenda assim, talvez uma região, o sul do continente, mais ou menos a SADC que poderá vir a ser uma potencia e isso ainda demorará muito tempo. Tem que se estabelecer o Estado nação e depois avançar-se para a integração regional e isso levará uns bons anos.

(...)

O que lhe parece esta reforma educativa?

Para lhe dizer a verdade, conheço mal e não posso entrar, com profundidade em termos técnicos. Agora, eu acho que ela vem muito tarde. Deveria ter sido feita há muito mais tempo. Eu fiz parte da equipa que concebeu o sistema que substitui o sistema colonial e ao fim de quarto anos nós reconhecíamos que havia ali coisas a mudar. Entretanto, a equipa dispersou-se e ninguém pegou no assunto estes últimos anos. Saúdo o facto de se ter feito uma reforma porque o sistema estava desfasado da realidade actual do país.

Esta é a polémica da inexistência de exames em muitas classes?

E mesmo a matéria que é dada. Os programas são demasiado leves. Dá-me a impressão. Agora não sou muito categórico porque não estudei e não sou propriamente um pedagogo. Trabalhei na educação, mas nunca fui pedagogo. Eu espero que funcione e se há coisas há mudar que seja o mais rapidamente possível do que foi anteriormente. Por exemplo, eu tenho algumas dúvidas sobre essa questão de um professor conseguir dar seis classes, que é a grande discussão que tem havido. Parece-me de mais e no sistema anterior o professor acompanhava os alunos em quatro classes e tínhamos problemas de falta de professores. Quer-se prolonger até à sexta classe, mas isso exige professores melhores preparados e, para lhe ser franco, não sei se temos. Do que oiço ultimamente, a matéria que se dá nestas seis classes corresponde ao que se dava nas quatro primeiras anteriores e aí acho que, se isso é verdade, é muito pouca exigência.

Nem condiz com aquilo que é a tendência mundial onde os estudantes ficam cada vez menos tempo no sistema de ensino, ao passo que aqui estamos a prolongar o tempo dos estudantes no sistema, com todas as consequências disso até mesmo em termos de custos?

Se isso continuar assim, duvido que o aluno, ao fim dos 12 ou 13 anos esteja preparado para entrar para a Universidade. É verdade que nunca tivemos, em Angola, em termos gerais, alunos devidamente preparados para estar na Universidade, apesar dos extraordinários. É preciso que se altere rapidamente isso, colocando rigor na base e no topo também. Bons professores devem estar na base desta pirâmide e em cima ao mesmo tempo, mas na base tem de haver rigor.

(...)

Nem sempre Luanda mas utiliza muitas vezes uma cidade que denomina “Calpe”.

Calpe é qualquer coisa que não é nada.

Ou que é Luanda?

Às vezes parece Luanda, outras vezes não. A primeira vez que eu utilizei Calpé foi em Mwana Puó que foi escrita em 1969 e eu só conheci Luanda em 1974. Tinha passado por Luanda quando fui estudar em Portugal, mas não conheci. Mas em “Parábola do Cagado Velho”, Calpe é Luanda na parte má, um tom ameaçador, os vícios, mas em “Quase fim do Mundo” terá alguma coisa, mas não está muito definido. Quando quero fugir um bocado a que se situe ponho Calpe. Não me importa nada que se caracterize do modo diferente.

[Extractos de entrevista de Pepetela ao Novo Jornal # 218 - 23/03/2012]


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Resultados das Legislativas Voto de Confianca na Situacao, ou de Desconfianca na Oposicao?

A Tarefa de Substituir JES

Angola "Em Estado de Coma"?

Bullies!!!...

Sobre o Estado da Nacao

Noticias do Meu Pais

Angola: When Increasing Wealth Doesn't Trickle Down

Para Angola Rapidamente e em Forca

Ecos da Vitoria de Obama no SA

'It's The Economy, Stupid!'

"Segundo Um Novo Relatorio do Banco Mundial"...

Falando de Intelectualismos [II]

Angola: Pais Xenofobo?

Conferencia Internacional sobre Cultura Tchokwe'

Gostei de Ler (?)... [3]



(...)

Para já eu estou cada vez mais velho, cada mais anarquista, e acredito muito pouco na fórmula partido.
Antes dizia que tinha dúvidas sobre a fórmula partido, hoje digo que acredito cada vez menos nesta fórmula. Não me parece que seja uma fórmula que avance muito. Acaba por ser sempre um aparelho que condiciona tudo o resto, um partido pode ter muitos militantes, mas há um aparelhozinho que condiciona tudo o resto. A Revolução francesa fez-se sem partidos, mas com clubes de pensadores. É claro que também era tudo anárquico, mas eu acho que devia haver possibilidades sem estar amarrado a um partido, mas estamos a tender cada vez mais para a consolidação da fórmula partido.
Eu não sei deste caso que falou do Abel Chivukuvuku, mas será interessante seguir e ver o que vai dar. Se conseguir apanhar pessoas que foram do partido A, B e C será interessante ver isso.

(...)

Hoje as pessoas dentro do MPLA exteriorizam mais facilmente ideias contrárias?

Eu acho que têm mais essa possibilidade. Duvido que o façam, mas ai há outro problema.

Qual?

Começa a tocar em interesses. E as pessoas ficam à espera, na expectativa. Criou-se a obsessão do que só o chefe pensa. E fica a impressão de que cinco milhões de pessoas não pensam, à espera que o chefe pense. É a ideia que dá. E depois o chefe diz uma frase e essa frase vira slogan que aparece em todo o lado. Só não aparece nas paredes porque agora a malta deixou de pintar as paredes.
É um certo seguidismo que se instalou, sem dúvida alguma. Mas depende das épocas. Agora é época de eleições portanto o seguidismo tem de ser muito forte, temos de estar todos unidos. Depois há maior dispersão. Isso nota-se nos comentários de algumas pessoas que mudam o discurso conforme a época política e os interesses pessoais. Sem dúvida, uma coisa que foi discutida há muitos anos no MPLA é o direito das tendências.

(...)

Em certa medida e em relação a uns tantos membros, o MPLA parece clientelista, pois eles se aproveitam do facto de serem militantes para obterem benefícios. Não falo da grande massa de militantes e simpatizantes que pouco ganham com o facto de o serem. Mas a nível de responsáveis, muitos têm negócios que só prosperam por causa da sua posição política. E ostentam as riquezas de forma pornográfica, por isso não há como enganar.

(...)

A oposição parlamentar dá-me a ideia que está apenas pelo dinheiro do Estado. É verdade que também não se dá muito espaço à oposição para dar a conhecer todas as suas ideias. Eles queixam-se muito disso, que a imprensa favorece o partido no poder, mas parece-me que com esta oposição o MPLA está tranquilo: tem mais cem anos. Portanto será interessante vermos esta experiência de um novo partido e ver se agita um bocado as águas.

(...)

O que lhe parece a “ousadia” de Lukoki durante a última reunião do Comité central onde terá levantado a questão da distribuição da riqueza nacional e a da sucessão como pontos para uma próxima reunião do CC, por sinal agendada para esta sexta-feira.

O Ambrósio Lukoki, de quem me orgulho de ser amigo, é um homem vertical, de grande coragem e frontalidade, qualidades essas que lhe têm valido problemas sérios. Ele só teve a ousadia de dizer o que mais de metade da sala pensava mas, como sempre, cala. Fora, batem-lhe nas costas a dizer, falaste bem. Lá dentro, nem o defendem dos mesmos mabecos de sempre, a tentar morder as canelas dos grandes homens.
Como é que se processará a transição de JES para um novo PR?

Esta é outra questão que devia ser pacifica, banal e que se torna um problema quase divino. O mundo acaba quando se pensa na sucessão. Deveria ser uma coisa quase banal porque as pessoas vão, deixam os cargos, vão descansar, é normal essa substituição de geração. E tem havido essa substituição de geração ao nível do MPLA, nas estruturas intermédias e mesmo ao nível do Bureau Político onde hoje há pessoas que são bastante mais novas do que aqueles que fizeram a luta de libertação. Agora, realmente esta é uma questão que acaba por se tornar complicada e quanto mais há segredos a volta disso, mais secretismo mais complicado fica.

E já é hora de se desmistificar essa questão?

Exactamente, abre-se o jogo tranquilamente. O Presidente não é eterno, ninguém é eterno, só Deus para os crentes. Nem o planeta terra é eterno. Acreditamos que tem de haver uma substituição, vamos ver quando, como e falamos sobre isso. Mas é um tabu, é um sacrilégio, mas é claro que toda a gente anda a murmurar nos cantos.

Não será por causa de algumas resistências internas?

Provavelmente haverá várias forcas a querer ganhar mais poder, representadas por pessoas, essa é uma realidade que acontece nos partidos, há lutas. Agora podem ser lutas mais abertas ou mais tranquilas.

E neste caso?

Neste caso é um tabu. E eu acho que as pessoas têm medo que AB ou C estejam a pensar qualquer coisa. Houve umas pessoas que aqui há uns anos atrás admitiam a hipótese de ser candidatos, mas isso é normal, mas as pessoas normalmente criam uma onda de indignação que percorre as fileiras porque alguém ousou dizer que pode substituir o presidente.

(...)

Quando falamos do impacto das manifestações e em face dos novos desenvolvimentos o que lhe pergunto é: Será mesmo que a visão de que os militantes despertaram pelo facto de serem muito mais contra o exíguo número de manifestantes é verdade, quando vemos as imagens da porrada a que foram alvos na sua última manifestação. Ou como explicar isso?

O MPLA de facto aparenta ter mais medo dos jovens que tentam se manifestar que dos partidos da oposição. Estes são aparelhos e como tal podem ser controlados, manobrados, enfraquecidos, etc... Já os manifestantes, mobilizados por meios mais difíceis de controlar, podem aparecer como um perigo muito maior, imprevisível. Parece absurdo um partido que diz ter cinco milhões de membros tremer perante um pequeno grupo de jovens que quer gritar a sua revolta, mas é um facto. Por outro lado, esse pequeno grupo poderá crescer por causa da resposta inadequada das autoridades. Não é aceitável que apareçam pessoas, que se declaram organizadas, atacando os manifestantes, impedindo que eles exerçam um direito constitucional, perante órgãos do Estado, impávidos e serenos. Assim não se aprofunda a democracia, antes pelo contrário, indica uma regressão que acabará por sair muito cara num futuro mais ou menos breve. Quem impede uma manifestação legítima e pacífica tem de ser processado e posto em situação de não voltar a repetir o gesto, seja quem for o seu mandante. Este filme já foi visto, demasiado parecido com os lumpens recrutados por Mussolini e Hitler para atacar os verdadeiros democratas e progressistas. Para que não seja o caso, o Estado tem de ser claro: está do lado da Constituição ou contra ela?

(...)

Como avalia as relações entre Angola e Portugal?

De um modo geral são boas. Foram más e estão melhores. Acho que há equívocos. Bastantes equívocos.

Que equívocos?

Acho que há algumas pessoas na parte angolana. Por um lado, um certo saudosismo e, por outro lado, uma espécie de revanche e em termos económicos há uma vontade de comprar coisas em Portugal fazendo por vezes péssimos negócios. Eu também vi que a Sonangol comprou coisas no Iraque e no Irão que foram um desastre, nem se fala nisso, mas temos de ter atenção porque está-se a meter dinheiro do Estado. Agora, os particulares se querem ter um castelo, isso ai é com eles. Acho que devia haver maior transparência. Que a nação fosse informada que foram compradas quotas ou empresas e que não saibamos disso só quando há uma maka lá fora. E no caso de Portugal há negócios muito escuros e muitos deles serão prejudiciais a Angola e entretanto vemos algumas pessoas que nunca gostaram de nós e que agora abraçam-nos e só não bejam na boca porque parece mal. São relações de conveniência, no discurso oficial são relações de amizade e o passado comum. Mas isso é conversa. O negócio entre os países é feito apenas na base de interesses. E não há aqui sentimentos, sentimentos há entre nós intelectuais, mas os assuntos de Estado são negócios.

(...)

4 anos depois, como avalia o mandato de Barack Obama?

Eu sou um dos que ficou muito entusiasmado por Obama antes dele ser eleito. Eu conheci o Obama em 2004 quando estive uma época nos EUA e em que ele começava a despontar no partido democrata.
Vários amigos meus chamavam-me atenção e quando ele profere aquele discurso magnifico de apresentação do John Terry então diziam que eche homo (ai está o homem!). eu torci por ele. E sempre disse que no dia seguinte à sua eleição estaria contra ele porque a partir do momento em que ele é o Presidente dos Estados Unidos faria uma política da qual não estaria de acordo.
De qualquer modo acho que foi um avanço civilizacional ele ter sido eleito, mas para uma pessoa que recebe o prémio nobel logo no primeiro ano de mandato acho que já fez guerras há mais. E ainda se está a preparar para fazer outra. Gostaria de dizê-lo isso na cara. É verdade que já havia muito prémio nobel mal atribuído, mas para quem não tinha feito nada ainda pela paz e ele recebeu logo é porque o mundo ou o comité nobel, queria que ele fizesse mais. Também é verdade que ele é muito travado nos EUA por preconceitos por uma série de governadores.

Acha que ele tem menos poderes do que Bush?

Tem porque ele está a governar sem maioria.

Mas ele só perdeu a maioria há meio do mandato?

Tinha uma ligeira maioria, mas que perdeu logo.

Será reeleito.

Acho que sim. Porque este ano a economia irá melhorar um bocadinho.

Não será por ter morto Bin Laden, Kadaffi e outros?

Não, isso é importante durante um ou dois meses, mas depois esquecese, perde-se. O que é importante nos EUA é mesmo a economia. O americano só pensa em dólares, só dólares e mais nada. É isso que temos de saber. Se a economia estiver a andar bem como está a acontecer com a diminuição do emprego, ele ganha. Por outro lado, também não tem oposição. Aquela oposição, francamente...

Pior do que a nossa?

(Risos)... Pior do que a nossa... está lá perto, mas parece que o Obama em dois debate rebenta o Romney milionário e se ele adopta aquele discurso populista do eu negro vindo de uma família media que tive de trabalhar muito ao contrário de ti que nasceste já no meio do ouro,
arruma-o...

Acha que a China conseguirá atingir o estatuto de superpotência?

Está a fazer tudo por isso. Até aumentou bastante o seu orçamento militar, que era o que faltava. Portanto, penso que sim.

Neste caso teremos um mundo bipolar?

Depende um bocado da evolução da India que é um outro país que pode fazer frente aos EUA e a China. Eu não conto mais com a União Europeia que está em declínio total. Começa a parecer-se com a União Africana, qualquer dia acaba, porque a União africana já acabou há muito tempo.
E agora, a India é uma outra potencia que está a despontar tal como o Brasil que com a Argentina podem tornar a América Latina uma zona ouvida, uma outra fonte para distribuir melhor o poder no mundo.

Faltaria apenas África.

África ainda está longe. Não há nenhum país no continente que ascenda assim, talvez uma região, o sul do continente, mais ou menos a SADC que poderá vir a ser uma potencia e isso ainda demorará muito tempo. Tem que se estabelecer o Estado nação e depois avançar-se para a integração regional e isso levará uns bons anos.

(...)

O que lhe parece esta reforma educativa?

Para lhe dizer a verdade, conheço mal e não posso entrar, com profundidade em termos técnicos. Agora, eu acho que ela vem muito tarde. Deveria ter sido feita há muito mais tempo. Eu fiz parte da equipa que concebeu o sistema que substitui o sistema colonial e ao fim de quarto anos nós reconhecíamos que havia ali coisas a mudar. Entretanto, a equipa dispersou-se e ninguém pegou no assunto estes últimos anos. Saúdo o facto de se ter feito uma reforma porque o sistema estava desfasado da realidade actual do país.

Esta é a polémica da inexistência de exames em muitas classes?

E mesmo a matéria que é dada. Os programas são demasiado leves. Dá-me a impressão. Agora não sou muito categórico porque não estudei e não sou propriamente um pedagogo. Trabalhei na educação, mas nunca fui pedagogo. Eu espero que funcione e se há coisas há mudar que seja o mais rapidamente possível do que foi anteriormente. Por exemplo, eu tenho algumas dúvidas sobre essa questão de um professor conseguir dar seis classes, que é a grande discussão que tem havido. Parece-me de mais e no sistema anterior o professor acompanhava os alunos em quatro classes e tínhamos problemas de falta de professores. Quer-se prolonger até à sexta classe, mas isso exige professores melhores preparados e, para lhe ser franco, não sei se temos. Do que oiço ultimamente, a matéria que se dá nestas seis classes corresponde ao que se dava nas quatro primeiras anteriores e aí acho que, se isso é verdade, é muito pouca exigência.

Nem condiz com aquilo que é a tendência mundial onde os estudantes ficam cada vez menos tempo no sistema de ensino, ao passo que aqui estamos a prolongar o tempo dos estudantes no sistema, com todas as consequências disso até mesmo em termos de custos?

Se isso continuar assim, duvido que o aluno, ao fim dos 12 ou 13 anos esteja preparado para entrar para a Universidade. É verdade que nunca tivemos, em Angola, em termos gerais, alunos devidamente preparados para estar na Universidade, apesar dos extraordinários. É preciso que se altere rapidamente isso, colocando rigor na base e no topo também. Bons professores devem estar na base desta pirâmide e em cima ao mesmo tempo, mas na base tem de haver rigor.

(...)

Nem sempre Luanda mas utiliza muitas vezes uma cidade que denomina “Calpe”.

Calpe é qualquer coisa que não é nada.

Ou que é Luanda?

Às vezes parece Luanda, outras vezes não. A primeira vez que eu utilizei Calpé foi em Mwana Puó que foi escrita em 1969 e eu só conheci Luanda em 1974. Tinha passado por Luanda quando fui estudar em Portugal, mas não conheci. Mas em “Parábola do Cagado Velho”, Calpe é Luanda na parte má, um tom ameaçador, os vícios, mas em “Quase fim do Mundo” terá alguma coisa, mas não está muito definido. Quando quero fugir um bocado a que se situe ponho Calpe. Não me importa nada que se caracterize do modo diferente.

[Extractos de entrevista de Pepetela ao Novo Jornal # 218 - 23/03/2012]


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