Wednesday, 23 March 2011

OLHARES DIVERSOS (XXVI)


Paula Simmons


Março é um mês dedicado à mulher angolana. Que balanço se pode fazer da luta pela igualdade?

Angola tem, do ponto de vista institucional, dos mais modernos e avançados mecanismos, nomeadamente ao nível da legislação, para a protecção dos direitos da mulher e do reconhecimento desses direitos de forma a assegurar a igualdade entre o género na sociedade.

No entanto, Angola tem, do ponto de vista social e cultural o percurso que, na história da Humanidade, levou às situações de desigualdade.

Creio que já tivemos momentos mais progressistas na luta pelos direitos de igualdade. Este parece-me ser um momento mais conservador em relação a essa luta. O caminho será muito longo, é preciso nunca desistir de o percorrer.

Qual seria o conceito de emancipação numa sociedade como a nossa?

A emancipação não tem conceitos diferentes. Nem a igualdade. O direito à igualdade entre os membros de uma sociedade é universal.

E esses direitos à igualdade entre cidadãos não são datados, são intemporais. O que me parece é que este é um momento em que a sociedade se vira para a necessidade de reforço dos valores de estabilidade assentes na família como no núcleo da sociedade e que se coloca a responsabilidade dessa estabilidade na mulher. Essa responsabilidade tem que ser partilhada.

O esforço pela união familiar e de tolerância em nome dessa união, deve ser responsabilidade assumida a dois, pelo homem e pela mulher que juntos decidem formar e assumir uma família.

Que circunstâncias restringem a liberdade da mulher angolana, se é que há?

O nível de desenvolvimento e de formação dos povos e dos países é sempre determinante para a liberdade dos seus intervenientes. Quanto maior for o desenvolvimento, a estabilidade, o bem-estar, quanto mais justa for uma sociedade, maior será a liberdade da mulher. Tudo o que os homens escreveram sobre as mulheres deve ser suspeito, pois eles são, a um tempo, juiz e parte, disse alguém. Concorda? (risos) concordo sim. E creio que o inverso seria também verdadeiro num caso em que a mulher fosse juíz e parte...

O presente envolve o passado e no passado toda a História foi feita pelos homens. Ainda se pode evocar a História para se justificar o estatuto actual da mulher?

Sim. Sem dúvida. Os processos sociais não são intermitentes. Há sempre um antes determinante para o agora que faz passagem para o depois. A História é determinante para a compreensão de todos os processos actuais e é determinante também para a compreensão dos processos de desigualdade e descriminação, sejam eles de que natureza for.

Para o homem o termo "macho" soa a elogio. Para mulher o termo "fêmea" é pejorativo. Porquê?

Talvez porque quem determina o que deve parecer ou soar pejorativo seja o conjuntos das inter-relações sociais. As palavras, em si, não são pejorativas. O que as torna mais ou menos depreciativas e ofensivas é o contexto e o conteúdo que é dado a cada palavra em cada momento determinado. Não acho pejorativo o termo “fêmea”, ele é usado de forma pejorativa, Assim como me parece muito pejorativa a forma como se usa a palavra macho para referir alguns HOMENS.

Acha que a condição financeira contribuiu para a emancipação da mulher?

Evidentemente. E de forma determinante. Uma mulher economicamente capaz de se proteger, a si e aos seus filhos, é menos vulnerável. Qualquer ser humano é tanto mais independente quanto maior for a sua autonomia financeira.

Não se nasce mulher, torna-se. Diz Simone de Beauvoir. Como é que a Paula interpreta essa frase?

As frases têm um contexto. Vista assim, a frase não faz sentido. Biologicamente nascemos mulheres e isso é determinante. Homens e mulheres não são iguais. São muito diferentes e isso não é mau. Mau é os seres humanos acharem que as diferenças tornam uns superiores e outros inferiores.

Se conheço Simone de Beauvoir, o conceito “ser mulher” neste caso, deve remeter-nos para uma análise daquilo que a sociedade acaba por nos “tornar” em função do género, ou seja, dos papéis a que a sociedade nos remete em função de sermos homens ou mulheres.

As mulheres só ganham o que os homens querem conceder? Ou seja, as mulheres só se afirmam socialmente quando os homens permitem?

Acho que as sociedades são ainda muito machistas. A nossa e não só. E que realmente as mulheres têm de trabalhar o dobro para se afirmarem. Aos descriminados são sempre exigidas mais provas das suas capacidades e a discriminação da mulher ainda é uma realidade que precisamos transformar.

Os homens queixam-se que a mulher quando tem mais posses financeiras maltrata o homem. É a maneira de se afirmar perante os homens?

Não me parece que seja verdadeira a afirmação. Que dizer de todos os homens que, com poder económico, maltratam as mulheres? A questão do poder financeiro é mais um preconceito social a minar o equilíbrio nas relações entre homens e mulheres que devem ser parceiros nos processos todos.

Alguma vez sentiu complexo de competir com homens para uma vaga?

Não, nunca senti. Assumo os meus processos profissionais apenas com base no profissionalismo.

Que futuro perspectiva para a mulher angolana?

Um caminho longo, muito longo de árduas jornadas de trabalho e de luta. Um caminho que temos que seguir.

O gosto por muitos filhos das mulheres, sejam elas angolanas ou não, é uma questão de educação cultural ou falta de formação?

É muitas vezes até uma questão pessoal...hoje em dia, se as mulheres podem escolher e se lhes é dada essa oportunidade, é cada vez mais uma questão de opção para a família que se forma. Há casos de pessoas com muita formação académica que optam por ter muitos filhos...


[Aqui]


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Olhares Diversos VII

Olhares Diversos VIII

and

Olhares Diversos (I)
{...which brings this series to a 'full circle'...}


Paula Simmons


Março é um mês dedicado à mulher angolana. Que balanço se pode fazer da luta pela igualdade?

Angola tem, do ponto de vista institucional, dos mais modernos e avançados mecanismos, nomeadamente ao nível da legislação, para a protecção dos direitos da mulher e do reconhecimento desses direitos de forma a assegurar a igualdade entre o género na sociedade.

No entanto, Angola tem, do ponto de vista social e cultural o percurso que, na história da Humanidade, levou às situações de desigualdade.

Creio que já tivemos momentos mais progressistas na luta pelos direitos de igualdade. Este parece-me ser um momento mais conservador em relação a essa luta. O caminho será muito longo, é preciso nunca desistir de o percorrer.

Qual seria o conceito de emancipação numa sociedade como a nossa?

A emancipação não tem conceitos diferentes. Nem a igualdade. O direito à igualdade entre os membros de uma sociedade é universal.

E esses direitos à igualdade entre cidadãos não são datados, são intemporais. O que me parece é que este é um momento em que a sociedade se vira para a necessidade de reforço dos valores de estabilidade assentes na família como no núcleo da sociedade e que se coloca a responsabilidade dessa estabilidade na mulher. Essa responsabilidade tem que ser partilhada.

O esforço pela união familiar e de tolerância em nome dessa união, deve ser responsabilidade assumida a dois, pelo homem e pela mulher que juntos decidem formar e assumir uma família.

Que circunstâncias restringem a liberdade da mulher angolana, se é que há?

O nível de desenvolvimento e de formação dos povos e dos países é sempre determinante para a liberdade dos seus intervenientes. Quanto maior for o desenvolvimento, a estabilidade, o bem-estar, quanto mais justa for uma sociedade, maior será a liberdade da mulher. Tudo o que os homens escreveram sobre as mulheres deve ser suspeito, pois eles são, a um tempo, juiz e parte, disse alguém. Concorda? (risos) concordo sim. E creio que o inverso seria também verdadeiro num caso em que a mulher fosse juíz e parte...

O presente envolve o passado e no passado toda a História foi feita pelos homens. Ainda se pode evocar a História para se justificar o estatuto actual da mulher?

Sim. Sem dúvida. Os processos sociais não são intermitentes. Há sempre um antes determinante para o agora que faz passagem para o depois. A História é determinante para a compreensão de todos os processos actuais e é determinante também para a compreensão dos processos de desigualdade e descriminação, sejam eles de que natureza for.

Para o homem o termo "macho" soa a elogio. Para mulher o termo "fêmea" é pejorativo. Porquê?

Talvez porque quem determina o que deve parecer ou soar pejorativo seja o conjuntos das inter-relações sociais. As palavras, em si, não são pejorativas. O que as torna mais ou menos depreciativas e ofensivas é o contexto e o conteúdo que é dado a cada palavra em cada momento determinado. Não acho pejorativo o termo “fêmea”, ele é usado de forma pejorativa, Assim como me parece muito pejorativa a forma como se usa a palavra macho para referir alguns HOMENS.

Acha que a condição financeira contribuiu para a emancipação da mulher?

Evidentemente. E de forma determinante. Uma mulher economicamente capaz de se proteger, a si e aos seus filhos, é menos vulnerável. Qualquer ser humano é tanto mais independente quanto maior for a sua autonomia financeira.

Não se nasce mulher, torna-se. Diz Simone de Beauvoir. Como é que a Paula interpreta essa frase?

As frases têm um contexto. Vista assim, a frase não faz sentido. Biologicamente nascemos mulheres e isso é determinante. Homens e mulheres não são iguais. São muito diferentes e isso não é mau. Mau é os seres humanos acharem que as diferenças tornam uns superiores e outros inferiores.

Se conheço Simone de Beauvoir, o conceito “ser mulher” neste caso, deve remeter-nos para uma análise daquilo que a sociedade acaba por nos “tornar” em função do género, ou seja, dos papéis a que a sociedade nos remete em função de sermos homens ou mulheres.

As mulheres só ganham o que os homens querem conceder? Ou seja, as mulheres só se afirmam socialmente quando os homens permitem?

Acho que as sociedades são ainda muito machistas. A nossa e não só. E que realmente as mulheres têm de trabalhar o dobro para se afirmarem. Aos descriminados são sempre exigidas mais provas das suas capacidades e a discriminação da mulher ainda é uma realidade que precisamos transformar.

Os homens queixam-se que a mulher quando tem mais posses financeiras maltrata o homem. É a maneira de se afirmar perante os homens?

Não me parece que seja verdadeira a afirmação. Que dizer de todos os homens que, com poder económico, maltratam as mulheres? A questão do poder financeiro é mais um preconceito social a minar o equilíbrio nas relações entre homens e mulheres que devem ser parceiros nos processos todos.

Alguma vez sentiu complexo de competir com homens para uma vaga?

Não, nunca senti. Assumo os meus processos profissionais apenas com base no profissionalismo.

Que futuro perspectiva para a mulher angolana?

Um caminho longo, muito longo de árduas jornadas de trabalho e de luta. Um caminho que temos que seguir.

O gosto por muitos filhos das mulheres, sejam elas angolanas ou não, é uma questão de educação cultural ou falta de formação?

É muitas vezes até uma questão pessoal...hoje em dia, se as mulheres podem escolher e se lhes é dada essa oportunidade, é cada vez mais uma questão de opção para a família que se forma. Há casos de pessoas com muita formação académica que optam por ter muitos filhos...


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{...which brings this series to a 'full circle'...}

2 comments:

Koluki said...

Varias consideracoes me sao suscitadas por esta entrevista - em particular no que se refere a famosa frase de Simone de Beauvoir que, como amplamente registado neste blog, ja' me foi atirada como "arma de arremesso" por outras mulheres, tendo a forma e o contexto em que o fizeram apenas revelado que elas realmente nunca conheceram muito bem a filosofia de Beauvoir, tao pouco os detalhes da sua vida privada ou, mais preocupante ainda, a problematica da sua contextualizacao nas sociedades Africanas, passadas e contemporaneas...

No entanto, tentando manter o mais possivel a "tradicao" desta serie, prefiro nao as tecer aqui em maior detalhe, mesmo porque ja' o fiz em varios outros posts e, especialmente, numa celebre "Confissao a Sant'Ana da Muxima" que acabei depois por retirar.

Nao posso, todavia, deixar de destacar esta boutade:
"O presente envolve o passado e no passado toda a História foi feita pelos homens. Ainda se pode evocar a História para se justificar o estatuto actual da mulher?"

Nao teria sido mais apropriado dizer-se que "no passado toda a Historia foi ESCRITA pelos homens e, sendo as mulheres alegadamente 'o sexo fraco', dos fracos nao reza a Historia"?!...

Anonymous said...

Realmente. No pais das Ginga Mbandi, Kimpa Vita, Ana Joaquina, Deolinda Rodrigues e muitas outras heroinas historicas, vir dizer que toda a historia foi feita pelos homens so pode ser calinada da grossssaaa!!!
Bem hajam as Mulheres Angolanas!