Sunday, 13 May 2012

Gostei de Ler [8]*







Carta ao Director

UM REPARO

«Há trinta e oito anos, numa atmosfera de grande efervescência política, o 1º de Maio de 1974, que deveria ser celebrado pela primeira vez em Angola após 500 anos de colonização portuguesa como Dia Internacional dos Trabalhadores, foi brutalmente reprimido em Luanda pelas autoridades então detentoras do poder…» escreveu-se no editorial do nº 224 do Jornal Novo, repetindo o que historiadores portugueses declaram ter escutado recentemente da boca de intelectual angolano com responsabilidades na área da cultura.

Pelo muito respeito que me merece o Jornal Novo, permitam que faça um reparo à utilização deste argumento da propaganda do Estado Novo, quando este procurava fundamentar o direito histórico de permanecer nas colónias e, simultaneamente, legitimar a guerra em sua defesa. Com efeito, a ocupação efectiva de Angola foi, durante séculos, muito limitada. Ainda em meados do século XIX, esta ocupação se reduzia a uma estreita faixa costeira de 80 a 130 quilómetros de largura média, sem limites definidos para o interior. No Norte, o território ocupado alargava-se um tanto, abrangendo as duas margens do Zaire até à actual Matadi. No Sul, a sueste de Benguela, a soberania portuguesa alcançava Caconda, uns 240 quilómetros a oriente do mar. A própria linha costeira só se conhecia com pormenor até Benguela.

Quanto ao número de portugueses em Angola, já em 1911, não ia além das 12 mil pessoas. E nessa altura, a única cidade digna desse nome era Luanda. Não tem, pois, sentido falar de «500 anos de ocupação colonial». É facto, que Portugal foi pioneiro no contacto com as populações da costa angolana, contactos que remontam ao século XV. E que os portugueses foram criando feitorias na costa, vocacionadas para o tráfico de ouro, de marfim e de escravos (actividade de responsabilidade partilhada entre portugueses negreiros, chefes africanos escravistas e uma elite crioula de intermediários).

De maneira que a ocupação efectiva só começou depois da Conferência de Berlim (1884- 1885), cujo Acto Geral, ao substituir os direitos históricos, forçou a um esforço rápido e praticamente impossível de envio de tropas e de funcionários civis para todas as áreas que Portugal pretendia suas. Envolvendo o país, nas últimas décadas do século XIX e nas primeiras do século XX, nas chamadas guerras de «pacificação». E assim, só nas décadas de 40 e 50 do século XX é que Angola adquiriu os contornos que muitos ainda conhecemos: quando era habitada por algumas centenas de milhar de portugueses. De modo que a presença efectiva de Portugal em Angola não terá excedido umas décadas.

Em conclusão. Os «500 anos de ocupação» foram falsidade colonialista que, de tão repetida, continuamos a dar por boa.

Dalila Cabrita Mateus

[in Novo Jornal, edicao #225]


[*] Apenas porque essa e' uma questao ja' bastante discutida neste blog - e.g., vejam-se os comentarios a este post e a este. Gostaria apenas de acrescentar uma observacao: do meu ponto de vista, tal como o argumento dos "500 anos" foi instrumental para a propaganda colonialista do Estado Novo, ele e' actualmente instrumental para a justificacao da "recolonizacao" e da "politica linguistica e cultural" do Estado Angolano desde a Independencia...



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Pelo muito respeito que me merece o Jornal Novo, permitam que faça um reparo à utilização deste argumento da propaganda do Estado Novo, quando este procurava fundamentar o direito histórico de permanecer nas colónias e, simultaneamente, legitimar a guerra em sua defesa. Com efeito, a ocupação efectiva de Angola foi, durante séculos, muito limitada. Ainda em meados do século XIX, esta ocupação se reduzia a uma estreita faixa costeira de 80 a 130 quilómetros de largura média, sem limites definidos para o interior. No Norte, o território ocupado alargava-se um tanto, abrangendo as duas margens do Zaire até à actual Matadi. No Sul, a sueste de Benguela, a soberania portuguesa alcançava Caconda, uns 240 quilómetros a oriente do mar. A própria linha costeira só se conhecia com pormenor até Benguela.

Quanto ao número de portugueses em Angola, já em 1911, não ia além das 12 mil pessoas. E nessa altura, a única cidade digna desse nome era Luanda. Não tem, pois, sentido falar de «500 anos de ocupação colonial». É facto, que Portugal foi pioneiro no contacto com as populações da costa angolana, contactos que remontam ao século XV. E que os portugueses foram criando feitorias na costa, vocacionadas para o tráfico de ouro, de marfim e de escravos (actividade de responsabilidade partilhada entre portugueses negreiros, chefes africanos escravistas e uma elite crioula de intermediários).

De maneira que a ocupação efectiva só começou depois da Conferência de Berlim (1884- 1885), cujo Acto Geral, ao substituir os direitos históricos, forçou a um esforço rápido e praticamente impossível de envio de tropas e de funcionários civis para todas as áreas que Portugal pretendia suas. Envolvendo o país, nas últimas décadas do século XIX e nas primeiras do século XX, nas chamadas guerras de «pacificação». E assim, só nas décadas de 40 e 50 do século XX é que Angola adquiriu os contornos que muitos ainda conhecemos: quando era habitada por algumas centenas de milhar de portugueses. De modo que a presença efectiva de Portugal em Angola não terá excedido umas décadas.

Em conclusão. Os «500 anos de ocupação» foram falsidade colonialista que, de tão repetida, continuamos a dar por boa.

Dalila Cabrita Mateus

[in Novo Jornal, edicao #225]


[*] Apenas porque essa e' uma questao ja' bastante discutida neste blog - e.g., vejam-se os comentarios a este post e a este. Gostaria apenas de acrescentar uma observacao: do meu ponto de vista, tal como o argumento dos "500 anos" foi instrumental para a propaganda colonialista do Estado Novo, ele e' actualmente instrumental para a justificacao da "recolonizacao" e da "politica linguistica e cultural" do Estado Angolano desde a Independencia...



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