[Continuacao daqui]
"A Pró‐AEESL tinha decidido fazer o seu «quartel‐general» no Liceu Feminino, que
ficava no coração da zona das escolas. Mas a Reitora via isso com maus olhos."
“(…) No Liceu Feminino existia um grupo restrito de alunas negras e mestiças da aristocracia angolana, a frequentar os últimos anos do Secundário – das famílias Van Dúnem, Espírito Santo e Mingas, entre outras –, e nos anos mais abaixo não havia muitas mais, embora já tivesse chegado aos dois primeiros anos do liceu uma vaga de alunos africanos de ascendência mais pobre. Havia uma espécie de separação rácica (…). Por exemplo, numa série de turmas correspondentes ao actual 8º ano, as alunas da turma A tinham 13 anos, eram normalmente brancas. As alunas da turma B tinham 13 anos mais um bocadinho, e já havia uma ou outra aluna negra. Quando se chegava à turma H eram quase todas negras. Não havia uma separação por raças, mas por idades. Coincidia. Tive alunas com dificuldades de horários, de dinheiro, de alimentação. As alunas negras viviam no muceque, estudavam a petróleo, quando chegavam a casa ainda tinham de ajudar a mãe a lavar a roupa e a fazer comida. Tinham uma vida diferente, com menos possibilidades à partida (…)”.
Entrevista à Reitora do Liceu Feminino, Darcília Salgado Zenha M. Correia, em 31/10/2010.
COMENTARIO: Esta passagem corresponde 'grosso modo' a descricao que fiz aqui e aqui das divisoes e sub-divisoes existentes no "Meu Liceu". Nao posso, no entanto, subscrever a generalizacao e estereotipificacao (?) que se faz do 'modus vivendi' das alunas negras nas duas ultimas frases: no meu caso concreto, sendo embora da ultima geracao que frequentou aquele liceu antes do periodo 1974/75 (sendo que, quando eu entrei em 72/73, ja' la' estava a minha irma mais velha, Elisa Santana, que fez todo o segundo ciclo e o complementar no Liceu Feminino, encontrando-se portanto no grupo das que estavam a frequentar os ultimos anos do secundario) e pertencesse a uma familia que, a varios titulos, poderia ser considerada "pobre (mas honesta e honrada)" nao me lembro de ter estudado a petroleo e, quanto ao resto, algumas das passagens deste post e deste talvez ajudem a elucidar algumas 'outras' "diferencas reais ou imaginarias"...
“Algumas docentes do Liceu Feminino evitavam ficar com as turmas destas alunas, detentoras de uma Cultura e Línguas distintas. Mas havia quem fizesse questão de as substituir, como a professora Aida Freudenthal. “(…) As meninas de origem Africana tinham começado a escolaridade mais tarde, tinham problemas de aproveitamento escolar, chumbavam mais. Talvez fossem 4 turmas em cada 10 ou 15. As dificuldades eram óbvias, em especial em Português. Não quer dizer que as brancas não tivessem dificuldades, que as tinham (…)”.
Entrevista a Aida Freudenthal em 10/11/2010. Investigadora em História de Angola. Nasceu em Moçambique, tirou Letras em Lisboa. Nos anos 60 foi do grupo de estudantes próximos do MPLA (a última geração da Casa dos Estudantes do Império). Participou na luta académica de 1962, ainda passou pela PIDE. Em 1965 foi para Angola, e ficou a dar aulas no Liceu Feminino. Esteve no gabinete da Educação do Governo de Transição, em 1975.
COMENTARIO: Mais uma vez, por razoes que daqui se podem aduzir, nao posso subscrever totalmente essa generalizacao do aproveitamento escolar das "meninas de origem Africana"... Mas "apraz-me" notar que, "afinale", sempre "vinhamos" de "Cultura e Linguas distintas"!... o que me remete para esta "outra narrativa"!...
As alunas do Liceu Feminino insurgiram-se contra as regras da casa. No encontro de 30 de Maio de 1974 reclamaram a abolição do regulamento interno e um novo tipo de relacionamento entre professoras e alunas. “(…) Reinava a ditadura. Nós não tínhamos voto na matéria. Havia que chegar a acordo com os professores. Queríamos abolir as batas, que usávamos quase abaixo do joelho, queríamos a abertura da zona das árvores de fruto (…), queriamos organizar actividades culturais (…)”. As primeiras reivindicações cedo passaram a outras atitudes. “(…) A primeira grande manifestação nos corredores do Liceu Feminino foi a propósito do caso entre uma professora indiana e uma aluna negra. Passou-se algo a nível disciplinar, sem importância. Mas usámos isso como pretexto para nos manifestarmos. A professora foi enxovalhada por nós. Movimentámos o liceu inteirinho a apupar a mulher, dizendo que era racista, e que tinha tratado mal a aluna porque era negra. Enchemos o liceu de comunicados contra a professora (…).”
Entrevista a Maria Adelina Batista em 20/1/2011. Nasceu em Coimbra, foi para Angola com 3 anos. Nesta altura tinha 17 anos, frequentava o 7º ano no Liceu Feminino. Era activista da Pro-AEESL.
COMENTARIO: Nao me lembro especificamente dessa "primeira grande manifestacao nos corredores do Liceu Feminino" (talvez porque, embora nao se diga a data em que ocorreu tal manifestacao, eu perdi parte do ME no periodo entre Junho e Setembro de 1974, em que, com a minha mae e irmas tinhamos estado de 'ferias graciosas' em Portugal). Lembro-me, no entanto, de um episodio similar, envolvendo um professor de origem Cabo-Verdiana e uma aluna Negra: ele tinha esbofeteado a aluna em plena sala de aula e, ai sim, lembro-me da manisfestacao da nossa indignacao pelos corredores do Liceu e nao so' em solidariedade para com a nossa colega!...
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