** [Postado inicialmente a 18/01/10; "repostado" a 28/08/10 e "re-repostado" hoje a proposito da materia a que podera' aceder clickando na imagem acima]
Por entre as euforias e desapontamentos do CAN, o ‘calcanhar de Aquiles’ de Cabinda, ou a tensao com os dois Congos, a (inevitavel, embora talvez insustentavel para alguns) tarefa nacional de substituir o Presidente Jose' Eduardo dos Santos parece estar na mente de muitos (senao todos) angolanos.
E nao e’ tarefa facil.
Desde logo porque o corrente embroglio politico-constitucional (aparentemente de sua inteira criacao) a torna mais complexa do que ja’ o seria por natureza. Mas, qualquer que seja o seu desfecho – aparentemente previsivel segundo as linhas da ja’ famigerada (consagrada?) 'proposta C' [*] – a tarefa apresenta-se incontornavel: JES nao pode, nem deve, perpectuar-se na Presidencia do pais Angola. Nao pode, simplesmente porque, tanto as leis da vida, quanto a ingente democratizacao da sociedade a todos os niveis, assim o exigem. Nao deve, claramente porque a preservacao do que havera’ de defensavel no seu longo mandato de tres decadas assim o reclama.
Tomemos, entao, “substituir JES” como uma tarefa a colocar na agenda nacional (tanto quanto possivel de consenso) para execucao num horizonte temporal curto, medio ou longo, mas previsivel e inevitavel. Tal agendamento passara’ necessariamente por pelo menos tres passos:
A. Uma tao rigorosa quanto possivel escrutinizacao do seu exercicio;
B. A consideracao das possiveis alternativas;
C. A avaliacao de tais alternativas contra o pano de fundo do pulsar politico, economico, social e cultural do pais real.
Porque, manifestamente, nao e’ tarefa facil, restringir-me-ei nesta abordagem inicial ao enunciado primeiro passo.
A. O Bom, o Mau e o Feio
Escrutinizar o mandato de JES, mesmo porque ele encompassa tres decadas marcadas por profundas mudancas no tecido socio-economico e politico do pais e no seu posicionamento estrategico internacional, nao pode ser, assim o exige um minimo de rigor analitico, um exercicio unidimensional.
Havera’, por conseguinte, que colocar na balanca os varios vectores da sua prestacao que, para facilidade de equacionamento e exposicao, sintetizaria nas populares (e reconheco que algo redutoras e caricaturizantes, sem contudo deixarem de ser uteis) categorias de “bom, mau e feio” (em Ingles, "the good, the bad and the ugly").
'O Bom'
Tenho para mim que, no balanco final, JES emergira’ na historia angolana do pos-independencia como um bom gestor de conflitos macro-sociais e, consequentemente, politicos.
Efectivamente, e apenas para mencionar o exemplo mais eloquoente, dificilmente se lhe retirara’ o merito de ter conseguido manter sob contencao e ate’ de o ter distendido quase ao ponto de esvaziamento, o barril de polvora socio-politico e racial herdado do 27 de Maio de 1977.
Igual merito lhe cabera’ na integracao politico-institucional e na acomodacao etnico-tribal do pos-guerra, bem como na gestao dos processos de pacificacao e de transicao democratica do pais.
Meritos, obviamente nao exclusivos nem totais (e alguns dos excluidos e rejeitados desses processos - certamente por nao terem qualquer vocacao para lamber botas de quem quer que seja... - aqui estao para o confirmar !), mas meritos de qualquer modo.
'O Mau'
Tendo sido, aparentemente, um bom gestor de conflitos ao nivel “macro”, JES tera’ sido, talvez em igual medida, um mau gestor de conflitos ao nivel “micro”. Nesta categoria inserem-se os conflitos de caracter particular e pessoal gerados pela sua gestao, como “chefe incontestavel”, de virtualmente todos os orgaos de decisao politico-institucional, do aparelho governativo e dos seus servidores e da regulacao do partido maioritario que dirige. E’ esta vertente do exercicio do seu poder que tende a atrair as cada vez mais insistentes e generalizadas acusacoes de “lambebotismo” e outros “ismos” menos abonatorios para a sua imagem. Mas, por entre tais acusacoes, talvez nao seja completamente despropositado colocar as seguintes questoes:
i) Seria de esperar outro comportamento numa sociedade ainda em transicao para uma democracia plena (tanto em termos representativos quanto participativos) e gerida durante quase todo o seu pos-independencia (antecedido, nunca sera’ demais lembra-lo, de um regime colonial-fascista de longa duracao) sob um sistema mono-partidario? E, nisso, por um partido unico gerido por um “centralismo democratico” que se consubstanciou num mecanismo de tomada de decisoes por um restrito “comite’ central” e um ainda mais restrito “bureau politico” sob o estrito comando do “chefe”, cabendo aos militantes intermedios e de base apenas a prerrogativa de votarem com a mao no ar (ou, mais recentemente, por “voto discreto”) nos seus espacados conclaves aos mais diversos niveis?
ii) Seria de esperar outro comportamento por entre um substracto ideologico balizado por “lideres imortais, intocaveis e incontestaveis”, nao apenas a nivel nacional, como a todos os outros niveis, sectores e instituicoes, incluindo o governo e os partidos politicos, passando pelos mundos empresarial, dos midia, das artes e das letras e pela propria academia?
iii) Seria de esperar outro comportamento no seio de uma cultura politica e de uma praxis social que ainda “nao se dao muito bem”, para dizer o minimo, com conceitos como "competicao honesta", “meritocracia” e “cultura do debate”?
Serao as possiveis respostas logicas a essas questoes ilibadoras da ma’ prestacao de JES nesse dominio? Nao necessariamente. Mas creio que poderao contribuir para uma melhor contextualizacao dessa mesma prestacao no espaco e tempo historico-politicos em que se desempenhou e para uma mais ampla, objectiva, realista e criteriosa avaliacao das alternativas possiveis.
'O Feio'
Nepotismo.
Enriquecimento ilicito.
Falta de transparencia governativa e de responsabilizacao e punicao dos (maus) gestores publicos.
Delapidacao praticamente generalizada do erario publico.
Hostilizacao, depauperamento, marginalizacao economica e exclusao social da maioria da populacao.
Assim se resumira’ essa vertente mais danosa do exercicio de JES, para a qual se poderao igualmente encontrar raizes culturais e sistemicas - mesmo que nao lhe possam ser inteira ou exclusivamente imputadas - mas que, inexoravelmente, tende a eclipsar completamente os seus lados mais defensaveis. E e’ essa vertente que exige que ele abandone o poder mais cedo do que tarde – iniciativas de ”tolerancia zero” [**], pecando por tardias para travar tal inevitabilidade, nao obstante.
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[**] Dias depois, no seu acto de posse como Presidente da Terceira Republica resultante da "resolucao do embroglio constitucional", JES viria a 'acrescentar alguma carne ao esqueleto' da sua "tolerancia zero".
"Esquerda Democratica"?
E Assim Comeca o Annus Angolensis
E Se Os Paises Africanos Fossem Os EUA?
A Tarefa de Substituir JES (II)
3 comments:
Quando o Velho, Salazar, se aprestava a apresentar contas ao Criador, appossou-se da turbe um crescente pânico - o "mundo" ia, iria acabar!!!
O também já Velho, Adriano Moreira, terá feito saber/dito à turbe em transe:
"Estou farto de visitar campas de homens insubstituíveis"
E, naquele tempo já distante, e tão perto, eu que eu apenas um muana Sena/Podzo mais claro, ou um Tuga mais escuro, grande confusão que é!, contudo branco de 2ª classe, dizia, tremia também inconscientemente com as tremuras dos outros à minha volta.
Mas logo ia jogar aos berlindes, ou jogar à bola com TODOS os outros muanas...
Mas nunca esqueci a frase do Velho A.Moreira.
Até hoje, até sempre...
Obrigada pela achega umBhalane - de facto, frase a nao esquecer...
“passando pela própria academia”, ou a começar pela própria academia?
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