Tuesday, 9 January 2007

MAIS UM TEXTO (RE)PESCADO DO MIA COUTO...

Ia casualmente navegando corrente abaixo nos caminhos do rio, quando se dei encontro com um blog, nome dele e’ A Materia do Tempo, dono dele e’ Denudado, onde que este Koluki esta’ listado entre seus 'companheiros de jornada' (... obrigada e igualmente!) e onde que pesquei mbora mais um texto do Mia de ha uns anos atras...
Este nao me suscita apetite para 'makas de sanzala' (e, por falar nisso, ainda nao acabei de recozinhar as receitas todas na maka suscitada pelo outro texto sobre o 'jet-set nacional' – repescar aqui – mas a elas voltarei um dia destes), embora tenha ca’ as minhas dissonancias em relacao a leitura que ele faz de alguns factos historicos. Mas isso, ele (autor de 'Cada Homem e’ uma Raca' – e lembro-me agora que o conheci pessoalmente na apresentacao da primeira edicao desse seu livro em Lisboa, ja la vai mais de uma decada, que tinha uma capa diferente, para mim melhor, do que essa ai da foto que e' da nona edicao...), melhor do que ninguem entendera’ que, como dizia o Joao Passarinheiro, “... A pessoa e’ uma humanidade individual” e, portanto, cada uma dessas “humanidades” tera’ a sua maneira individual de (re)pescar o que as correntes da Historia nos trazem...


Aqui vao partes de um dos seus capitulos (o texto completo pode ser pescado aqui):

A CULTURA E A ECONOMIA - O QUE PODEMOS FAZER ?
(in Texto apresentado por Mia Couto na
AMECON – Associação Moçambicana de Economistas:
Economia- A FRONTEIRA DA CULTURA
30.09.2003)

O que podemos fazer é interrogar sem medo e dialogar com espirito critico. Infelizmente, o nosso ambiente de debate se revela pobre. Mais grave ainda, ele tornou-se perverso: em lugar de confrontar ideias, agridem-se pessoas. O que podemos fazer com os conceitos sócio-económicos é reproduzir aquilo que fizemos com a capulana e com a mandioca. E já agora com a língua portuguesa. Tornámo-los nossos, porque os experimentamos e vivemos à nossa maneira.

Como um parêntesis queria fazer aqui referência a algo que assume o estatuto de pouca-vergonha. Eu já vi pessoas credenciadas a defender a tese da acumulação primitiva do capital justificando o comportamento criminoso de alguns dos nossos novos-ricos. Isto já não é apenas ignorância: é má-fé, ausência completa de escrúpulos morais e intelectuais.

Estamos hoje construir a nossa própria modernidade. E quero congratular esta ocasião em que um homem das letras (que se confessa ignorante em matérias de economia) tenha a possibilidade de partilhar algumas reflexões. A economia necessita de falar, de namorar com as outras esferas da vida nacional. O discurso económico não pode ser a religião dessa nossa modernidade nem a economia pode ser um altar ante o qual nos ajoelhamos. Não podemos entregar a especialistas o direito de conduzir as nossas vidas pessoais e os nossos destinos nacionais.

O economista não é apenas aquele que sabe de economia. É aquele que pode sair do pensamento económico, aquele que se liberta da sua própria formação para a ela melhor regressar. Esta possibilidade de emigração da sua própria condição é fundamental para que tenhamos economistas nossos que se distanciem da economia o suficiente para a poder interrogar.

A situação do nosso país e do nosso continente é tão séria que já (não) podemos continuar fazendo de conta que fazemos. Temos que fazer. Temos que criar, construir alternativas e desenhar caminhos verdadeiros e credíveis. O nosso continente corre o risco de ser um território esquecido, secundarizado pelas estratégias de integração global. Quando digo “esquecido” pensarão que me refiro à atitude das grandes potências. Mas eu refiro-me às nossas próprias elites que viraram costas às responsabilidades para os seus povos, à forma como o seu comportamento predador ajuda a denegrir a nossa imagem e fere a dignidade de todos os africanos.

O discurso de grande parte dos políticos é feito de lugares-comuns, incapazes de entender a complexidade da condição dos nossos países e dos nossos povos. A demagogia fácil continua a substituir a procura de soluções. A facilidade com que ditadores se apropriam dos destinos de nações inteiras é algo que nos deve assustar. A facilidade com que se continua a explicar erros do presente através da culpabilização do passado deve ser uma preocupação nossa. É verdade que a corrupção e o abuso do poder não são, como pretendem alguns, exclusivas do nosso continente. Mas a margem de manobra que concedemos a tiranos é espantosa. É urgente reduzir os territórios de vaidade, arrogância e impunidade dos que enriquecem à custa do roubo. É urgente redefinir as premissas da construção de modelos de gestão que excluem aqueles que vivem na oralidade e na periferia da lógica e da racionalidade europeias.

Nós todos, escritores e economistas, estamos vivendo com perplexidade um momento muito particular da nossa História. Até aqui Moçambique acreditou dispensar uma reflexão radical sobre os seus próprios fundamentos. A nação moçambicana conquistou um sentido épico na luta contra monstros exteriores. O inferno era sempre fora, o inimigo estava para além das fronteiras. Era Ian Smith, o apartheid, o imperialismo. O nosso país fazia, afinal, o que fazemos na nossa vida quotidiana: inventamos monstros para nos desassossegar. Mas os monstros também servem para nos tranquilizar. Dá-nos sossego saber que eles moram fora de nós. De repente, o mundo mudou e somos forçados a procurar os nossos demónios dentro de casa.

O inimigo, o pior dos inimigos, sempre esteve dentro de nós. Descobrimos essa verdade tão simples e ficamos a sós com os nossos próprios fantasmas. E isso nunca nos aconteceu antes. Este é um momento de abismo e desesperanças. Mas pode ser, ao mesmo tempo, um momento de crescimento. Confrontados com as nossas mais fundas fragilidades, cabe-nos criar um novo olhar, inventar outras falas, ensaiar outras escritas. Vamos ficando, cada vez mais, a sós com a nossa própria responsabilidade histórica de criar uma outra História. Nós não podemos mendigar ao mundo uma outra imagem. Não podemos insistir numa atitude apelativa. A nossa única saída é continuar o difícil e longo caminho de conquistar um lugar digno para nós e para a nossa pátria. E esse lugar só pode resultar da nossa própria criação.


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P.S. - A quem me mandou o outro texto sobre o 'jet-set nacional': a este nao e' preciso acrescentar qualquer "mais-valia", e' so' por Angola onde esta Mocambique...
Ia casualmente navegando corrente abaixo nos caminhos do rio, quando se dei encontro com um blog, nome dele e’ A Materia do Tempo, dono dele e’ Denudado, onde que este Koluki esta’ listado entre seus 'companheiros de jornada' (... obrigada e igualmente!) e onde que pesquei mbora mais um texto do Mia de ha uns anos atras...
Este nao me suscita apetite para 'makas de sanzala' (e, por falar nisso, ainda nao acabei de recozinhar as receitas todas na maka suscitada pelo outro texto sobre o 'jet-set nacional' – repescar aqui – mas a elas voltarei um dia destes), embora tenha ca’ as minhas dissonancias em relacao a leitura que ele faz de alguns factos historicos. Mas isso, ele (autor de 'Cada Homem e’ uma Raca' – e lembro-me agora que o conheci pessoalmente na apresentacao da primeira edicao desse seu livro em Lisboa, ja la vai mais de uma decada, que tinha uma capa diferente, para mim melhor, do que essa ai da foto que e' da nona edicao...), melhor do que ninguem entendera’ que, como dizia o Joao Passarinheiro, “... A pessoa e’ uma humanidade individual” e, portanto, cada uma dessas “humanidades” tera’ a sua maneira individual de (re)pescar o que as correntes da Historia nos trazem...


Aqui vao partes de um dos seus capitulos (o texto completo pode ser pescado aqui):

A CULTURA E A ECONOMIA - O QUE PODEMOS FAZER ?
(in Texto apresentado por Mia Couto na
AMECON – Associação Moçambicana de Economistas:
Economia- A FRONTEIRA DA CULTURA
30.09.2003)

O que podemos fazer é interrogar sem medo e dialogar com espirito critico. Infelizmente, o nosso ambiente de debate se revela pobre. Mais grave ainda, ele tornou-se perverso: em lugar de confrontar ideias, agridem-se pessoas. O que podemos fazer com os conceitos sócio-económicos é reproduzir aquilo que fizemos com a capulana e com a mandioca. E já agora com a língua portuguesa. Tornámo-los nossos, porque os experimentamos e vivemos à nossa maneira.

Como um parêntesis queria fazer aqui referência a algo que assume o estatuto de pouca-vergonha. Eu já vi pessoas credenciadas a defender a tese da acumulação primitiva do capital justificando o comportamento criminoso de alguns dos nossos novos-ricos. Isto já não é apenas ignorância: é má-fé, ausência completa de escrúpulos morais e intelectuais.

Estamos hoje construir a nossa própria modernidade. E quero congratular esta ocasião em que um homem das letras (que se confessa ignorante em matérias de economia) tenha a possibilidade de partilhar algumas reflexões. A economia necessita de falar, de namorar com as outras esferas da vida nacional. O discurso económico não pode ser a religião dessa nossa modernidade nem a economia pode ser um altar ante o qual nos ajoelhamos. Não podemos entregar a especialistas o direito de conduzir as nossas vidas pessoais e os nossos destinos nacionais.

O economista não é apenas aquele que sabe de economia. É aquele que pode sair do pensamento económico, aquele que se liberta da sua própria formação para a ela melhor regressar. Esta possibilidade de emigração da sua própria condição é fundamental para que tenhamos economistas nossos que se distanciem da economia o suficiente para a poder interrogar.

A situação do nosso país e do nosso continente é tão séria que já (não) podemos continuar fazendo de conta que fazemos. Temos que fazer. Temos que criar, construir alternativas e desenhar caminhos verdadeiros e credíveis. O nosso continente corre o risco de ser um território esquecido, secundarizado pelas estratégias de integração global. Quando digo “esquecido” pensarão que me refiro à atitude das grandes potências. Mas eu refiro-me às nossas próprias elites que viraram costas às responsabilidades para os seus povos, à forma como o seu comportamento predador ajuda a denegrir a nossa imagem e fere a dignidade de todos os africanos.

O discurso de grande parte dos políticos é feito de lugares-comuns, incapazes de entender a complexidade da condição dos nossos países e dos nossos povos. A demagogia fácil continua a substituir a procura de soluções. A facilidade com que ditadores se apropriam dos destinos de nações inteiras é algo que nos deve assustar. A facilidade com que se continua a explicar erros do presente através da culpabilização do passado deve ser uma preocupação nossa. É verdade que a corrupção e o abuso do poder não são, como pretendem alguns, exclusivas do nosso continente. Mas a margem de manobra que concedemos a tiranos é espantosa. É urgente reduzir os territórios de vaidade, arrogância e impunidade dos que enriquecem à custa do roubo. É urgente redefinir as premissas da construção de modelos de gestão que excluem aqueles que vivem na oralidade e na periferia da lógica e da racionalidade europeias.

Nós todos, escritores e economistas, estamos vivendo com perplexidade um momento muito particular da nossa História. Até aqui Moçambique acreditou dispensar uma reflexão radical sobre os seus próprios fundamentos. A nação moçambicana conquistou um sentido épico na luta contra monstros exteriores. O inferno era sempre fora, o inimigo estava para além das fronteiras. Era Ian Smith, o apartheid, o imperialismo. O nosso país fazia, afinal, o que fazemos na nossa vida quotidiana: inventamos monstros para nos desassossegar. Mas os monstros também servem para nos tranquilizar. Dá-nos sossego saber que eles moram fora de nós. De repente, o mundo mudou e somos forçados a procurar os nossos demónios dentro de casa.

O inimigo, o pior dos inimigos, sempre esteve dentro de nós. Descobrimos essa verdade tão simples e ficamos a sós com os nossos próprios fantasmas. E isso nunca nos aconteceu antes. Este é um momento de abismo e desesperanças. Mas pode ser, ao mesmo tempo, um momento de crescimento. Confrontados com as nossas mais fundas fragilidades, cabe-nos criar um novo olhar, inventar outras falas, ensaiar outras escritas. Vamos ficando, cada vez mais, a sós com a nossa própria responsabilidade histórica de criar uma outra História. Nós não podemos mendigar ao mundo uma outra imagem. Não podemos insistir numa atitude apelativa. A nossa única saída é continuar o difícil e longo caminho de conquistar um lugar digno para nós e para a nossa pátria. E esse lugar só pode resultar da nossa própria criação.


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P.S. - A quem me mandou o outro texto sobre o 'jet-set nacional': a este nao e' preciso acrescentar qualquer "mais-valia", e' so' por Angola onde esta Mocambique...

2 comments:

Fernando Ribeiro said...

Prezada Koluki, muito obrigado pela referência ao meu blog. Logo que vi o seu, não hesitei em inclui-lo na lista dos companheiros de jornada do meu. É mesmo muito bom.

Koluki said...

Caro Denudado,

Quem tem que lhe agradecer em primeiro lugar sou eu, pelo link ao meu blog.
Como 'newcomer' a blogosfera espero vir a merecer, com o tempo, o "mesmo muito bom", que ao seu blog retribuo inteiramente.