This is coast country, humid and God-fearing, where female recklessness runs too deep for short shorts or thongs or cameras.
Sometimes
the cut is so deep no woe-is-me tale is enough. Then the only thing
that does the trick, that explains the craziness heaping up, holding
down, and making women hate one another and ruin their children is an
outside evil.
[
Toni Morrison in
Love]
Com o
meu ultimo post sobre o 27 de Maio, tinha decidido nao
mais voltar a assinalar essa data neste blog como o vinha fazendo todos os anos desde o seu inicio. Mas,
embora o possa parecer, nao e’ por isso que o faco na vespera – decidi mesmo
nao voltar a faze-lo, pelo menos nao neste blog (... e talvez apenas "so' depois de toda a poeira assentar", como
aqui argumentava Justino Pinto de Andrade...).
Acontece que, nos ultimos meses, a violencia, e em particular a
sexual, contra a mulher, tem-se imposto neste blog como um tema recorrente (e.g.
aqui e
aqui).
Por isso decidi fazer este derradeiro post sobre a orgia de violencia que se
abateu sobre milhares de cidadas e cidadaos angolanos desde aquela data e que
ainda hoje se faz sentir.
E’ que, o 27 de Maio fez vitimas… e vitimas! Umas directas,
outras indirectas ou colaterais.
E mesmo entre as directas, o 27 de Maio fez
vitimas… e vitimas!
Umas, as mais rememoradas e mencionadas nas varias obras
que veem aos poucos sendo publicadas, provinham dos “circulos restritos” de que
aqui se fala. Outras, nunca ou raramente mencionadas, seja em obras de
referencia, seja na imprensa corrente (constituindo
esta a unica excepcao do
meu conhecimento), foram, aberta ou veladamente, catalogados como, senao
“lumpens”, os "semi-analfabetos" e "incivilizados" que “vieram do muceque ou do maqui”…
E o 27 de Maio fez vitimas homens e… vitimas mulheres!
E se, entre as vitimas homens, a estratificacao social tem
ditado quem tera' sido “more victim than thou” e merecedor de atencao especial por
parte dos historiadores e cronistas, ja’ das vitimas mulheres, como um todo e
nao apenas com o foco numa ou outra personagem - e aqui Sita Valles (de quem, por sinal, me lembro bem de uma reuniao que os membros do SEDME tiveram com ela na sede da JMPLA em Luanda em 1976/77) vem
facilmente a memoria por obra dos livros e artigos que sobre o seu caso ja’ se debrucaram
-, a estratificacao por genero tem vindo a ditar que delas e da violencia a que
foram sujeitas pouco ou nada se diga.
Mas muito ha’ a dizer sobre a violencia a que essas vitimas foram sujeitas – e nao
me proponho aqui faze-lo em seu nome. Pretendo apenas registar o pouco (muito?)
que sei e que me parece dever ser dito:
Nomeadamente que houve mulheres prisioneiras que foram
violadas consecutivamente por mais de dez homens numa so’ noite… ou dia.
Nomeadamente, que houve mulheres que foram violadas ou vitimas de outras formas
de violencia sexual fora das cadeias apenas por serem namoradas ou mulheres de
prisioneiros do 27 de Maio ou de prisioneiros associados a outros agrupamentos politicos…
Nomeadamente, que mulheres ha’ que apenas por terem
tido um relacionamento com um prisioneiro do 27 de Maio ou terem familiares
nele envolvidos de uma ou outra forma, continuam a ser vitimas das mais
diversas formas de violencia sexual e psicologica, directa ou indirectamente,
real ou virtualmente!...
E estas ultimas, as vitimas colaterais, continuam a
ser vitimas nao apenas dos algozes directos do 27 de Maio, mas tambem das
suas sobreviventes vitimas directas: homens ou mulheres!...
Dizia
aqui Carlinho Zassala sobre a “sociedade doente”
k'estamos kum ela: "(…) Os problemas que mencionei existem em Angola em grande escala. O
problema da guerra causou muitos traumatismos, há pessoas que não gostam
que se diga isso, mas o 27 de Maio também causou muitos traumatismos
nas pessoas."
E o prubulema k'estamus kum ele e’ que as vitimas directas
sobreviventes do 27 de Maio nunca foram, ou se submeteram, a assistencia psicoterapeutica
(ressalvando, obviamente, os casos dos que porventura o tenham feito a titulo
privado e confidencial), nem nunca obtiveram qualquer acknowledgement oficial do seu
“estatuto de vitimas” e apenas muito recentemente (e em grande medida sob o
impulso dos livros que nos ultimos anos teem vindo a ser publicados sobre aquele acontecimento) comecaram
a falar abertamente das suas experiencias e memorias do carcere, sendo que, durante todo o periodo de
mais de 30 anos que entretanto decorreu, tentaram sublimar das mais diversas
formas a sua condicao…
Uma dessas formas, para alem do recurso, entre outros
escapismos, ao alcool e/ou as drogas, tem sido a "projeccao" da violencia a que
foram sujeita/os sobre outra/os que ela/es veem “enviusada, miope e semioticamente” como tendo
ficado “imunes” as sevicias pelas quais passaram nas cadeias ou nos campos de
“reeducacao”…
Ou que colocam “na pele” dos seus algozes, apelidando-as de
“servidor/as do poder” ou "agentes da tenebrosa DISA" para melhor e mais violenta e impunemente as agredirem... Ao mesmo tempo que compartilham os mesmos funges, pomadas e sacos azuis com os verdadeiros servidores do poder, quanto mais nao seja porque, o mais das vezes sao todos "parentes" uns dos outros!...
No que toca aos homens,
este (... por entre o seu cinico 'rio de lagrimas de krokodilo'...) e' apenas um “
case in point”.
No que toca as mulheres, creio que algumas
passagens de alguns dos meus outros posts (como
este ...
este ...
este ...
este ... ou
este) poderao
indicar casos concretos, sendo que alguns deles apontam para o facto de que nao
foram apenas as vitimas, directas ou indirectas, do 27 de Maio, mas tambem
mulheres ligadas a outros agrupamentos politicos, que passaram por esse tipo de
vitimizacao enquanto prisioneiras ou fora das prisoes…
Nao pretendo, no entanto, pessoalizar aqui mais do que
necessario essa questao.
Direi apenas que, no que toca 'as mulheres vitimas
directas (ou pelo menos a algumas delas), a tal “projeccao” e “transferencia”
da sua vitimizacao se tem consubstanciado, em alguns casos, para alem da propria violencia fisica, na tentativa, nomeadamente atraves da calunia, da difamacao e da estigmatizacao por entre abundantes doses de "chantagem emocional" e outras formas de "blackmail", de
desumanizacao e “castracao” da feminilidade, sexualidade, jovialidade, espontaneidade, identidade, dignidade, criatividade, sensibilidade e
auto-estima de outras mulheres, especialmente se mais novas do que elas: foi o
que a violencia sexual a que foram sujeitas enquanto prisioneiras ainda na flor da idade lhes
“castrou”… infelizmente!
["A Mulher Eunuco": obra iconica de Germaine Greer - uma academica que assumiu e tem auto-analisado publicamente o facto de ter sido violada na sua juventude]
E assim, essas mulheres vao reproduzindo autofagicamente, particularmente junto dos que lhes sao mais proximos, o ciclo vicioso de
violencia, quando nao fisica, psicologica e emocional, que tende a perpetuar-se de geracao em geracao e que vai corroendo
amizades, familias e a propria sociedade...
Muita gente ter-se-ha’ perguntado “a que proposito” e,
ademais, sendo eu supostamente, tal como hoje, uma “servidora do poder” por
ocasiao do 27 de Maio de 1977, ‘todo o mundo’ se permite “falar do 27 de Maio”,
tendo uma certa
“mae da negritude branca lusofona pos-colonial” (para quem, tal como com outras "academicas" e "investigadoras", aparentemente o 27 de Maio nao passou de um
picnic onde se vai "pick and chose" as "reality bites" que melhor possam servir ao paladar das suas "bocas intelectualoides"...) inclusivamente se dado
“ao trabalho” de nomear, no
Semanario Angolense, quem, em sua “douta opiniao”, foram os primeiros
“literatos” (homens,
of course!...) a expressar-se nas suas obras, aberta ou veladamente, sobre os
acontecimentos 'a volta daquela data…
Nao sei quem foi, nem tal me parece relevante (nao estou,
nunca estive, nem aqui nem em qualquer outro lugar, “em competicao” com quaisquer "outro/as" pela “posse” de uma “memoria” que nao creio alguem sadiamente, de boa fe' e consciencia limpa
pretenda empunhar como “um trofeu exclusivo”!…) : sei, isso sim, que,
implicitamente, o fiz (e nao, nao o fiz "em Ingles"!)
aqui
(... "E’ licito perguntar: que futuro poderao construir
os traumatizados cidadaos nascidos desse tipo de relacoes, em conjunto com
todos aqueles cujos pais a guerra e a intolerancia politica teem vitimado? Por
que tipo de sociedade civil pretendemos lutar?"...)
e, explicitamente, entre outros lugares, numa
entrevista que concedi a uma jornalista/escritora brasileira no inicio dos anos
90 (... a qual,
by the way, foi censurada...), sendo que, privadamente sempre o fiz, desde que justificado, desde o
proprio 27 de Maio de 1977.
E por isso tenho sabido
pagar o preco!...
Termino, como
vitima colateral do 27 de Maio, com este extracto de um comentario por mim
feito ha’ varios anos e
aqui reproduzido:
"(...)
A verdade existe sim e, como
diz o ditado popular, tal como
o azeite vem sempre ao de cima!
Por isso nao me posso conformar com a ideia de
que um acontecimento que teve um impacto tao traumatico e devastador sobre a
sociedade angolana seja simplesmente enterrado com os seus principais
protagonistas, quando centenas, senao milhares, de orfaos, viuvas e um grande
numero de familias angolanas continuam sem saber o que e porque realmente
aconteceu com os seus entes queridos, ou sequer onde estao os seus ossos, ja
para nao falar na simples admissao oficial da sua liquidacao sumaria e na
emissao das respectivas certidoes de obito, que sao basicos direitos humanos e
de cidadania de todos nos!
Para mim, eh
precisamente o respeito que devemos a TODOS os mortos do 27 de Maio que exige
que a verdade e nada menos do que a verdade venha completamente ao de cima. E
nao so o respeito pelos mortos: a construcao de um futuro de paz e harmonia
para nos os ainda vivos e para as geracoes dos nossos filhos, netos e bisnetos
exige que todos os fantasmas do nosso passado sejam completamente exorcisados e
as suas cinzas completamente varridas, sob pena de as almas dos nossos mortos
jamais virem a gozar da paz eterna que lhes eh devida!
Como
nos aconselha o senso comum, ha que enterrar os nossos mortos condignamente,
mas a nossa prioridade deve ser cuidar apropriadamente dos vivos, senao
viveremos para sempre como
mortos-vivos em eterno estado de luto num pais mal assombrado… Agora que a paz
institucional entre o MPLA e a UNITA parece ser irreversivel, os acontecimentos
do 27 de Maio e todos os contenciosos ainda pendentes da guerra que devastou o
pais por decadas que pareciam nao ter fim deveriam sim ser objecto de algo
assim como a ‘Comissao para a Verdade e Reconciliacao’ que tanto ajudou a
Africa do Sul a enfrentar o seu futuro com optimismo e com espiritos mais ou
menos pacificados.
E tal evento, que deveria assumir foros de um verdadeiro
Komba Ditokwa Nacional, deveria realizar-se mais cedo do que tarde!
(...)"
"(...)
e, sobretudo,
nao me perguntes
pelo que nao disse
pois a minha boca
ha' muito se fechou
'a forca do fusil
do homem quem em mim
te semeou!
(...)
[Extracto de "Ralhete" - A.S. in
S.O.S. - ... e nao, NUNCA FUI VIOLADA!...]