Desde o
primeiro numero desta serie, pode-se seguramente dizer que “a crise vai bem, obrigada”: alguns dos maiores gigantes do
fordismo nos EUA e na Europa (em particular na industria automovel, incluindo a
iconica Ford) seguiram-se aos ‘tigres de papel’ de Wall Street e da City de Londres na longa ‘bicha’ de pedintes de dinheiros publicos; os poderes publicos, por seu lado, nao se teem poupado a alargar os cordoes a bolsa para, por um lado, atender aos pedintes dos sectores produtivo e especulativo e, por outro, conceder todos os estimulos possiveis e imaginaveis, tanto fiscais como crediticios, aos deprimidos consumidores e, por via disso, foram descendo as taxas de juro ate’ ao nivel zero ou, numa outra analise, a
linha de passe entre a recessao e a depressao.
Enquanto isso, varios operadores em todos os sectores economicos continuaram a afundar-se – com alguns
casos de policia e
tragicos suicidios pelo meio – e a generalidade dos consumidores continuaram a nao impedir que grandes nomes da ‘high/main street’ (do que a
Woolworths – uma cadeia retalhista com mais de um seculo de existencia no mercado Britanico – tem sido nas ultimas semanas o caso mais emblematico) continuem a falir. Estaremos, assim, numa situacao que nos permite visualizar em termos praticos e reais aquilo que, em termos teoricos, e’ definido em macroeconomia como a “armadilha da liquidez”, ou seja, uma situacao em que, por mais barato que seja o dinheiro, as politicas monetaria e fiscal se demonstram incapazes por si sos de estimular a producao e o consumo e, consequentemente, o crescimento economico.
Essa situacao, porem, poder-se-ia restringir ao ocidente, nao estivessemos nos numa economia globalizada (globalizadora?) e nao fossem as restricoes impostas pela OPEP aos paises produtores de petroleo (Angola) que os deixam em nao tao ‘bons espiritos’ quanto em condicoes normais seria de prever, particularmente quando estes estao sobremaneira depedentes de, por um lado, emprestimos estrangeiros e, por outro, aplicacoes financeiras que, na actual conjuntura, se apresentam tao vulneraveis quanto quaisquer outras nas pracas financeiras internacionais. A tal ponto que, quando o estudo de viabilidade do recem-projectado
Fundo Soberano Angolano estiver concluido, talvez ja’ nao haja fundos assim tao disponiveis para o instituir e manter… Ha’, contudo, neste contexto, uma noticia geralmente animadora: a China, neste momento maior parceiro economico de Angola, acaba de ascender a posicao de
terceira maior economia mundial, depois dos EUA e do Japao, tendo destronado a Alemanha daquela posicao. Ate’ que ponto sera’ esta uma noticia particularmente animadora para Angola? Questao a acompanhar nos proximos tempos. Por agora, voltemos brevemente ao primeiro numero desta serie, que assim terminei:
Essa, do meu ponto de vista, a essencia da crise que se vem desenrolando aos nossos olhos. Se ha’ uma licao basica a retirar dela, e’ que nenhuma economia se pode dar ao luxo de perder o equilibrio essencial entre o sector de bens (e servicos) e o sector das financas, ou seja, entre a economia real e a economia monetaria. Este ‘lembrete’ torna-se particularmente relevante para algumas das questoes que levantei, bastante antes desta crise, no meu artigo “Politica, Futebol e Algumas Consideracoes sobre a Actual Conjuntura Economica Angolana”. A elas voltarei. E, aqui volto a elas, como prometido. Nao directamente, mas atraves do economista no pensamento de quem se estruturou sobremaneira a minha formacao basica em Economia,
John Maynard Keynes {ele que, tendo dito que “os homens praticos que acreditam estar imunes a qualquer influencia intelectual, sao normalmente escravos de um qualquer economista defunto” (tenho ca’ para mim que ele deveria estar a pensar no economista entao ja' defunto Karl Marx…), tem suscitado recentemente afirmacoes que o creditam como
o unico economista (defunto) a quem recorrer neste momento em busca de solucoes para a actual crise, pelo facto de a sua analise de recessoes e depressoes economicas continuar a ser a fundacao da moderna macroeconomia, ou que, tendo ele famosamente afirmado que "no longo prazo (do ciclo historico-economico) estamos todos mortos", verifica-se agora que neste momento ele
esta tudo menos morto , ao ponto de ter sido referido como
o homem do ano - passado, que, pelo menos no que diz respeito a crise economica, continua neste ano que agora se inicia}, usando duas citacoes, que me parecem fulcrais no ambito da analise que sugeri
naquele meu artigo do inicio de 2006, de uma celebre
carta aberta que ele enderecou, em 1933, ao entao Presidente Roosevelt dos EUA, oferecendo o seu
technical advice para a recuperacao da
Grande Depressao que se vivia naqueles dias:
“(…) O objectivo da recuperacao e’ aumentar o produto nacional e colocar mais homens a trabalhar. No sistema economico do mundo moderno, o produto e’ primariamente para venda; e o volume do produto depende da quantidade do poder de compra, comparada com o custo primario da producao que se espera colocar no mercado. Genericamente falando, portanto, um aumento do produto nao se pode verificar a menos que opere um ou outro de tres factores. Os individuos devem ser induzidos a gastar mais dos seus rendimentos existentes; ou o mundo empresarial deve ser induzido, seja atraves de um aumento da confianca nas expectativas ou de uma mais baixa taxa de juro, a criar adicionais rendimentos correntes nas maos dos seus empregados, o que acontece quando ou o capital fixo, ou o capital operacional do pais esta’ a ser incrementado; ou a autoridade publica tem que ser chamada para ajudar a criar rendimentos correntes adicionais atraves de despesa ou de dinheiro emprestado ou imprimido. Em maus tempos nao se pode esperar que o primeiro factor funcione a uma escala suficiente. O segundo factor entrara’ em accao como a segunda onda de ataque a recessao depois da vaga ter sido contrariada pela despesa publica. E’, portanto, apenas do terceiro factor que se pode esperar o maior impulso inicial.”
Ora, como vimos nos paragrafos iniciais deste
post, este diagnostico de Keynes e’ claramente evidenciado pela presente crise economica, nao apenas ocidental, mas global, incluindo o mercado domestico da China, apesar da sua recente ascensao a categoria de terceira potencia mundial -, sendo que, a par do consenso que se reune a volta da necessidade de conceder estimulos a economia, decorre neste momento um debate bastante interessante sobre os limites desses estimulos e as melhores vias para os tornarem mais eficazes. Vejamos entao qual a prescricao de Keynes:
“(…) Assim, como primordial incentivador no primeiro estagio da tecnica de recuperacao, eu ponho uma enfase avassaladora no aumento do poder de compra nacional, resultante da despesa governamental, que seja financiado por emprestimos e nao por tributacao dos rendimentos presentes. Nada mais conta em comparacao com isto. Numa situacao de expansao economica, a inflacao pode ser causada pela permissao de que o credito ilimitado apoie o entusiasmo excitado dos especuladores empresariais. Mas numa recessao, a despesa crediticia governamental e’ a unica forma segura de se garantir rapidamente um aumento do produto a precos crescentes. E’ por isso que uma guerra causa sempre uma intensa actividade industrial. No passado, o financiamento ortodoxo via uma guerra como a unica legitima desculpa para a criacao de emprego atraves da despesa governamental. Voce, Sr. Presidente, tendo deixado de lado tal pensamento, e’ livre de utilizar nos interesses da paz e da prosperidade a tecnica a qual ate’ agora apenas foi permitido servir os propositos da guerra e da destruicao.”
Nao se aplica isto bem a Angola, meus caros leitores? Eu diria que sim, especialmente tendo em conta o que ele diz num outro paragrafo da mesma carta quanto as areas em que a despesa publica se deveria aplicar, “(…) devera’ ser dada preferencia aquelas que poderao mais rapidamente madurar em grande escala, como por exemplo a reabilitacao das condicoes fisicas das linhas ferreas” (ao que poderiamos acrescentar outras obras publicas e investimentos em infra-estruturas, como a construcao de habitacoes e a reabilitacao de estradas, etc.). Mas diria tambem algo mais: que o diagnostico e prescricao de Keynes – onde ele diz, nomeadamente, que “o objectivo da recuperacao e’ aumentar o produto nacional e colocar mais homens a trabalhar” e que “eu ponho uma enfase avassaladora no aumento do poder de compra nacional” e, ja' agora, ao que ele tambem disse num outro contexto: "a politica monetaria e cambial de um pais devera’ ser inteiramente subordinada ao objectivo do aumento da producao e do emprego ao nivel certo" -, referem-se estritamente ao produto, ao emprego e ao poder de compra
dos nacionais. Aplicar-se-ha’ isto inteiramente a Angola? Esse e’, do meu (humilde,
il faut le dire…), ponto de vista,
o prublema que ainda estamos kum ele…