Sunday, 30 August 2009
TED KENNEDY (R.I.P.)
Friday, 28 August 2009
Thursday, 27 August 2009
FALANDO DE "INTELECTUALISMO(S)" (II)
Devo dizer que apenas li pela primeira vez o texto de Alceu Garcia, datado de 2002, no proprio dia em que aqui o postei – tinha inicialmente em mente e preparadas outras materias para esta serie. Mas ao le-lo, nao pude deixar de me lembrar de um debate informal, por email, que tive em 2005 e que decidi trazer para aqui (e nao, nao era a isto a que me estava a referir especificamente quando afirmei que “dir-se-ia que este texto poderia ter sido escrito por um/a angolano/a”...). Assim que, antes dos pratos principais que tinha inicialmente preparado, proponho uma 'refeicao' mais completa.
Obviamente, nao transcrevo aqui o debate na integra, embora nos extractos que dele seleccionei nao tenha alterado, retirado ou acrescentado uma unica palavra. E, para salvaguardar a identidade/privacidade do meu interlocutor, nao so’ nao o nomeio como tambem nao incluo os seus argumentos - excepto, para uma melhor contextualizacao das passagens com que se relacionam, em duas frases assinaladas a azul na versao integral em anexo.
Pois entao, bom apetite!
*****
(...)
Essa discussao vai directamente ao cerne da questao do "projecto de sociedade" e das diferentes formas como ele eh encarado. Deixa-me dizer-te a partida: embirro solenemente com essa expressao ("projecto de sociedade") nao porque ela nao faca sentido, mas fundamentalmente porque, numa perspectiva de analise historica que, por definicao, eh sempre uma perspectiva de muito longo prazo, so a posso entender num sentido: uma sociedade existe (ou nao existe a partida) e esta em permanente evolucao/mutacao ou retrocesso (como foi, infelizmente, o caso de Angola).
A ideia de "projecto de sociedade" para mim sugere a inexistencia, a partida, de uma sociedade e dai a necessidade de um "projecto" para a construir. Eh esta, essencialmente, a ideia subjacente a "revolucao socialista": o sistema "capitalista" eh caduco e decadente, logo ha que destrui-lo pela base, nao deixar pedra sobre pedra e comecar pela raiz o novo "projecto de sociedade", seguindo as suas diferentes fases de "desconstrucao/reconstituicao" do tecido e praxis social ate atingir-se a sociedade ideal: o socialismo, como antecamara do comunismo. Estas, em linhas gerais, as ideias-forca com que o MPLA apareceu em 75, independentemente do estado em que se encontrava.
(…)
Quais entao as implicacoes disto para o nosso debate? O MPLA chega a Luanda com a ideia de que nao existia uma sociedade angolana digna desse nome e que da sociedade colonial havia que nao deixar pedra sobre pedra: ha que "partir os dentes a pequena burguesia" dizia um, ha que instaurar a "ditadura do proletariado" diziam todos... e com isso acabaram deitando fora a agua do banho com o bebe, incluindo o sistema de ensino...
Para mim, uma politica de educacao racional naquela altura resumir-se-ia a nao deixar falir o sistema existente, manter as suas estruturas e modus operandi, tentar de todos os modos e tanto quanto possivel cobrir as lacunas que iam sendo deixadas pelos professores que se retiravam e, acima de tudo, nao permitir que a massa de quadros deixada pelo colono, ja consideravel por standards africanos, nao se perdesse. Mas o que aconteceu foi que, a que restou do emprisionamento dos CACs, Hendas, OCAs e Jose Stalines, foi praticamente toda dizimada no 27 de Maio... Este eh o problema que estamos cum ele ate hoje!
(…)
Toda aquela retorica me parece vir directamente de uma cartilha, sem qualquer fundamentacao na realidade empirica. E isto nao quer dizer que se essa realidade tivesse sido tida em conta, nao pudesse vir a fundamentar a tal retorica, pelo menos parcialmente. Mas o facto eh que ela nao passou disso mesmo: retorica de cartilha; um conjunto de estereotipos ideologicos formados a partir de arquetipos societais, mas nao adaptados a realidade concreta, especifica e peculiar de Angola.
Portanto continuo na minha: a ideia de “projecto de sociedade”, que como disse na minha mensagem anterior, nao me parece totalmente desprovida de sentido, traduz-se na pratica, particularmente no contexto em que a tens estado a utilisar neste debate, num projecto de "engenharia social" - e de todos os projectos de engenharia social historicamente conhecidos (em particular os dois mais proeminentes: o socialismo/comunismo e o nazismo) sabemos quais os resultados...
(…)
E porque que ele desconseguiu tao miseravelmente? Porque, como eu disse na minha mensagem anterior, o MPLA nunca se preocupou em analisar a sociedade sobre a qual estava a exercer o seu poder para poder correctamente adaptar o seu programa a sociedade real e nao virtual que tinha em maos! Vieram supostamente cheios de boas intencoes, mas de boas intencoes esta o inferno cheio, e a verdade eh que nao sabiam nada do que era relevante para assumirem as redeas do poder de estado naquele pais.
E foram/sao sempre extremamente arrogantes, ao ponto de menosprezarem (quando nao os eliminaram ou afastaram irremediavelmente) quem lhes podia ensinar alguma coisa e, por essa razao, deitaram fora a agua do banho com o bebe! Apenas para abrirem de novo as portas para a mais do que evidente recolonizacao a que agora assistimos!!! so much for a supposedely benign 'project of society'... Como dizem os ingleses: if it ain't broken, why fix it? Particularly when you haven't got a clue how to do it??!!!
(…)
Devo tambem dizer desde ja que nem sequer se pode dizer que se algumas das camadas relativamente favorecidas no tempo colonial foram "desapossadas" das conquistas que tinham feito, pelo menos as camadas "verdadeiramente populares" (as tais que iriam instaurar a "ditadura do proletariado" e cujos simbolos se encontram representados na bandeira do estado novo) ganharam alguma coisa e viram os seus niveis melhorar ao longo dos anos, ou vem agora algumas perspectivas com o fim da guerra... Mentira!
Sao eles que povoam os bairros da lata no meio do lixo das barrocas do Miramar, eh de entre eles que veem os meninos de rua, eh de entre eles que proveem os mutilados que foram usados como carne para canhao numa guerra absurda... Prefiro deixar as questoes culturais de parte nesta discussao, porque ai entao eh que vamos encontrar verdadeiramente as maiores falacias do tal "projecto de sociedade"...
(…)
Explico-me: eu nao questiono os movimentos de libertacao - questiono o MPLA; eu nao questiono a luta de libertacao contra o colonialismo - questiono a particular luta de libertacao que o MPLA protagonizou; eu nao questiono a ideia de "projecto de sociedade" em sentido abstracto ou em termos estrictamente teoricos - questiono-o na sua relacao directa, dialectica e pragmatica com a sociedade concreta (Angola) de onde tal projecto era suposto emanar e a qual ele era suposto "melhorar", e tudo isso num contexto muito especifico: o do sistema de ensino.
Estou a falar da condicao humana no seu sentido mais inadulterado e nao da logica da maquina politico-ideologica que condiciona essa mesma condicao humana.
(…)
Tive, a este respeito, ha varios anos atras, acesso a escritos detalhados do Viriato da Cruz (que quanto a mim era dos poucos que tinha realmente interiorizado a essencia da Angolanidade) e de varios outros Mplistas...
(...)
E, de resto, eu nao estou a falar estritamente da "arte de fazer politica" ou de retorica num sentido abstracto (de facto, talvez eu devesse ter usado o termo "verborreia" que eh bastante mais apropriado ao que me refiro).
Estou a falar da qualidade substantiva dessa retorica, qualidade essa que so pode advir de uma inquestionavel fundamentacao e ancoramento na realidade social, particularmente quando o seu objecto eh toda uma sociedade e os seres humanos que a constituem... de qualquer dos modos, qualquer retorica verdadeiramente respeitavel (como foi a de Platao ou Aristoteles) so se sustem se partir da verdade historica e se os seus pressupostos e postulados se confirmarem e reproduzirem positivamente na realidade social - so este tipo de retorica acaba por ser vindicada pela historia.
(…)
Alias, deixa-me dizer-te aqui uma coisa que eh essencial para a separacao das aguas nesta discussao: eu acho de muito mau gosto a expressao "dar uma vida melhor" e similares que reflectem o pecado capital da demagogia socialista e revelam a sua natureza essencialmente ditatorial, megalomana e paternalista. Ou seja, nessa ideologia "o povo", "o colonizado", o "subjugado" (sempre por outros, nao por eles proprios...), etc. eh visto como um "sujeito amorfo" ("as massas"), sem personalidade, vontade ou sonhos proprios, sem qualquer capacidade de accao sobre o seu proprio destino, sem qualquer capacidade de discernir sobre a sua propria realidade e fazer as suas proprias escolhas e definir o sentido da sua propria luta... nao!
Os "iluminados", esses sim eh que, apesar de nao terem a menor nocao do que e como fazer, viriam, com a maior das arrogancias ignorantes, "dar" uma vida melhor a quem, sem esperar dadivas de ninguem, nao esteve a fazer outra coisa na vida senao a lutar por uma vida melhor para si e para os seus descendentes e a construir uma patria pela qual os "libertadores" vieram demonstrar total desrespeito... e nao vale a pena o mesmo “sujeito amorfo" ousar levantar a voz sobre (nao necessariamente contra) o modus operandi do seu novo amo porque senao eh taxado de contra-revolucionario, reaccionario, inimigo jurado da revolucao, lacaio do colonialismo, fantoche do imperialismo e... cadeia ou campo de fuzilamento!
[Texto integral aqui]
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"O Povo e' Racional... e Soberano!"
Devo dizer que apenas li pela primeira vez o texto de Alceu Garcia, datado de 2002, no proprio dia em que aqui o postei – tinha inicialmente em mente e preparadas outras materias para esta serie. Mas ao le-lo, nao pude deixar de me lembrar de um debate informal, por email, que tive em 2005 e que decidi trazer para aqui (e nao, nao era a isto a que me estava a referir especificamente quando afirmei que “dir-se-ia que este texto poderia ter sido escrito por um/a angolano/a”...). Assim que, antes dos pratos principais que tinha inicialmente preparado, proponho uma 'refeicao' mais completa.
Obviamente, nao transcrevo aqui o debate na integra, embora nos extractos que dele seleccionei nao tenha alterado, retirado ou acrescentado uma unica palavra. E, para salvaguardar a identidade/privacidade do meu interlocutor, nao so’ nao o nomeio como tambem nao incluo os seus argumentos - excepto, para uma melhor contextualizacao das passagens com que se relacionam, em duas frases assinaladas a azul na versao integral em anexo.
Pois entao, bom apetite!
*****
(...)
Essa discussao vai directamente ao cerne da questao do "projecto de sociedade" e das diferentes formas como ele eh encarado. Deixa-me dizer-te a partida: embirro solenemente com essa expressao ("projecto de sociedade") nao porque ela nao faca sentido, mas fundamentalmente porque, numa perspectiva de analise historica que, por definicao, eh sempre uma perspectiva de muito longo prazo, so a posso entender num sentido: uma sociedade existe (ou nao existe a partida) e esta em permanente evolucao/mutacao ou retrocesso (como foi, infelizmente, o caso de Angola).
A ideia de "projecto de sociedade" para mim sugere a inexistencia, a partida, de uma sociedade e dai a necessidade de um "projecto" para a construir. Eh esta, essencialmente, a ideia subjacente a "revolucao socialista": o sistema "capitalista" eh caduco e decadente, logo ha que destrui-lo pela base, nao deixar pedra sobre pedra e comecar pela raiz o novo "projecto de sociedade", seguindo as suas diferentes fases de "desconstrucao/reconstituicao" do tecido e praxis social ate atingir-se a sociedade ideal: o socialismo, como antecamara do comunismo. Estas, em linhas gerais, as ideias-forca com que o MPLA apareceu em 75, independentemente do estado em que se encontrava.
(…)
Quais entao as implicacoes disto para o nosso debate? O MPLA chega a Luanda com a ideia de que nao existia uma sociedade angolana digna desse nome e que da sociedade colonial havia que nao deixar pedra sobre pedra: ha que "partir os dentes a pequena burguesia" dizia um, ha que instaurar a "ditadura do proletariado" diziam todos... e com isso acabaram deitando fora a agua do banho com o bebe, incluindo o sistema de ensino...
Para mim, uma politica de educacao racional naquela altura resumir-se-ia a nao deixar falir o sistema existente, manter as suas estruturas e modus operandi, tentar de todos os modos e tanto quanto possivel cobrir as lacunas que iam sendo deixadas pelos professores que se retiravam e, acima de tudo, nao permitir que a massa de quadros deixada pelo colono, ja consideravel por standards africanos, nao se perdesse. Mas o que aconteceu foi que, a que restou do emprisionamento dos CACs, Hendas, OCAs e Jose Stalines, foi praticamente toda dizimada no 27 de Maio... Este eh o problema que estamos cum ele ate hoje!
(…)
Toda aquela retorica me parece vir directamente de uma cartilha, sem qualquer fundamentacao na realidade empirica. E isto nao quer dizer que se essa realidade tivesse sido tida em conta, nao pudesse vir a fundamentar a tal retorica, pelo menos parcialmente. Mas o facto eh que ela nao passou disso mesmo: retorica de cartilha; um conjunto de estereotipos ideologicos formados a partir de arquetipos societais, mas nao adaptados a realidade concreta, especifica e peculiar de Angola.
Portanto continuo na minha: a ideia de “projecto de sociedade”, que como disse na minha mensagem anterior, nao me parece totalmente desprovida de sentido, traduz-se na pratica, particularmente no contexto em que a tens estado a utilisar neste debate, num projecto de "engenharia social" - e de todos os projectos de engenharia social historicamente conhecidos (em particular os dois mais proeminentes: o socialismo/comunismo e o nazismo) sabemos quais os resultados...
(…)
E porque que ele desconseguiu tao miseravelmente? Porque, como eu disse na minha mensagem anterior, o MPLA nunca se preocupou em analisar a sociedade sobre a qual estava a exercer o seu poder para poder correctamente adaptar o seu programa a sociedade real e nao virtual que tinha em maos! Vieram supostamente cheios de boas intencoes, mas de boas intencoes esta o inferno cheio, e a verdade eh que nao sabiam nada do que era relevante para assumirem as redeas do poder de estado naquele pais.
E foram/sao sempre extremamente arrogantes, ao ponto de menosprezarem (quando nao os eliminaram ou afastaram irremediavelmente) quem lhes podia ensinar alguma coisa e, por essa razao, deitaram fora a agua do banho com o bebe! Apenas para abrirem de novo as portas para a mais do que evidente recolonizacao a que agora assistimos!!! so much for a supposedely benign 'project of society'... Como dizem os ingleses: if it ain't broken, why fix it? Particularly when you haven't got a clue how to do it??!!!
(…)
Devo tambem dizer desde ja que nem sequer se pode dizer que se algumas das camadas relativamente favorecidas no tempo colonial foram "desapossadas" das conquistas que tinham feito, pelo menos as camadas "verdadeiramente populares" (as tais que iriam instaurar a "ditadura do proletariado" e cujos simbolos se encontram representados na bandeira do estado novo) ganharam alguma coisa e viram os seus niveis melhorar ao longo dos anos, ou vem agora algumas perspectivas com o fim da guerra... Mentira!
Sao eles que povoam os bairros da lata no meio do lixo das barrocas do Miramar, eh de entre eles que veem os meninos de rua, eh de entre eles que proveem os mutilados que foram usados como carne para canhao numa guerra absurda... Prefiro deixar as questoes culturais de parte nesta discussao, porque ai entao eh que vamos encontrar verdadeiramente as maiores falacias do tal "projecto de sociedade"...
(…)
Explico-me: eu nao questiono os movimentos de libertacao - questiono o MPLA; eu nao questiono a luta de libertacao contra o colonialismo - questiono a particular luta de libertacao que o MPLA protagonizou; eu nao questiono a ideia de "projecto de sociedade" em sentido abstracto ou em termos estrictamente teoricos - questiono-o na sua relacao directa, dialectica e pragmatica com a sociedade concreta (Angola) de onde tal projecto era suposto emanar e a qual ele era suposto "melhorar", e tudo isso num contexto muito especifico: o do sistema de ensino.
Estou a falar da condicao humana no seu sentido mais inadulterado e nao da logica da maquina politico-ideologica que condiciona essa mesma condicao humana.
(…)
Tive, a este respeito, ha varios anos atras, acesso a escritos detalhados do Viriato da Cruz (que quanto a mim era dos poucos que tinha realmente interiorizado a essencia da Angolanidade) e de varios outros Mplistas...
(...)
E, de resto, eu nao estou a falar estritamente da "arte de fazer politica" ou de retorica num sentido abstracto (de facto, talvez eu devesse ter usado o termo "verborreia" que eh bastante mais apropriado ao que me refiro).
Estou a falar da qualidade substantiva dessa retorica, qualidade essa que so pode advir de uma inquestionavel fundamentacao e ancoramento na realidade social, particularmente quando o seu objecto eh toda uma sociedade e os seres humanos que a constituem... de qualquer dos modos, qualquer retorica verdadeiramente respeitavel (como foi a de Platao ou Aristoteles) so se sustem se partir da verdade historica e se os seus pressupostos e postulados se confirmarem e reproduzirem positivamente na realidade social - so este tipo de retorica acaba por ser vindicada pela historia.
(…)
Alias, deixa-me dizer-te aqui uma coisa que eh essencial para a separacao das aguas nesta discussao: eu acho de muito mau gosto a expressao "dar uma vida melhor" e similares que reflectem o pecado capital da demagogia socialista e revelam a sua natureza essencialmente ditatorial, megalomana e paternalista. Ou seja, nessa ideologia "o povo", "o colonizado", o "subjugado" (sempre por outros, nao por eles proprios...), etc. eh visto como um "sujeito amorfo" ("as massas"), sem personalidade, vontade ou sonhos proprios, sem qualquer capacidade de accao sobre o seu proprio destino, sem qualquer capacidade de discernir sobre a sua propria realidade e fazer as suas proprias escolhas e definir o sentido da sua propria luta... nao!
Os "iluminados", esses sim eh que, apesar de nao terem a menor nocao do que e como fazer, viriam, com a maior das arrogancias ignorantes, "dar" uma vida melhor a quem, sem esperar dadivas de ninguem, nao esteve a fazer outra coisa na vida senao a lutar por uma vida melhor para si e para os seus descendentes e a construir uma patria pela qual os "libertadores" vieram demonstrar total desrespeito... e nao vale a pena o mesmo “sujeito amorfo" ousar levantar a voz sobre (nao necessariamente contra) o modus operandi do seu novo amo porque senao eh taxado de contra-revolucionario, reaccionario, inimigo jurado da revolucao, lacaio do colonialismo, fantoche do imperialismo e... cadeia ou campo de fuzilamento!
[Texto integral aqui]
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Monday, 24 August 2009
JACOB ZUMA IN ANGOLA
The problem with Angolan-South African political and, therefore, economic and other formal relations, was rooted mainly on two basic factors:
On the Angolan side, there was resentment that South Africa had never acknowledged its debt of gratitude to Angola for the support it gave to the ANC during the fight against apartheid – Mandela had in fact publicly stated on one occasion that the battle of Kuito Kwanavale , which led to negotiations resulting in the retreat of the Cuban forces from Angola and the subsequent independence of Namibia, had been crucial for the end of apartheid in South Africa (as he put it, "Kuito Kwanavale was the turning point for the liberation of our continent and of my people from the scourge of apartheid"). However, this acknowledgement fell short of a formal “thank you” to the Angolan government.
There was also the nagging issue of the support UNITA had received from South Africa, during and after the apartheid years – Zuma was actually “credited” as the only political leader to, at some point, have officially received Savimbi in his country.
In spite of some post-war military co-operation between the two countries’ armies, all that resentment was still being voiced by some in Luanda as recently as March this year when I traveled there from South Africa, where I was then temporarily based.
On the South African side, there was obviously the 'flipside' of the Angolan resentment for many reasons, but essentially because of the alleged ill-treatment dispensed by Jose’ Eduardo dos Santos to Thabo Mbeki while he was based in Luanda with the ANC delegation during the apartheid years (perhaps tellingly, in a famous letter Mbeki wrote to Zuma late last year about his forced resignation from the presidency, among the personalities he listed as having been privileged to interact with and referred to as “titans of our struggle” he mentioned Agostinho Neto, but not Eduardo dos Santos). Fortunately, this contentious issue seems to have been dissipated when both met at a SADC Heads of State meeting a year ago to discuss the Zimbabwean crisis.
I could only, therefore, feel relieved that Zuma’s just ended official visit to Angola – his first state visit since being elected South Africa’s President earlier this year, and during which he finally said the “thank you” expected for so long from the Angolan side – with an about 200 people-strong delegation comprised mostly of private entrepreneurs, finally heralded a new era in economic relations between the two regional giants. There is certainly much to be gained from this by both sides and certainly by the SADC region.
The problem with Angolan-South African political and, therefore, economic and other formal relations, was rooted mainly on two basic factors:
On the Angolan side, there was resentment that South Africa had never acknowledged its debt of gratitude to Angola for the support it gave to the ANC during the fight against apartheid – Mandela had in fact publicly stated on one occasion that the battle of Kuito Kwanavale , which led to negotiations resulting in the retreat of the Cuban forces from Angola and the subsequent independence of Namibia, had been crucial for the end of apartheid in South Africa (as he put it, "Kuito Kwanavale was the turning point for the liberation of our continent and of my people from the scourge of apartheid"). However, this acknowledgement fell short of a formal “thank you” to the Angolan government.
There was also the nagging issue of the support UNITA had received from South Africa, during and after the apartheid years – Zuma was actually “credited” as the only political leader to, at some point, have officially received Savimbi in his country.
In spite of some post-war military co-operation between the two countries’ armies, all that resentment was still being voiced by some in Luanda as recently as March this year when I traveled there from South Africa, where I was then temporarily based.
On the South African side, there was obviously the 'flipside' of the Angolan resentment for many reasons, but essentially because of the alleged ill-treatment dispensed by Jose’ Eduardo dos Santos to Thabo Mbeki while he was based in Luanda with the ANC delegation during the apartheid years (perhaps tellingly, in a famous letter Mbeki wrote to Zuma late last year about his forced resignation from the presidency, among the personalities he listed as having been privileged to interact with and referred to as “titans of our struggle” he mentioned Agostinho Neto, but not Eduardo dos Santos). Fortunately, this contentious issue seems to have been dissipated when both met at a SADC Heads of State meeting a year ago to discuss the Zimbabwean crisis.
I could only, therefore, feel relieved that Zuma’s just ended official visit to Angola – his first state visit since being elected South Africa’s President earlier this year, and during which he finally said the “thank you” expected for so long from the Angolan side – with an about 200 people-strong delegation comprised mostly of private entrepreneurs, finally heralded a new era in economic relations between the two regional giants. There is certainly much to be gained from this by both sides and certainly by the SADC region.
ANGOLA: 'FAILED' YET 'SUCCESSFUL'
(…)
Colonial and post-colonial elites showed no interest in creating an ‘open access order’ based on citizenship for all and competitive markets. A path was laid down around a weak but autocratic colonial state dependent on outside powers. Mediocre institutions and underskilled people were additional legacies. Angolan nationalist movements, their leaders imbued with norms of a ‘limited access order’, and habituated to the use of armed force, had no ready alternatives when they assumed power.
(…)
Thanks to a US-led crusade against it, to a flow of petrodollars and to a free market in military goods and services, Angola is today a highly militarised and ‘securitised’ place, one capable of deploying forces affecting politics in other African countries. Relative to the size of its population, Angola’s military, police and paramilitary forces are the largest in sub-Saharan Africa, with the probable exception of Eritrea.
(…)
A formal legal system has never been accessible to ordinary Angolans. Today the judicial branch remains weak and subordinated to central authorities. Its deficits in staff and operating systems are gradually being addressed. Courts enjoy a certain amount of public confidence. But there are few precedents of citizens bringing suit against the authorities.
(…)
Through its command of the airwaves and powers to intimidate or buy off critics, the regime controls and colours the information available to most of the public. Self-censorship is rampant. Comparative indexes compiled by Reporters Without Borders and Freedom House commonly rank Angola’s press freedoms among the more restricted in Africa, though not among the most restricted.
(…)
In Angola, the political class resides onshore but is anchored financially offshore. Its power depends on its partnership with oil corporations and the technical, financial, diplomatic and military resources they provide directly or effectively guarantee. Yet the partnership is not one of equal risks and benefits. For example, the terms of Production Sharing Contracts cushion oil corporations against price fluctuations, thereby exposing Angola to most risks of income volatility.
Companies’ technical and financial control prevents outsiders, Angolan authorities included, from knowing with any precision what actual oil output and profits are. Shielded by national and supra-national rules crafted through massive lobbying, oil corporations use transfer pricing and bank secrecy to put their revenue beyond anyone’s tax jurisdiction.
In short, Angola may be as much sinned against as sinning. Its treasury, just as treasuries elsewhere, including those of richer countries where oil companies are headquartered, is not receiving a fair share.
(…)
Should Angola persist in its current pattern of elite-centred consumption and hydrocarbon centred production, it will probably face a serious downturn by around 2020. The revenue shock triggered in 2008 by falling oil and diamond prices (accompanied in all likelihood by accelerated capital flight) provides a foretaste of what may lie ahead. The next decade could see an abrupt end to rising expectations among urban strata who aspire to stable middle class lifestyles. The current development model is thus a ticking political time bomb. The coming decade will reveal whether that bomb will be defused or not.
(…)
During the war years, the MPLA leadership ultimately overpowered domestic rivals with both military coercion and material persuasion. It gained allegiance of former rivals by furnishing access to perks, property and privileged means of extracting rents and access to foreign exchange. These measures neutralised more and more opponents, convincing most to ally themselves to the MPLA government in an everbroader elite coalition. Those showing too much ingroup loyalty or reliance on foreign economic circuits independently of Futungo would find themselves suddenly denied official favours and frozen out.
(…)
However, forums for politics made by citizens themselves are unwelcome. It is far from clear that promised electoral competition at local levels will change that. The MPLA in any case has begun preparing the ground in some detail; for example, to meet gender balances mandated in law, wives of MPLA officials are being groomed (training courses in Brazil, etc.) for elected office. The authorities emphasise gradualism in these kinds of political innovations, just as they leave no doubt that significant powers will remain in their hands.
(…)
The MPLA and Futungo have advanced the ‘colonisation’ of the civil domain by creating foundations and NGOs answerable to them. Access to benefit streams is also managed through such patronage devices as the ‘Specialty Committees’ (Comités do Partido de Especialidade) created in 2004 as a means of drawing professionals, journalists, technicians and other ‘intellectuals’ into the Party’s orbit.
A test of Angola’s elite bargains will be that of presidential succession. As of 2009 there is no evident ‘crown prince’. The choice of successor to President dos Santos will fall to a ‘selectorate’ of senior political and military figures. Toadying, back-stabbing and fallsfrom- grace have long been part of Futungo court politics, but current elite pacts appear to be broadly robust. With no one faction seriously at risk, a smooth succession process seems entirely feasible.
(…)
Capping the appearance of state resilience is the regime’s political legitimacy. As of 2009 that looks unassailable. The MPLA’s triumph in the parliamentary elections of 2008 was too massive to be attributed only to manipulation of the system and of ignorant and dissenting voters, though those things certainly played a part. For memories of war are still fresh; some people feared a return of instability like that following the last elections in 1992. Many Angolans may also simply prefer a “delegative democracy” where an acquiescent public accepts whatever the regime chooses to supply.’ All these factors probably helped tip votes toward the ruling party, for want of any credible alternative.
[Full paper here]
(…)
Colonial and post-colonial elites showed no interest in creating an ‘open access order’ based on citizenship for all and competitive markets. A path was laid down around a weak but autocratic colonial state dependent on outside powers. Mediocre institutions and underskilled people were additional legacies. Angolan nationalist movements, their leaders imbued with norms of a ‘limited access order’, and habituated to the use of armed force, had no ready alternatives when they assumed power.
(…)
Thanks to a US-led crusade against it, to a flow of petrodollars and to a free market in military goods and services, Angola is today a highly militarised and ‘securitised’ place, one capable of deploying forces affecting politics in other African countries. Relative to the size of its population, Angola’s military, police and paramilitary forces are the largest in sub-Saharan Africa, with the probable exception of Eritrea.
(…)
A formal legal system has never been accessible to ordinary Angolans. Today the judicial branch remains weak and subordinated to central authorities. Its deficits in staff and operating systems are gradually being addressed. Courts enjoy a certain amount of public confidence. But there are few precedents of citizens bringing suit against the authorities.
(…)
Through its command of the airwaves and powers to intimidate or buy off critics, the regime controls and colours the information available to most of the public. Self-censorship is rampant. Comparative indexes compiled by Reporters Without Borders and Freedom House commonly rank Angola’s press freedoms among the more restricted in Africa, though not among the most restricted.
(…)
In Angola, the political class resides onshore but is anchored financially offshore. Its power depends on its partnership with oil corporations and the technical, financial, diplomatic and military resources they provide directly or effectively guarantee. Yet the partnership is not one of equal risks and benefits. For example, the terms of Production Sharing Contracts cushion oil corporations against price fluctuations, thereby exposing Angola to most risks of income volatility.
Companies’ technical and financial control prevents outsiders, Angolan authorities included, from knowing with any precision what actual oil output and profits are. Shielded by national and supra-national rules crafted through massive lobbying, oil corporations use transfer pricing and bank secrecy to put their revenue beyond anyone’s tax jurisdiction.
In short, Angola may be as much sinned against as sinning. Its treasury, just as treasuries elsewhere, including those of richer countries where oil companies are headquartered, is not receiving a fair share.
(…)
Should Angola persist in its current pattern of elite-centred consumption and hydrocarbon centred production, it will probably face a serious downturn by around 2020. The revenue shock triggered in 2008 by falling oil and diamond prices (accompanied in all likelihood by accelerated capital flight) provides a foretaste of what may lie ahead. The next decade could see an abrupt end to rising expectations among urban strata who aspire to stable middle class lifestyles. The current development model is thus a ticking political time bomb. The coming decade will reveal whether that bomb will be defused or not.
(…)
During the war years, the MPLA leadership ultimately overpowered domestic rivals with both military coercion and material persuasion. It gained allegiance of former rivals by furnishing access to perks, property and privileged means of extracting rents and access to foreign exchange. These measures neutralised more and more opponents, convincing most to ally themselves to the MPLA government in an everbroader elite coalition. Those showing too much ingroup loyalty or reliance on foreign economic circuits independently of Futungo would find themselves suddenly denied official favours and frozen out.
(…)
However, forums for politics made by citizens themselves are unwelcome. It is far from clear that promised electoral competition at local levels will change that. The MPLA in any case has begun preparing the ground in some detail; for example, to meet gender balances mandated in law, wives of MPLA officials are being groomed (training courses in Brazil, etc.) for elected office. The authorities emphasise gradualism in these kinds of political innovations, just as they leave no doubt that significant powers will remain in their hands.
(…)
The MPLA and Futungo have advanced the ‘colonisation’ of the civil domain by creating foundations and NGOs answerable to them. Access to benefit streams is also managed through such patronage devices as the ‘Specialty Committees’ (Comités do Partido de Especialidade) created in 2004 as a means of drawing professionals, journalists, technicians and other ‘intellectuals’ into the Party’s orbit.
A test of Angola’s elite bargains will be that of presidential succession. As of 2009 there is no evident ‘crown prince’. The choice of successor to President dos Santos will fall to a ‘selectorate’ of senior political and military figures. Toadying, back-stabbing and fallsfrom- grace have long been part of Futungo court politics, but current elite pacts appear to be broadly robust. With no one faction seriously at risk, a smooth succession process seems entirely feasible.
(…)
Capping the appearance of state resilience is the regime’s political legitimacy. As of 2009 that looks unassailable. The MPLA’s triumph in the parliamentary elections of 2008 was too massive to be attributed only to manipulation of the system and of ignorant and dissenting voters, though those things certainly played a part. For memories of war are still fresh; some people feared a return of instability like that following the last elections in 1992. Many Angolans may also simply prefer a “delegative democracy” where an acquiescent public accepts whatever the regime chooses to supply.’ All these factors probably helped tip votes toward the ruling party, for want of any credible alternative.
[Full paper here]
Sunday, 23 August 2009
FALANDO DE “INTELECTUALISMO(S)” (I)
Nao subscrevo, obviamente, todos os pontos de vista do autor, mas concordo inteiramente com o seu espirito critico. Aqui vai:
O MAL É O QUE SAI DA BOCA DO INTELECTUAL DE ESQUERDA
Por
Maio de 2002
Conta Aristóteles que seu mestre Platão ocasionalmente interrompia as aulas que ministrava na Academia para questionar-se, e a seus alunos, se no tema desenvolvido eles estavam partindo dos primeiros princípios ou no caminho que se dirige a eles. No Brasil são poucos, mesmo nos mais sisudos centros acadêmicos, os que efetivamente se preocupam com essa investigação preliminar de máxima importância em qualquer campo do saber.
Nos debates públicos ventilados na imprensa, então, nem se fala. Nesse universo marcado pelo falatório sofístico não só inexiste preocupação com princípios, como a própria linguagem encontra-se tão corrompida que é impossível sequer saber com um mínimo de clareza e precisão do que se está tratando nas discussões. E o maior problema é que a adulteração do sentido das palavras é deliberada, envolvendo um projeto de dominação ideológica no sentido marxista do termo, a falsa consciência, o véu de idéias forjadas por um grupo para, ocultando a realidade, explorar os demais com a anuência expressa ou tácita dos próprios explorados.
Esse grupo é a classe letrada, a intelligentsia, obcecada pelo socialismo e imbuída do método gramsciano de reforma do senso comum para implementá-lo, como tem denunciado e fartamente provado o filósofo Olavo de Carvalho. A depravação da linguagem torna impossível identificar, isolar, compreender e enfrentar os problemas postos para a coletividade. Como discutir proveitosamente sobre algo que sequer sabemos o que é?
O objetivo desse texto é contribuir modestamente para a difícil tarefa de remover a névoa pegajosa e traiçoeira que recobre certas palavras e expressões vertidas incessantemente na imprensa por intelectuais e políticos de "esquerda" (mas não apenas eles), de modo que os interessados de boa-fé possam ao menos tentar entender com alguma nitidez o que realmente está sendo afirmado e se as propostas de ação política reclamadas são compatíveis ou não com os fins (ocultos ou declarados) almejados.
(…)
A maior e mais antiga controvérsia da economia, desde Adam Smith e até mesmo antes dele, tem por objeto a capacidade auto-reguladora do mercado. Para Smith e Bastiat, von Mises e M. Rothbard, o mercado é auto-regulável; para Malthus e Sismondi, Marx e Keynes, a economia de mercado sofre de contradições internas que acarretam sua destruição, exigindo, pois, a intervenção estatal para corrigir (ou abolir, no caso de Marx) as suas "falhas".
(…)
Após a Segunda Guerra, contudo, diante do óbvio fracasso do socialismo, no atacado e no varejo, em cumprir suas mirabolantes promessas de abundância material e excelência moral, o pensamento liberal recuperou paulatinamente uma pequena parte de sua antiga influência graças aos esforços de Friedrich Hayek, Milton Friedman, Karl Popper, Peter Bauer, James Buchanan, Raymond Aron e outros pensadores eminentes. É isso o famoso neoliberalismo, que se traduz em continuação e aperfeiçoamento do antigo liberalismo. Na esfera política, o neoliberalismo só alcançou alguma expressão nos anos 80 do século passado, inspirando certas medidas, bastante limitadas, de alívio para a iniciativa individual na economia, tomadas pelos governos Thatcher e Reagan, tão claramente bem-sucedidas que logo foram imitadas por todo o mundo, inclusive em países comunistas como a China e o Vietnã.
(…)
O neoliberalismo passou a ser inculpado por tudo de mau que acontecia pelo mundo, sobretudo em regiões em que absolutamente jamais houvera liberalismo ou neoliberalismo, como a África, continente dominado por regimes socialistas em variados graus. Após décadas de vulgarização e abuso, o termo "neoliberal" adquiriu uma conotação extremamente negativa -malgrado ninguém saiba ao certo o porquê -, comparável ao sentido odioso de palavras como "nazista" e fascista". Acontece que nazista é a abreviação de nacional-socialista, assim como virulentamente nacionalista e socialista foi o fascismo. Dito de outro modo, o nazi-fascismo é irmão xifópago do socialismo dito de "esquerda".
(…)
Ora, pode-se concordar ou discordar das idéias liberais (ou neoliberais), desde que se procure tomar conhecimento do que efetivamente são essas idéias, submetendo-as então à uma crítica racional. É absurdo tomar como reais idéias pela imagem caricatural dela que seus inimigos forjaram. Mas é exatamente isso que ocorre.
(…)
Então o que há de diferente e novo no que hoje se chama vulgarmente de "globalização"? Nada. Em boa parte o termo tem conotação negativa, identificado com capitalismo, imperialismo e bobagens do gênero. Para identificar a má-fé nessa campanha de desinformação propagandística basta constatar que seus autores são os mesmos que ainda ontem pregavam (e ainda pregam, embora em outros termos) o "internacionalismo proletário", isto é, a globalização do comunismo.
(…)
O economista Eugen von Bohm-Bawerk certa vez foi censurado por não intervir quando alguns alunos de seu seminário expunham teorias obviamente erradas e absurdas. Ele disse em resposta que nada era mais eficaz para se revelar o erro de um raciocínio do que permitir que fosse desenvolvido até suas últimas consequências lógicas.
(…)
Proponho ao leitor o seguinte teste empírico: a oferta de pão está em nosso país à cargo do mercado, enquanto que a provisão de serviços de segurança incumbe ao estado. Quem o atende com mais eficiência? Quanto a mim, não há dúvida. Eu viajei por todo o Brasil e não encontrei lugar em que não houvesse uma padaria disponível para se adquirir o tradicional pãozinho para o café da manhã. Por outro lado, sempre que necessitei de auxílio policial nas diversas ooprtunidades em que fui roubado ou furtado, fiquei frustrado. Imaginem só se a oferta de pães fosse monopólio estatal afetado a uma "Pãobrás" qualquer. Provavelmente não haveria pão em lugar nenhum, como não há em Cuba nem havia nos países comunistas.
(…)
Infelizmente é quase impossível um intelectual de esquerda aceitar esse debate franco e aberto - dialético acerca da real natureza do que se conhece como capitalismo. Para ele, premissas como "exploração", "egoísmo", "exclusão", "imperialismo" são artigos de fé (rectius: de má-fé) em toda e qualquer peroração sobre o assunto. E se o oponente prova cabalmente os múltiplos erros nos seus teoremas, o intelectual de esquerda recorre ao argumento ad hominem, também denominado por Ludwig von Mises de polilogismo, que se resume a colar no interlocutor impertinente a etiqueta odienta de "capitalista", que o torna inerentemente incapaz de sequer compreender a "lógica proletária", quanto mais refutá-la.
(…)
O termo "excluído" foi concebido pela intelectuária para substituir aos desgastados "proletário", "trabalhador" e "camponês", malgrado corresponda, mais tecnicamente, ao que os marxistas clássicos rotulavam de "lumpenproletariado". Como a retórica da "esquerda" é cada vez mais vaporosa, contraditória e mutante, "excluído" pode identificar as mais diversas categorias.
(…)
Muito mais clara e adequada é a denominação Direitos Inalienáveis inscrita pelos fundadores dos Estados Unidos no preâmbulo de sua Constituição, derivados da filosofia lockeana dos Direitos Naturais. Esses direitos à vida, à liberdade e à busca da felicidade (aos quais deve ser acrescentado o direito à propriedade legitimamente adquirida) são inalienáveis porque não se pode dispor deles sem deixar de ser Homem, bem como se caracterizam pela reciprocidade, isto é, ao direito de cada pessoa corresponde direito igual de todas as outras, e o dever geral de respeitá-los. Esses atributos de reciprocidade e universalidade são violados pelos chamados "direitos humanos".
(…)
Como Thomas Solwell observou com sagacidade, os intelectuais de "esquerda" dividem a humanidade em três grupos: os desvalidos, os desalmados e os iluminados. Os primeiros, os pobres, são maltratados pelos segundos, os ricos, cabendo aos terceiros, os próprios intelectuais de "esquerda", intervir munidos dos poderes coativos estatais para defender os bons dos maus e implantar a "justiça social" na Terra. A contradição insolúvel nesse discurso igualitário é que sua execução exige que um determinado grupo seja incumbido da tarefa de igualar os outros grupos, detendo para tanto poderes exclusivos, o que por si só inviabiliza a priori a igualdade.
(…)
Como, porém, o capitalismo é rejeitado veementemente pelos intelectuais de esquerda, conclui-se que Joaozinho Trinta estava certíssimo quando afirmou que esses sujeitos adoram a miséria. Miséria para os outros, bem entendido. A invocação da inveja, além de imoral, é contraproducente, posto que a ênfase na expropriação dos que têm mais em prol dos que têm menos desencoraja o trabalho e incentiva o parasitismo. No final do processo, a inveja resulta na miséria geral, pois quem vai querer produzir para ser roubado? E se ninguém produz, o que o parasita vai parasitar?
(…)
Ora, e quem tem mais poder econômico nesse país do que o Estado, que inclusive detém o poder de criar dinheiro? Que indivíduo, que empresa, que elite se reveste do poder de tributar, de se apropriar de 34% do que se produz nacionalmente? Quem tem privilégios como estabilidade no emprego, vencimentos desvinculados da produtividade do trabalho, aposentadoria especial, remuneração muito acima da média nacional etc. etc. etc.? Ora, que eu saiba são os funcionários públicos a elite mais rica e poderosa do Brasil. (…) Acontece que a incessante ladainha dos intelectuais de "esquerda" é justamente atribuir ainda mais poder e mais dinheiro a essa elite insaciável, da qual a maioria deles faz parte. Isso é que é "utopia" em causa própria!
(…)
O intelectual de "esquerda" ama de paixão a palavra "crítica", desde que não seja jamais criticado. Para ele, somente aqueles que foram devidamente doutrinados nas idéias esquerdistas são indivíduos "conscientes" e "críticos". Ocorre que a peculiaridade de pessoas que pensam assim é exatamente a completa incapacidade de raciocinar criticamente, isto é, de pensar por si mesmas, articular argumentos e formar juízos objetivos e imparciais sobre a realidade. Na melhor tradição orwelliana, para o intelectual de "esquerda", "consciente" é o que para gente normal é "lobotomizado", e "crítico" traduz-se por "acrítico".
(…)
Essa é clássica. Os intelectuais de "esquerda" denominam assim ("setores conscientes e organizados") os grupos que estão inteiramente doutrinados e arregimentados por eles. Quem está fora é "alienado" ou "inimigo de classe".
(…)
Para os intelectuais de esquerda as "elites perversas" são sempre os outros, nunca eles mesmos, não obstante eles constituam evidentemente um grupo de elite.
(…)
A lista acima é meramente exemplificativa. Cada leitor pode compor a sua própria lista, e, se umas vinte pessoas o fizessem, poderiam publicar uma enciclopédia de sofismas com uns dez volumes. O fato é que enquanto a linguagem continuar ideologicamente viciada como está nada vai mudar nesse país – salvo para pior.
[Texto integral aqui]
Nao subscrevo, obviamente, todos os pontos de vista do autor, mas concordo inteiramente com o seu espirito critico. Aqui vai:
O MAL É O QUE SAI DA BOCA DO INTELECTUAL DE ESQUERDA
Por
Maio de 2002
Conta Aristóteles que seu mestre Platão ocasionalmente interrompia as aulas que ministrava na Academia para questionar-se, e a seus alunos, se no tema desenvolvido eles estavam partindo dos primeiros princípios ou no caminho que se dirige a eles. No Brasil são poucos, mesmo nos mais sisudos centros acadêmicos, os que efetivamente se preocupam com essa investigação preliminar de máxima importância em qualquer campo do saber.
Nos debates públicos ventilados na imprensa, então, nem se fala. Nesse universo marcado pelo falatório sofístico não só inexiste preocupação com princípios, como a própria linguagem encontra-se tão corrompida que é impossível sequer saber com um mínimo de clareza e precisão do que se está tratando nas discussões. E o maior problema é que a adulteração do sentido das palavras é deliberada, envolvendo um projeto de dominação ideológica no sentido marxista do termo, a falsa consciência, o véu de idéias forjadas por um grupo para, ocultando a realidade, explorar os demais com a anuência expressa ou tácita dos próprios explorados.
Esse grupo é a classe letrada, a intelligentsia, obcecada pelo socialismo e imbuída do método gramsciano de reforma do senso comum para implementá-lo, como tem denunciado e fartamente provado o filósofo Olavo de Carvalho. A depravação da linguagem torna impossível identificar, isolar, compreender e enfrentar os problemas postos para a coletividade. Como discutir proveitosamente sobre algo que sequer sabemos o que é?
O objetivo desse texto é contribuir modestamente para a difícil tarefa de remover a névoa pegajosa e traiçoeira que recobre certas palavras e expressões vertidas incessantemente na imprensa por intelectuais e políticos de "esquerda" (mas não apenas eles), de modo que os interessados de boa-fé possam ao menos tentar entender com alguma nitidez o que realmente está sendo afirmado e se as propostas de ação política reclamadas são compatíveis ou não com os fins (ocultos ou declarados) almejados.
(…)
A maior e mais antiga controvérsia da economia, desde Adam Smith e até mesmo antes dele, tem por objeto a capacidade auto-reguladora do mercado. Para Smith e Bastiat, von Mises e M. Rothbard, o mercado é auto-regulável; para Malthus e Sismondi, Marx e Keynes, a economia de mercado sofre de contradições internas que acarretam sua destruição, exigindo, pois, a intervenção estatal para corrigir (ou abolir, no caso de Marx) as suas "falhas".
(…)
Após a Segunda Guerra, contudo, diante do óbvio fracasso do socialismo, no atacado e no varejo, em cumprir suas mirabolantes promessas de abundância material e excelência moral, o pensamento liberal recuperou paulatinamente uma pequena parte de sua antiga influência graças aos esforços de Friedrich Hayek, Milton Friedman, Karl Popper, Peter Bauer, James Buchanan, Raymond Aron e outros pensadores eminentes. É isso o famoso neoliberalismo, que se traduz em continuação e aperfeiçoamento do antigo liberalismo. Na esfera política, o neoliberalismo só alcançou alguma expressão nos anos 80 do século passado, inspirando certas medidas, bastante limitadas, de alívio para a iniciativa individual na economia, tomadas pelos governos Thatcher e Reagan, tão claramente bem-sucedidas que logo foram imitadas por todo o mundo, inclusive em países comunistas como a China e o Vietnã.
(…)
O neoliberalismo passou a ser inculpado por tudo de mau que acontecia pelo mundo, sobretudo em regiões em que absolutamente jamais houvera liberalismo ou neoliberalismo, como a África, continente dominado por regimes socialistas em variados graus. Após décadas de vulgarização e abuso, o termo "neoliberal" adquiriu uma conotação extremamente negativa -malgrado ninguém saiba ao certo o porquê -, comparável ao sentido odioso de palavras como "nazista" e fascista". Acontece que nazista é a abreviação de nacional-socialista, assim como virulentamente nacionalista e socialista foi o fascismo. Dito de outro modo, o nazi-fascismo é irmão xifópago do socialismo dito de "esquerda".
(…)
Ora, pode-se concordar ou discordar das idéias liberais (ou neoliberais), desde que se procure tomar conhecimento do que efetivamente são essas idéias, submetendo-as então à uma crítica racional. É absurdo tomar como reais idéias pela imagem caricatural dela que seus inimigos forjaram. Mas é exatamente isso que ocorre.
(…)
Então o que há de diferente e novo no que hoje se chama vulgarmente de "globalização"? Nada. Em boa parte o termo tem conotação negativa, identificado com capitalismo, imperialismo e bobagens do gênero. Para identificar a má-fé nessa campanha de desinformação propagandística basta constatar que seus autores são os mesmos que ainda ontem pregavam (e ainda pregam, embora em outros termos) o "internacionalismo proletário", isto é, a globalização do comunismo.
(…)
O economista Eugen von Bohm-Bawerk certa vez foi censurado por não intervir quando alguns alunos de seu seminário expunham teorias obviamente erradas e absurdas. Ele disse em resposta que nada era mais eficaz para se revelar o erro de um raciocínio do que permitir que fosse desenvolvido até suas últimas consequências lógicas.
(…)
Proponho ao leitor o seguinte teste empírico: a oferta de pão está em nosso país à cargo do mercado, enquanto que a provisão de serviços de segurança incumbe ao estado. Quem o atende com mais eficiência? Quanto a mim, não há dúvida. Eu viajei por todo o Brasil e não encontrei lugar em que não houvesse uma padaria disponível para se adquirir o tradicional pãozinho para o café da manhã. Por outro lado, sempre que necessitei de auxílio policial nas diversas ooprtunidades em que fui roubado ou furtado, fiquei frustrado. Imaginem só se a oferta de pães fosse monopólio estatal afetado a uma "Pãobrás" qualquer. Provavelmente não haveria pão em lugar nenhum, como não há em Cuba nem havia nos países comunistas.
(…)
Infelizmente é quase impossível um intelectual de esquerda aceitar esse debate franco e aberto - dialético acerca da real natureza do que se conhece como capitalismo. Para ele, premissas como "exploração", "egoísmo", "exclusão", "imperialismo" são artigos de fé (rectius: de má-fé) em toda e qualquer peroração sobre o assunto. E se o oponente prova cabalmente os múltiplos erros nos seus teoremas, o intelectual de esquerda recorre ao argumento ad hominem, também denominado por Ludwig von Mises de polilogismo, que se resume a colar no interlocutor impertinente a etiqueta odienta de "capitalista", que o torna inerentemente incapaz de sequer compreender a "lógica proletária", quanto mais refutá-la.
(…)
O termo "excluído" foi concebido pela intelectuária para substituir aos desgastados "proletário", "trabalhador" e "camponês", malgrado corresponda, mais tecnicamente, ao que os marxistas clássicos rotulavam de "lumpenproletariado". Como a retórica da "esquerda" é cada vez mais vaporosa, contraditória e mutante, "excluído" pode identificar as mais diversas categorias.
(…)
Muito mais clara e adequada é a denominação Direitos Inalienáveis inscrita pelos fundadores dos Estados Unidos no preâmbulo de sua Constituição, derivados da filosofia lockeana dos Direitos Naturais. Esses direitos à vida, à liberdade e à busca da felicidade (aos quais deve ser acrescentado o direito à propriedade legitimamente adquirida) são inalienáveis porque não se pode dispor deles sem deixar de ser Homem, bem como se caracterizam pela reciprocidade, isto é, ao direito de cada pessoa corresponde direito igual de todas as outras, e o dever geral de respeitá-los. Esses atributos de reciprocidade e universalidade são violados pelos chamados "direitos humanos".
(…)
Como Thomas Solwell observou com sagacidade, os intelectuais de "esquerda" dividem a humanidade em três grupos: os desvalidos, os desalmados e os iluminados. Os primeiros, os pobres, são maltratados pelos segundos, os ricos, cabendo aos terceiros, os próprios intelectuais de "esquerda", intervir munidos dos poderes coativos estatais para defender os bons dos maus e implantar a "justiça social" na Terra. A contradição insolúvel nesse discurso igualitário é que sua execução exige que um determinado grupo seja incumbido da tarefa de igualar os outros grupos, detendo para tanto poderes exclusivos, o que por si só inviabiliza a priori a igualdade.
(…)
Como, porém, o capitalismo é rejeitado veementemente pelos intelectuais de esquerda, conclui-se que Joaozinho Trinta estava certíssimo quando afirmou que esses sujeitos adoram a miséria. Miséria para os outros, bem entendido. A invocação da inveja, além de imoral, é contraproducente, posto que a ênfase na expropriação dos que têm mais em prol dos que têm menos desencoraja o trabalho e incentiva o parasitismo. No final do processo, a inveja resulta na miséria geral, pois quem vai querer produzir para ser roubado? E se ninguém produz, o que o parasita vai parasitar?
(…)
Ora, e quem tem mais poder econômico nesse país do que o Estado, que inclusive detém o poder de criar dinheiro? Que indivíduo, que empresa, que elite se reveste do poder de tributar, de se apropriar de 34% do que se produz nacionalmente? Quem tem privilégios como estabilidade no emprego, vencimentos desvinculados da produtividade do trabalho, aposentadoria especial, remuneração muito acima da média nacional etc. etc. etc.? Ora, que eu saiba são os funcionários públicos a elite mais rica e poderosa do Brasil. (…) Acontece que a incessante ladainha dos intelectuais de "esquerda" é justamente atribuir ainda mais poder e mais dinheiro a essa elite insaciável, da qual a maioria deles faz parte. Isso é que é "utopia" em causa própria!
(…)
O intelectual de "esquerda" ama de paixão a palavra "crítica", desde que não seja jamais criticado. Para ele, somente aqueles que foram devidamente doutrinados nas idéias esquerdistas são indivíduos "conscientes" e "críticos". Ocorre que a peculiaridade de pessoas que pensam assim é exatamente a completa incapacidade de raciocinar criticamente, isto é, de pensar por si mesmas, articular argumentos e formar juízos objetivos e imparciais sobre a realidade. Na melhor tradição orwelliana, para o intelectual de "esquerda", "consciente" é o que para gente normal é "lobotomizado", e "crítico" traduz-se por "acrítico".
(…)
Essa é clássica. Os intelectuais de "esquerda" denominam assim ("setores conscientes e organizados") os grupos que estão inteiramente doutrinados e arregimentados por eles. Quem está fora é "alienado" ou "inimigo de classe".
(…)
Para os intelectuais de esquerda as "elites perversas" são sempre os outros, nunca eles mesmos, não obstante eles constituam evidentemente um grupo de elite.
(…)
A lista acima é meramente exemplificativa. Cada leitor pode compor a sua própria lista, e, se umas vinte pessoas o fizessem, poderiam publicar uma enciclopédia de sofismas com uns dez volumes. O fato é que enquanto a linguagem continuar ideologicamente viciada como está nada vai mudar nesse país – salvo para pior.
[Texto integral aqui]
Saturday, 22 August 2009
Friday, 21 August 2009
OLHARES DIVERSOS (IX)
Os partidos da oposição e algumas organizações cívicas que estão a fazer aproveitamento populista disso deveriam ter mais cuidado: estão a brincar com um barril de pólvora que, ao explodir, pode liquidá-los também. E o partido no poder, que, por isso mesmo, tem responsabilidades acrescidas, deve ser mais prudente na sua actuação para não dar azo a situações como aquela marcha travada in extremis. Por acaso fui apanhado no meio dela quando, passando pela estrada da Samba, me dirigia ao serviço. Lembro-me de ter apanhado um valente susto quando um dos manifestantes, muito irado, deu um valente soco na porta do meu carro enquanto gritava ‹‹são esses brancos de merda...››! Tirei o chapéu que sempre uso para que todos os manifestantes vissem que o meu cabelo, apesar de branco, era encarapinhado demais para ser de um ‹‹branco››... enquanto tremia de medo.
Esta semana estive – como aliás quase toda a equipa do Semanário Angolense – bastante envolvido em estudar e compreender a recente onda de demolições e as reacções que provocam na cidade de Luanda. Conversei com vários actores, ouvi discursos, entrevistas e depoimentos e fiz uma visita aos bairros Iraque e Bagdade. Por isso, deixo aqui expressa a minha opinião sobre o assunto.
Como outros cidadãos, eu também estou a construir uma casa. Sei o que é apertar o cinto, contrair empréstimos, passar noites sem dormir para ver de onde poderão sair mais alguns tostões para comprar mais uns blocos, uns sacos de cimento, um mosaico, um azulejo. Para ‹‹poupar o dinheiro das rendas e terminar já dentro›› eu e a minha família começamos a habitar a casa em construção quando ela nem sequer portas e janelas tinha. Durante dois dias ficamos totalmente expostos. Lembro-me que uma das minhas filhas não dormia por causa dos mosquitos.
Eu sei o que é o sacrifício de construir uma casa, por mais pobre que seja. Por experiência própria, não sou, não consigo ser a favor de demolições. Só em casos devidamente justificados eu daria o meu aval a uma demolição. Sei a fera em que me tornaria se algum dia o kamartelo aparecesse a demolir o meu chimbeco. Por causa da minha experiência pessoal, sou dos que defende que a demolição de uma propriedade, construída com o sacrifício do cidadão, só deveria partir dos tribunais depois de devidamente analisado o caso.
O meu desacordo vai também para aqueles meus compatriotas que, na mira do lucro fácil, constroem deliberadamente em espaços que sabem pertencer a outrem. São conhecidos muitos casos de pessoas a quem o governo indemniza para deixarem um determinado terreno mas que, passados minutos, já estão a erguer o que chamam de casas no outro extremo do mesmo terreno pelo qual acabaram de ser indemnizadas. Também já não é segredo que muitas pessoas agem em conluio com funcionários das administrações locais, de quem recebem todos os ‹‹azimutes›› relativos às indemnizações que o governo destina aos ocupantes de uma determinada área. Não é por acaso que casas nascem do dia para noite em áreas onde está prevista a deslocação de funcionários do governo para negociar desalojamentos e respectivas indemnizações.
As pessoas de boa fé – e nisso quero incluir todas as ONG – não podem ignorar que esse tipo de oportunismo ganha cada vez mais terreno em Luanda. Tenho para mim que só há um remédio para acabar com as demolições e com a ocupação anárquica de terrenos: a construção de mais casas. Se o governo conseguisse, pelo menos, construir 80% do prometido ‹‹pacote›› de 1 milhão de casas – isso significaria 800.000 casas! – já resolveria o problema habitacional de toda a população do nosso país. É que 800.000 famílias resultam em 5.600.000 pessoas à razão de 7 pessoas por família. Ora, se pensarmos que somos 17.000.000 habitantes no país isso significa 33% da população com casa nova (se for o milhão completo isso dá casa nova para 41% da população, isto é, quase metade dos angolanos). Ora, como mais de metade das famílias angolanas já vivem em casas próprias, pode-se pensar que o programa do governo almeja literalmente casa para todos até o ano 2012.
Por isso, pelo tremendo impacto positivo que um programa destes tem para o desenvolvimento do país, e principalmente para a realização do direito de cada cidadão a um tecto digno, terminado o período eleitoral ele deveria ter uma dimensão suprapartidária e o MPLA seria avisado se promovesse essa abordagem. É, sobretudo, por essa razão que não se compreende porquê o governo está a perseguir uma abordagem tão desastrada, e que está a colher a condenação de quase todos os sectores da sociedade, apesar da nobreza reconhecida das suas intenções. Deveria ser possível um plano estruturado de realojamento de cidadãos desalojados seja pelas calamidades naturais seja pelas necessidades – incontornáveis, diga-se de passagem – da requalificação urbana das cidades. Não deveria ser necessário colocar as pessoas em campos de deslocados sem condições nenhumas, sem escola para os filhos, longe dos empregos dos pais, enfim sem plano nem programa.
Em nenhum momento deveria ser necessário demolir residências como aconteceu na Feira Ngoma e agora no Iraque e Bagdade. Porque alguns dos cidadãos que ali estavam compraram legalmente os terrenos e têm documentos que provam isso. E estão ali há mais de três anos, não foram lá do dia para a noite não senhor. E os ‹‹casebres›› a que o Sr. vice-governador de Luanda se refere – uma grande falta de respeito ao povo que elegeu o ‹‹seu›› partido – são aquilo que eles puderam, com as suas parcas economias, construir. Concedendo que houve alguns aproveitadores – e houve – compete ao governo, que tem responsabilidades de Estado, contornar essa situação. Como? Através da educação cívica, diálogo, negociação, concertação e, caso isso não resulte, então, sim, pelo uso da força. E nesse processo, tudo deve ser feito de forma transparente por forma a que a opinião pública, nacional e estrangeira, possa acompanhar e tirar as próprias ilações. Aonde anda uma estratégia de comunicação e marketing do governo, ministro Rabelais e secretário Kwata Kanawa?
O receio de uma implosão social causada pela manifesta falta de criatividade de alguns – não todos— administradores e governo provincial de Luanda é real e deve ser devidamente tido em atenção. Os partidos da oposição e algumas organizações cívicas que estão a fazer aproveitamento populista disso deveriam ter mais cuidado: estão a brincar com um barril de pólvora que, ao explodir, pode liquidá-los também. E o partido no poder, que, por isso mesmo, tem responsabilidades acrescidas, deve ser mais prudente na sua actuação para não dar azo a situações como aquela marcha travada in extremis.
Por acaso fui apanhado no meio dela quando, passando pela estrada da Samba, me dirigia ao serviço. Lembro-me de ter apanhado um valente susto quando um dos manifestantes, muito irado, deu um valente soco na porta do meu carro enquanto gritava ‹‹são esses brancos de merda...››! Tirei o chapéu que sempre uso para que todos os manifestantes vissem que o meu cabelo, apesar de branco, era encarapinhado demais para ser de um ‹‹branco››... enquanto tremia de medo. Conto esse episódio para, de forma simples, chamar a atenção para os contornos perigosos que isso tudo já está a tomar. Aliás, não creio que tenha sido o único a levar um susto naquele dia.
Reitero: apesar de concordar com os objectivos do programa habitacional do governo – pelas razões apontadas acima – acho que este está a cometer um grave erro na maneira como está a operacionalizar este programa, no concernente à gestão das expectativas, medos e frustrações das populações. Esse erro está a pôr em risco a estabilidade do país, duramente conquistada e que tantos benefícios tem vindo a trazer a todos. O MPLA precisa – urgentemente – de deixar de embandeirar em arco com os 82% e instruir o seu executivo a mostrar resultados sim, mas também a manter as populações do seu lado. Precisa-se de estratégias de educação popular e informação das massas e elites daquilo que se está e se pretende fazer. É preciso (re)conquistar a opinião pública e, lá onde seja preciso, pedir ao povo mais um sacrifício, um pouco mais de paciência.
[In Semanario Angolense, Luanda, edicao # 328]
Os partidos da oposição e algumas organizações cívicas que estão a fazer aproveitamento populista disso deveriam ter mais cuidado: estão a brincar com um barril de pólvora que, ao explodir, pode liquidá-los também. E o partido no poder, que, por isso mesmo, tem responsabilidades acrescidas, deve ser mais prudente na sua actuação para não dar azo a situações como aquela marcha travada in extremis. Por acaso fui apanhado no meio dela quando, passando pela estrada da Samba, me dirigia ao serviço. Lembro-me de ter apanhado um valente susto quando um dos manifestantes, muito irado, deu um valente soco na porta do meu carro enquanto gritava ‹‹são esses brancos de merda...››! Tirei o chapéu que sempre uso para que todos os manifestantes vissem que o meu cabelo, apesar de branco, era encarapinhado demais para ser de um ‹‹branco››... enquanto tremia de medo.
Esta semana estive – como aliás quase toda a equipa do Semanário Angolense – bastante envolvido em estudar e compreender a recente onda de demolições e as reacções que provocam na cidade de Luanda. Conversei com vários actores, ouvi discursos, entrevistas e depoimentos e fiz uma visita aos bairros Iraque e Bagdade. Por isso, deixo aqui expressa a minha opinião sobre o assunto.
Como outros cidadãos, eu também estou a construir uma casa. Sei o que é apertar o cinto, contrair empréstimos, passar noites sem dormir para ver de onde poderão sair mais alguns tostões para comprar mais uns blocos, uns sacos de cimento, um mosaico, um azulejo. Para ‹‹poupar o dinheiro das rendas e terminar já dentro›› eu e a minha família começamos a habitar a casa em construção quando ela nem sequer portas e janelas tinha. Durante dois dias ficamos totalmente expostos. Lembro-me que uma das minhas filhas não dormia por causa dos mosquitos.
Eu sei o que é o sacrifício de construir uma casa, por mais pobre que seja. Por experiência própria, não sou, não consigo ser a favor de demolições. Só em casos devidamente justificados eu daria o meu aval a uma demolição. Sei a fera em que me tornaria se algum dia o kamartelo aparecesse a demolir o meu chimbeco. Por causa da minha experiência pessoal, sou dos que defende que a demolição de uma propriedade, construída com o sacrifício do cidadão, só deveria partir dos tribunais depois de devidamente analisado o caso.
O meu desacordo vai também para aqueles meus compatriotas que, na mira do lucro fácil, constroem deliberadamente em espaços que sabem pertencer a outrem. São conhecidos muitos casos de pessoas a quem o governo indemniza para deixarem um determinado terreno mas que, passados minutos, já estão a erguer o que chamam de casas no outro extremo do mesmo terreno pelo qual acabaram de ser indemnizadas. Também já não é segredo que muitas pessoas agem em conluio com funcionários das administrações locais, de quem recebem todos os ‹‹azimutes›› relativos às indemnizações que o governo destina aos ocupantes de uma determinada área. Não é por acaso que casas nascem do dia para noite em áreas onde está prevista a deslocação de funcionários do governo para negociar desalojamentos e respectivas indemnizações.
As pessoas de boa fé – e nisso quero incluir todas as ONG – não podem ignorar que esse tipo de oportunismo ganha cada vez mais terreno em Luanda. Tenho para mim que só há um remédio para acabar com as demolições e com a ocupação anárquica de terrenos: a construção de mais casas. Se o governo conseguisse, pelo menos, construir 80% do prometido ‹‹pacote›› de 1 milhão de casas – isso significaria 800.000 casas! – já resolveria o problema habitacional de toda a população do nosso país. É que 800.000 famílias resultam em 5.600.000 pessoas à razão de 7 pessoas por família. Ora, se pensarmos que somos 17.000.000 habitantes no país isso significa 33% da população com casa nova (se for o milhão completo isso dá casa nova para 41% da população, isto é, quase metade dos angolanos). Ora, como mais de metade das famílias angolanas já vivem em casas próprias, pode-se pensar que o programa do governo almeja literalmente casa para todos até o ano 2012.
Por isso, pelo tremendo impacto positivo que um programa destes tem para o desenvolvimento do país, e principalmente para a realização do direito de cada cidadão a um tecto digno, terminado o período eleitoral ele deveria ter uma dimensão suprapartidária e o MPLA seria avisado se promovesse essa abordagem. É, sobretudo, por essa razão que não se compreende porquê o governo está a perseguir uma abordagem tão desastrada, e que está a colher a condenação de quase todos os sectores da sociedade, apesar da nobreza reconhecida das suas intenções. Deveria ser possível um plano estruturado de realojamento de cidadãos desalojados seja pelas calamidades naturais seja pelas necessidades – incontornáveis, diga-se de passagem – da requalificação urbana das cidades. Não deveria ser necessário colocar as pessoas em campos de deslocados sem condições nenhumas, sem escola para os filhos, longe dos empregos dos pais, enfim sem plano nem programa.
Em nenhum momento deveria ser necessário demolir residências como aconteceu na Feira Ngoma e agora no Iraque e Bagdade. Porque alguns dos cidadãos que ali estavam compraram legalmente os terrenos e têm documentos que provam isso. E estão ali há mais de três anos, não foram lá do dia para a noite não senhor. E os ‹‹casebres›› a que o Sr. vice-governador de Luanda se refere – uma grande falta de respeito ao povo que elegeu o ‹‹seu›› partido – são aquilo que eles puderam, com as suas parcas economias, construir. Concedendo que houve alguns aproveitadores – e houve – compete ao governo, que tem responsabilidades de Estado, contornar essa situação. Como? Através da educação cívica, diálogo, negociação, concertação e, caso isso não resulte, então, sim, pelo uso da força. E nesse processo, tudo deve ser feito de forma transparente por forma a que a opinião pública, nacional e estrangeira, possa acompanhar e tirar as próprias ilações. Aonde anda uma estratégia de comunicação e marketing do governo, ministro Rabelais e secretário Kwata Kanawa?
O receio de uma implosão social causada pela manifesta falta de criatividade de alguns – não todos— administradores e governo provincial de Luanda é real e deve ser devidamente tido em atenção. Os partidos da oposição e algumas organizações cívicas que estão a fazer aproveitamento populista disso deveriam ter mais cuidado: estão a brincar com um barril de pólvora que, ao explodir, pode liquidá-los também. E o partido no poder, que, por isso mesmo, tem responsabilidades acrescidas, deve ser mais prudente na sua actuação para não dar azo a situações como aquela marcha travada in extremis.
Por acaso fui apanhado no meio dela quando, passando pela estrada da Samba, me dirigia ao serviço. Lembro-me de ter apanhado um valente susto quando um dos manifestantes, muito irado, deu um valente soco na porta do meu carro enquanto gritava ‹‹são esses brancos de merda...››! Tirei o chapéu que sempre uso para que todos os manifestantes vissem que o meu cabelo, apesar de branco, era encarapinhado demais para ser de um ‹‹branco››... enquanto tremia de medo. Conto esse episódio para, de forma simples, chamar a atenção para os contornos perigosos que isso tudo já está a tomar. Aliás, não creio que tenha sido o único a levar um susto naquele dia.
Reitero: apesar de concordar com os objectivos do programa habitacional do governo – pelas razões apontadas acima – acho que este está a cometer um grave erro na maneira como está a operacionalizar este programa, no concernente à gestão das expectativas, medos e frustrações das populações. Esse erro está a pôr em risco a estabilidade do país, duramente conquistada e que tantos benefícios tem vindo a trazer a todos. O MPLA precisa – urgentemente – de deixar de embandeirar em arco com os 82% e instruir o seu executivo a mostrar resultados sim, mas também a manter as populações do seu lado. Precisa-se de estratégias de educação popular e informação das massas e elites daquilo que se está e se pretende fazer. É preciso (re)conquistar a opinião pública e, lá onde seja preciso, pedir ao povo mais um sacrifício, um pouco mais de paciência.
[In Semanario Angolense, Luanda, edicao # 328]
Thursday, 20 August 2009
OSCAR RIBAS
Depois da primeira apresentacao, bastava a Sao pronunciar o meu nome e ele imediatamente retomava a nossa conversa pelo exacto ponto onde a tinhamos deixado no ano anterior.
Conversavamos um pouco sobre coisas como culinaria angolana, como ia o meu curso, ou de como ia a terra.
Foi um prazer conhece-lo.
Depois da primeira apresentacao, bastava a Sao pronunciar o meu nome e ele imediatamente retomava a nossa conversa pelo exacto ponto onde a tinhamos deixado no ano anterior.
Conversavamos um pouco sobre coisas como culinaria angolana, como ia o meu curso, ou de como ia a terra.
Foi um prazer conhece-lo.
Tuesday, 18 August 2009
FALANDO DE GERACOES…
Esta minha “geracao R”, porem, nao e’ estritamente Angolana: existe dispersa um pouco por todo o globo e parte dela, entre a qual me incluo, e’, declaradamente ou nao, stateless, porquanto, para a maior parte dos, quando nao para todos os, efeitos legais, nao temos estado – muito menos partido!
Esta condicao faz com que, por exemplo, nos seja negada a renovacao do nosso passaporte nacional pelo “nosso pais” de origem ou, como ainda muito recentemente aconteceu a me, myself and I (e nao pela primeira vez…), nos seja negado um visto de entrada nesse mesmo pais, ao mesmo tempo que aos nossos colegas de trabalho ‘estrangeiros’ tal visto e’ prontamente concedido – situacao que, neste caso concreto, so’ pode ser ultrapassada gracas a benemerita intervencao de um embaixador de um terceiro pais – o que imediatamente nos coloca sob suspeicao perante os nossos empregadores, actuais ou prospectivos (como, alias, ja’ nos aconteceu no passado..), de sermos persona non grata naquele que dizemos, sentimos e sempre soubemos ser “o nosso pais”, impedindo-nos assim, mais frequentemente do que nao, de trabalhar em qualquer funcao ou projecto, mesmo que apenas estritamente academico, que exija algum contacto com Angola…
Esta minha “geracao R”, em consequencia do seu estado de statelessness, nao se pode dar ao luxo de deixar-se adormecer, seja sobre louros ou espinhos, tendo que lutar incessante e incansavelmente para se sustentar a si propria condignamente e para manter em todas as circunstancias a sua mente lucida e a sua cabeca erguida, sob pena de acabar literalmente por "nao ter onde cair morta", sujeitando-se entretanto a ser "debicada" por vultos e abutres famintos de todas as latitudes enquanto ainda viva…
Condicao que, em principio, nos deveria aproximar uns dos outros, mas que a propria situacao de global statelessness nos impede de o fazer: sabemos apenas que existimos por ai algures e tendemos a identificar-nos individualmente como me, myself and I – sendo esta uma exigencia de sobrevivencia fisica e espiritual, porquanto a partir do momento em que perdemos o sentido de nos proprios e da nossa identidade (mesmo se ligeiramente e apenas para nos permitirmos coisas tais como priorizarmos a nossa "elegancia fisica" sobre a nossa "elegancia mental, psicologica e moral", ou darmo-nos a "indulgencias literarias e artisticas"…), podemos correr o risco de perder por completo “todos os sentidos”, senao a propria vida… Enfim, a minha geracao, a “geracao R”, e’, literalmente falando, a geracao dos “excluidos dos excluidos”, a geracao dos condenados da terra – num sentido em que nem Fanon tera’ suspeitado pudesse alguma vez existir em lugar algum!
Tomo agora nota da existencia no “nosso pais” de uma designada “geracao X” que, pela descricao (que pouco ou nada tem a ver com as definicoes convencionais dessa geracao), se parece assemelhar muito as geracoes yuppies que, desde os anos 80 do seculo passado (ou seja, desde os tempos da “geracao das incertezas” em Angola), vem aparecendo um pouco por todos os paises, em determinadas fases bem identificadas da sua historia economica.
Mas, alegadamente, esta “geracao X” de Angola tem uma particularidade exclusiva: “faz parte, ou tenta colar-se, ao partido da situacao”. Por sinal, um partido por onde me, myself and I entramos e saimos muito antes do florescimento da dita “geracao das incertezas”, ou seja, num tempo em que nao havia nada a ganhar por dele se fazer parte: em muitos casos, como no de me, myself and I, muito antes pelo contrario! E dele, me, myself and I saimos de livre e espontanea vontade e for good: para nao mais voltar! Para esse, ou para qualquer outro partido politico. Quanto muito, tentamos lutar agora, tanto quanto nos e’ possivel, pelo fim do nosso involuntario estado de statelessness, o qual apenas podemos supor nos esteja a ser forcado por umas quaisquer “forcas ocultas nao identificadas”, devido aos nossos varios “atrevimentos”, desconfortaveis para a “situacao” (e, tudo indica, tambem para alguma “oposicao”) do “nosso pais”, ao longo dos anos …
Mas sei que ha’ no “nosso pais”, para alem da dita “geracao X”, outras geracoes: nomeadamente a “geracao A” e a “geracao Y”. A “geracao A” e’ a que vem antes de tudo e de todos: e’ a “geracao dos possidentes” de tudo quanto e’ supostamente devido a 'parte' daqueles que podem reclamar-se de terem “estado em todas” e terem conseguido manter-se “ilesos” ate’ agora – alguns desde a(s) luta(s) de libertacao, dum ou doutro(s) lado(s), outros ha’ menos tempo, mas, em qualquer dos casos, todos politica, social e economicamente “intocaveis”, embora uns mais do que outros. Constituem, portanto, o establishment ou, se se preferir, a “situacao”.
Ja’ a “geracao Y” (que tambem pouco ou nada tem a ver com as definicoes convencionais dessa geracao) e’ um pouco mais “complexa(da?)”: apesar de, geralmente, social, profissional e economicamente “bem de vida”, no “nosso pais” ou fora dele, nao sera’ exactamente politicamente “intocavel”, mas o seu nucleo central cada vez mais comeca a dar mostras de pretender se-lo.
E, nao fazendo necessariamente parte funcional da “situacao” politica, faz certamente parte estrutural do establishment social e/ou cultural e parte dela fez durante muito tempo, ou ainda faz parte, ainda que marginalmente em alguns casos, do partido da “situacao” e sobrevive manifestamente gracas a “pactos de regime”, ou “de elites”, que lhes sao propiciados, tanto pela “situacao” do “nosso pais” (quanto mais nao seja porque fazem muita questao de se dizerem, ou fazerem, todos “primos” uns dos outros, ou membros dos mesmos “circulos restritos”, assim constituindo a famosa "grande familia"…), como, em alguns casos, pelos seus “parceiros estrangeiros”, o que lhes permite escapar ao estado de statelessness em que vive a minha “geracao R”, dentro ou fora do “nosso pais”.
Decididamente, esta “geracao Y” nao e’, nem nunca foi, “rejeitada” ou “excluida”, mesmo no caso de alguns dos seus membros que, tendo episodicamente sofrido a “mao pesada” do estado, a ela conseguiram sobreviver: e’ apenas aquela geracao que sempre teve e continua a ter tudo, excepto o poder politico (e parece nao olhar a meios para o obter...), ou seja, so’ lhe falta um escalao para atingir o status de “geracao Z”: o zenite a partir do qual destronara' triunfalmente a “geracao A” e co-optara', ou eclipsara', a actual “geracao X”, muito provavelmente substituindo-a pelos seus proprios filhos, nos casos em que estes ainda nao fazem parte dela…
Mas, enquanto la’ nao chegam, vao falando em nome dos “excluidos” e, enquanto de “barriga cheia” e "nariz empinado", muito self-righteously, vivem de punho erguido e dedo em riste contra tudo e todos que lhes parecam constituir uma ameaca aquele seu desiderato, ou que, simplesmente, nao lhes demonstrem “o devido respeito”... Atitude, alias, pela qual alguns deles sao sobejamente conhecidos desde os longinquos, famigerados e malfadados tempos de todos os “PRECs”, apenas evidenciando que indeed, old habits die hard and old dogs can’t learn new tricks! Mas, ainda assim, desejo-lhes a todos boa sorte nessa sua gloriosa escalada em direccao a “sua (exclusiva) situacao”...
No entanto, o que essas geracoes teem de comum entre si, e que as diferencia marcadamente da minha “geracao R”, e’ que todas elas vivem, ou viveram a maior parte das suas vidas, sob a sombra do estado (ou de um dos pelo menos dois "partidos-estado") do “nosso pais”, isto e’, nunca foram obrigados a ser stateless, nem fazem a minima ideia do que isso significa em termos vivenciais e filosoficos, salvo talvez alguns dos que, porventura, tenham vivido involuntariamente exilados no periodo colonial-fascista (ou, como num caso concreto que tenho em mente, o de MPA, infelizmente ja' nao entre nos, o viveu tanto naquele periodo como no pos-independencia).
Nao sao, portanto, capazes de perceber que haja gente por esse mundo fora, incluindo de origem Angolana que, no periodo pos-independencia, nunca contou, ou nao contou durante grande parte das suas vidas, com o estado (e, portanto, com o partido da "situacao") a que eles, salvo rarissimas excepcoes, devem praticamente tudo o que sao e teem em Angola e no mundo. E muito menos que gente da minha “geracao R”, como me, myself and I (que, apesar de “menor”, “insignificante” e “rejeitada”, se orgulha de nunca ter "lambido botas" de ninguem e muito menos de alguma vez ter “debicado” em pratos de quem quer que seja e de, quanto muito, ter visto “muito boa gente” debicar no seu prato e depois ingrata, descarada, arrogante e despudoradamete cuspir nele “de cima”…), possa “pensar pela sua propria cabeca” e ter a dignidade de expressar imparcialmente opinioes, ou posicionar-se politica e culturalmente, segundo logicas absolutamente nao partidarias ou estatais e que, quando fala em "democracia", “sociedade civil”, “direitos humanos” ou “cidadania”, e’ exactamente disso, e apenas disso, que esta’ a falar!
Pois enquanto tentam todos e, sobretudo, todas, se o quiserem e/ou puderem fazer, perceber isso, a minha “geracao R”, dentro ou fora do “nosso pais”, continuara’ a existir… excluida e rejeitada. Mas, pelo menos no que depender de me, myself and I, sem que nos constituamos necessariamente em “oposicao” politica formal, continuaremos a lutar pelo nosso direito a cidadania plena na terra que nos viu nascer, a nos e a todos os nossos ancestrais (!), e para a qual demos, dentro e fora dela, os nossos contributos, mais ou menos modestos, e nunca deixaremos de nos expressar livre e descomprometidamente sobre as praticas sociais e politicas de todas as “geracoes” e “elites” ou “nao elites”, “novas” ou “velhas”, por mais vetustas, fajutas, enfatuadas ou despidas e agressivas ou armadas que se nos apresentem, em particular quando se atrevam a por em causa, directa ou indirectamente, aberta ou veladamente, esse nosso direito inalienavel.
Portanto, de geracoes… creio estarmos falados!
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Esta minha “geracao R”, porem, nao e’ estritamente Angolana: existe dispersa um pouco por todo o globo e parte dela, entre a qual me incluo, e’, declaradamente ou nao, stateless, porquanto, para a maior parte dos, quando nao para todos os, efeitos legais, nao temos estado – muito menos partido!
Esta condicao faz com que, por exemplo, nos seja negada a renovacao do nosso passaporte nacional pelo “nosso pais” de origem ou, como ainda muito recentemente aconteceu a me, myself and I (e nao pela primeira vez…), nos seja negado um visto de entrada nesse mesmo pais, ao mesmo tempo que aos nossos colegas de trabalho ‘estrangeiros’ tal visto e’ prontamente concedido – situacao que, neste caso concreto, so’ pode ser ultrapassada gracas a benemerita intervencao de um embaixador de um terceiro pais – o que imediatamente nos coloca sob suspeicao perante os nossos empregadores, actuais ou prospectivos (como, alias, ja’ nos aconteceu no passado..), de sermos persona non grata naquele que dizemos, sentimos e sempre soubemos ser “o nosso pais”, impedindo-nos assim, mais frequentemente do que nao, de trabalhar em qualquer funcao ou projecto, mesmo que apenas estritamente academico, que exija algum contacto com Angola…
Esta minha “geracao R”, em consequencia do seu estado de statelessness, nao se pode dar ao luxo de deixar-se adormecer, seja sobre louros ou espinhos, tendo que lutar incessante e incansavelmente para se sustentar a si propria condignamente e para manter em todas as circunstancias a sua mente lucida e a sua cabeca erguida, sob pena de acabar literalmente por "nao ter onde cair morta", sujeitando-se entretanto a ser "debicada" por vultos e abutres famintos de todas as latitudes enquanto ainda viva…
Condicao que, em principio, nos deveria aproximar uns dos outros, mas que a propria situacao de global statelessness nos impede de o fazer: sabemos apenas que existimos por ai algures e tendemos a identificar-nos individualmente como me, myself and I – sendo esta uma exigencia de sobrevivencia fisica e espiritual, porquanto a partir do momento em que perdemos o sentido de nos proprios e da nossa identidade (mesmo se ligeiramente e apenas para nos permitirmos coisas tais como priorizarmos a nossa "elegancia fisica" sobre a nossa "elegancia mental, psicologica e moral", ou darmo-nos a "indulgencias literarias e artisticas"…), podemos correr o risco de perder por completo “todos os sentidos”, senao a propria vida… Enfim, a minha geracao, a “geracao R”, e’, literalmente falando, a geracao dos “excluidos dos excluidos”, a geracao dos condenados da terra – num sentido em que nem Fanon tera’ suspeitado pudesse alguma vez existir em lugar algum!
Tomo agora nota da existencia no “nosso pais” de uma designada “geracao X” que, pela descricao (que pouco ou nada tem a ver com as definicoes convencionais dessa geracao), se parece assemelhar muito as geracoes yuppies que, desde os anos 80 do seculo passado (ou seja, desde os tempos da “geracao das incertezas” em Angola), vem aparecendo um pouco por todos os paises, em determinadas fases bem identificadas da sua historia economica.
Mas, alegadamente, esta “geracao X” de Angola tem uma particularidade exclusiva: “faz parte, ou tenta colar-se, ao partido da situacao”. Por sinal, um partido por onde me, myself and I entramos e saimos muito antes do florescimento da dita “geracao das incertezas”, ou seja, num tempo em que nao havia nada a ganhar por dele se fazer parte: em muitos casos, como no de me, myself and I, muito antes pelo contrario! E dele, me, myself and I saimos de livre e espontanea vontade e for good: para nao mais voltar! Para esse, ou para qualquer outro partido politico. Quanto muito, tentamos lutar agora, tanto quanto nos e’ possivel, pelo fim do nosso involuntario estado de statelessness, o qual apenas podemos supor nos esteja a ser forcado por umas quaisquer “forcas ocultas nao identificadas”, devido aos nossos varios “atrevimentos”, desconfortaveis para a “situacao” (e, tudo indica, tambem para alguma “oposicao”) do “nosso pais”, ao longo dos anos …
Mas sei que ha’ no “nosso pais”, para alem da dita “geracao X”, outras geracoes: nomeadamente a “geracao A” e a “geracao Y”. A “geracao A” e’ a que vem antes de tudo e de todos: e’ a “geracao dos possidentes” de tudo quanto e’ supostamente devido a 'parte' daqueles que podem reclamar-se de terem “estado em todas” e terem conseguido manter-se “ilesos” ate’ agora – alguns desde a(s) luta(s) de libertacao, dum ou doutro(s) lado(s), outros ha’ menos tempo, mas, em qualquer dos casos, todos politica, social e economicamente “intocaveis”, embora uns mais do que outros. Constituem, portanto, o establishment ou, se se preferir, a “situacao”.
Ja’ a “geracao Y” (que tambem pouco ou nada tem a ver com as definicoes convencionais dessa geracao) e’ um pouco mais “complexa(da?)”: apesar de, geralmente, social, profissional e economicamente “bem de vida”, no “nosso pais” ou fora dele, nao sera’ exactamente politicamente “intocavel”, mas o seu nucleo central cada vez mais comeca a dar mostras de pretender se-lo.
E, nao fazendo necessariamente parte funcional da “situacao” politica, faz certamente parte estrutural do establishment social e/ou cultural e parte dela fez durante muito tempo, ou ainda faz parte, ainda que marginalmente em alguns casos, do partido da “situacao” e sobrevive manifestamente gracas a “pactos de regime”, ou “de elites”, que lhes sao propiciados, tanto pela “situacao” do “nosso pais” (quanto mais nao seja porque fazem muita questao de se dizerem, ou fazerem, todos “primos” uns dos outros, ou membros dos mesmos “circulos restritos”, assim constituindo a famosa "grande familia"…), como, em alguns casos, pelos seus “parceiros estrangeiros”, o que lhes permite escapar ao estado de statelessness em que vive a minha “geracao R”, dentro ou fora do “nosso pais”.
Decididamente, esta “geracao Y” nao e’, nem nunca foi, “rejeitada” ou “excluida”, mesmo no caso de alguns dos seus membros que, tendo episodicamente sofrido a “mao pesada” do estado, a ela conseguiram sobreviver: e’ apenas aquela geracao que sempre teve e continua a ter tudo, excepto o poder politico (e parece nao olhar a meios para o obter...), ou seja, so’ lhe falta um escalao para atingir o status de “geracao Z”: o zenite a partir do qual destronara' triunfalmente a “geracao A” e co-optara', ou eclipsara', a actual “geracao X”, muito provavelmente substituindo-a pelos seus proprios filhos, nos casos em que estes ainda nao fazem parte dela…
Mas, enquanto la’ nao chegam, vao falando em nome dos “excluidos” e, enquanto de “barriga cheia” e "nariz empinado", muito self-righteously, vivem de punho erguido e dedo em riste contra tudo e todos que lhes parecam constituir uma ameaca aquele seu desiderato, ou que, simplesmente, nao lhes demonstrem “o devido respeito”... Atitude, alias, pela qual alguns deles sao sobejamente conhecidos desde os longinquos, famigerados e malfadados tempos de todos os “PRECs”, apenas evidenciando que indeed, old habits die hard and old dogs can’t learn new tricks! Mas, ainda assim, desejo-lhes a todos boa sorte nessa sua gloriosa escalada em direccao a “sua (exclusiva) situacao”...
No entanto, o que essas geracoes teem de comum entre si, e que as diferencia marcadamente da minha “geracao R”, e’ que todas elas vivem, ou viveram a maior parte das suas vidas, sob a sombra do estado (ou de um dos pelo menos dois "partidos-estado") do “nosso pais”, isto e’, nunca foram obrigados a ser stateless, nem fazem a minima ideia do que isso significa em termos vivenciais e filosoficos, salvo talvez alguns dos que, porventura, tenham vivido involuntariamente exilados no periodo colonial-fascista (ou, como num caso concreto que tenho em mente, o de MPA, infelizmente ja' nao entre nos, o viveu tanto naquele periodo como no pos-independencia).
Nao sao, portanto, capazes de perceber que haja gente por esse mundo fora, incluindo de origem Angolana que, no periodo pos-independencia, nunca contou, ou nao contou durante grande parte das suas vidas, com o estado (e, portanto, com o partido da "situacao") a que eles, salvo rarissimas excepcoes, devem praticamente tudo o que sao e teem em Angola e no mundo. E muito menos que gente da minha “geracao R”, como me, myself and I (que, apesar de “menor”, “insignificante” e “rejeitada”, se orgulha de nunca ter "lambido botas" de ninguem e muito menos de alguma vez ter “debicado” em pratos de quem quer que seja e de, quanto muito, ter visto “muito boa gente” debicar no seu prato e depois ingrata, descarada, arrogante e despudoradamete cuspir nele “de cima”…), possa “pensar pela sua propria cabeca” e ter a dignidade de expressar imparcialmente opinioes, ou posicionar-se politica e culturalmente, segundo logicas absolutamente nao partidarias ou estatais e que, quando fala em "democracia", “sociedade civil”, “direitos humanos” ou “cidadania”, e’ exactamente disso, e apenas disso, que esta’ a falar!
Pois enquanto tentam todos e, sobretudo, todas, se o quiserem e/ou puderem fazer, perceber isso, a minha “geracao R”, dentro ou fora do “nosso pais”, continuara’ a existir… excluida e rejeitada. Mas, pelo menos no que depender de me, myself and I, sem que nos constituamos necessariamente em “oposicao” politica formal, continuaremos a lutar pelo nosso direito a cidadania plena na terra que nos viu nascer, a nos e a todos os nossos ancestrais (!), e para a qual demos, dentro e fora dela, os nossos contributos, mais ou menos modestos, e nunca deixaremos de nos expressar livre e descomprometidamente sobre as praticas sociais e politicas de todas as “geracoes” e “elites” ou “nao elites”, “novas” ou “velhas”, por mais vetustas, fajutas, enfatuadas ou despidas e agressivas ou armadas que se nos apresentem, em particular quando se atrevam a por em causa, directa ou indirectamente, aberta ou veladamente, esse nosso direito inalienavel.
Portanto, de geracoes… creio estarmos falados!
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Sunday, 16 August 2009
Tuesday, 11 August 2009
Algumas Observacoes Sobre a “CARTA ABERTA A HILLARY CLINTON”
Todavia, uma vez que a carta e’ subscrita por cidadaos exercendo o seu legitimo direito a livre expressao individual, nada me concederia o direito, ou a legitimidade, de tecer sobre ela quaisquer observacoes criticas, nao fosse o facto de tais cidadaos serem sobejamente conhecidos como personalidades eminentes de sectores da sociedade civil e da oposicao politica em Angola, o que, alias, e’ atestado pelo facto de alguns deles assinarem a mesma na sua qualidade de dirigentes de organizacoes e/ou membros de franjas de opiniao representativas desses sectores. E’, portanto, apenas esse facto que me tras a estas linhas.
Como tive ocasiao de manifestar, no rescaldo das ultimas eleicoes legislativas (aqui e aqui), os resultados – e o processo que a eles conduziu –, daquele pleito eleitoral, deixaram-me duas preocupacoes fundamentais: uma, motivada pelas irregularidades verificadas a varios niveis e que suscitaram a acusacao, sobretudo por parte dos subscritores da carta em apreco, de que tais resultados teriam sido fruto de uma “massiva fraude eleitoral” – acusacao que, nao se tendo demonstrado absolutamente irrefutavel ou generalizavel a todo o processo, nao deixou de ter, contudo, do meu ponto vista, os seus fundamentos e, portanto, de se constituir em motivo de preocupacao para todos os cidadaos angolanos, qualquer que seja a sua filiacao partidaria ou conviccoes politico-ideologicas; outra, motivada por todos os indicios, dificilmente refutaveis, de uma generalizada fraqueza comparativa, em certa medida auto-infligida, da oposicao politica e de uma ainda pouco expressiva e efectivamente actuante sociedade civil em Angola.
Ora, creio que concordaremos todos que nunca sera’ possivel assegurar a construcao de um forte e estavel sistema democratico em qualquer pais sem, por um lado, instituicoes fortes e crediveis e, por outro lado, uma oposicao e uma sociedade civil igualmente fortes e crediveis. E, enquanto cidadaos, tal como devemos condenar todos os actos atentatorios a efectiva construcao do sistema democratico por parte dos detentores do poder politico, devemos tambem criticar, ou pelo menos chamar a atencao, da oposicao partidaria e dos representantes da sociedade civil, para posturas ou praticas que tendam a perpetuar a sua fragilidade politica, social e institucional, nao contribuindo assim efectivamente para a construcao da democracia e do estado de direito fortes a que todos, ou pelo menos a maioria dos Angolanos, aspiram. E’, por conseguinte, neste espirito, que pretendo positivo e construtivo, que passo a fazer as seguintes observacoes a carta em apreco:
1. Parece-me bastante redutor afirmar-se, como se faz na primeira frase da carta, que “o nome de Angola tem-se destacado nos corredores diplomáticos internacionais e no mundo dos negócios, por causa de ter aumentado a sua capacidade de exportação de petróleo.” Sendo esse um facto aparente, ele nao corresponde evidentemente a “toda a verdade”: parece-me, antes, uma realidade indesmentivel que, para alem da sua capacidade de exportacao petrolifera – que sempre se projectou crescente desde o inicio dessa actividade economica no pais e da qual os EUA sempre beneficiaram, mesmo durante a guerra (sendo embora o petroleo um recurso previsivelmente esgotavel, havendo quem preveja o inicio do declinio da sua exploracao em Angola para ja' daqui a 10 anos) –, Angola tem-se destacado nos ultimos anos tambem, e sobretudo, pelo alcance da paz depois de longas 3 decadas de conflito armado, por uma politica economica que propiciou o aumento dos niveis de investimento estrangeiro no pais, por taxas de crescimento do PIB entre as mais elevadas do mundo, pela sua afirmacao como potencia militar regional e pela realizacao das primeiras eleicoes legislativas depois de um interregno de 16 anos. Note-se bem: estou a referir-me aqui a factos, nao a proceder a analise critica desses factos, o que tambem tenho feito frequentemente neste e noutros espacos.
2. No entanto, essa primeira frase da carta talvez nao se demonstrasse tao problematica, do meu ponto de vista, se ela nao fosse enunciadora das conviccoes politico-ideologicas dos seus signatarios relativamente as motivacoes dos EUA na sua relacao com Angola e, em particular, quanto aos objectivos desta visita da Secretaria de Estado Norte-Americana ao pais. Tais conviccoes sugerem que aquelas motivacoes e objectivos se reduzem exclusivamente ao interesse da actual Administracao Americana na exploracao petrolifera, o qual, consequentemente, estaria a ditar toda a politica externa dos EUA e a visita de Hillary Clinton ao nosso pais: “Angola e os Estados Unidos da América serão parceiros independentemente de quem estiver a exercer o poder político, desde que existam interesses de ambos os países. Angola continuará a produzir petróleo nas próximas três décadas e certamente que este facto cimentará as relações comerciais entre os nossos países”, escrevem os signatarios, sugerindo algo como, se me e' permitida a liberdade interpretativa, “uma vez que o vosso interesse e’ apenas o petroleo, nao precisam de se render total e eternamente aos ‘charmes’ deste governo corrupto e anti-democratico, porque o petroleo continuara’ a jorrar e ha’ outras forcas politicas no pais que continuarao a permitir-vos saciar o inesgotavel apetite”...
3. Ora, como notei acima, os signatarios desta carta, enquanto cidadaos individualmente considerados, teem todo o direito de manifestar as suas opinioes sobre esta, ou quaisquer outras questoes que afectem a Nacao Angolana. Mas, a considera-los “representantes” das vozes criticas da oposicao e/ou da sociedade civil onde, obviamente, nem todos os cidadaos comungam das mesmas conviccoes politico-ideologicas, talvez fosse recomendavel que, ao faze-lo, moderassem um pouco as suas posicoes e correspondente discurso, sendo que tal moderacao nao teria necessariamente que ser ditada por quaisquer imperativos “auto-censorios”. Bastaria, para tanto, apelar-se a um pouco de sentido diplomatico – o qual tambem e’ esperado da oposicao ou de quaisquer vozes individuais, organizadas ou nao, ao manifestarem-se publica e formalmente sobre questoes tao sensiveis do ponto de vista estrategico para todos os Angolanos, como e’ a politica externa do pais. E esse sentido diplomatico aconselharia, em primeiro lugar, a que fosse evitado o tom hostil que, comecando na sua primeira linha, permeia toda a carta, quanto mais nao seja por, tratando-se de uma nova Administracao, soar mais perspicaz politicamente manifestar-se-lhe o beneficio da duvida.
4. Tal beneficio da duvida nao teria necessariamente que resultar de uma qualquer “boa vontade forcada” por parte dos signatarios em relacao a visitante e ao pais que representa, mas, objectivamente, de factos concretos tais como: i) a politica energetica defendida por esta nova Administracao, quer durante a campanha que conduziu a sua historica vitoria eleitoral nos EUA, quer em accoes concretas nessa area por ela enunciadas desde a sua tomada de posse; ii) os pronunciamentos especificos sobre o papel da exploracao petrolifera no processo de desenvolvimento feitos ainda recentemente por Barack Obama no Ghana; iii) a diversidade dos sectores abrangidos pelos acordos assinados e pelas manifestacoes de intencao expressas durante esta visita de Hillary Clinton a Angola, entre os quais se destacam a Agricultura e a Saude; iv) os diferentes perfis politicos e economicos dos paises incluidos nesta sua digressao por Africa. Assim, mesmo que estes factos concretos possam ser considerados completamente irrelevantes a luz das conviccoes politico-ideologicas dos signatarios, menciona-los, ou pelo menos te-los implicitamente em conta, conferiria a carta nao so’ o peso de um certo pragmatismo e objectividade analitica, como tambem a possibilidade de vincular a destinataria e o governo que representa as suas proprias posturas, afirmacoes publicas e compromissos oficiais, tanto domestica como internacionalmente, o que seria mais util e produtivo do ponto de vista reivindicativo e da sua possivel responsabilizacao futura, do que apenas as acusacoes implicitas subrepticiamente de que “os EUA nao sao, por natureza ou por vocacao, uma potencia credivel do ponto de vista dos interesses dos povos”…
5. De igual modo, a demonstracao de alguma atencao, implicita ou explicita, para com os pronunciamentos de Barack Obama no Ghana sobre o apoio da sua Administracao a construcao de instituicoes transparentes e processos democraticos crediveis em Africa, bem como para com algumas das declaracoes feitas em Angola pela propria Hillary Clinton nesse sentido, teria o condao de conceder maior forca a todas as denuncias feitas na carta sobre os varios atropelos registados a esse nivel em Angola (apesar de algumas delas, embora criveis, serem assumidamente apenas do dominio da suspeicao e outras possam ser consideradas "risiveis", e.g. o facto de se estimar que "o preço do barril de petróleo se fixe nos 37 dólares, quando na verdade o preço fixar-se-á um pouco mais acima" pode ser legitimamente considerado como uma medida de prudencia fiscal perfeitamente aceitavel, e ate' recomendavel, num ambiente internacional em que os precos do petroleo se manifestam mais volateis do que o habitual num contexto de crise economica global) e, em particular, a afirmacao de que “há factores internos e externos que perpetuam a má governação, não permitindo a maturação de instituições à altura das responsabilidades do Estado, mas sim a impunidade, corrupção e a violação dos direitos humanos em Angola, cujas consequências vêm aprofundando a falta de liberdade dos angolanos e a pobreza absoluta que atinge níveis insustentáveis e inaceitáveis.” Tal atencao teria, ademais, o valor politico-diplomatico de evitar o desnecessario tom de ma’-fe’ explicito nos dois ultimos paragrafos da carta que se seguem a essa afirmacao.
6. Finalmente, mas de modo nenhum menos importante do que as observacoes anteriores, tratando-se a destinataria de uma mulher que, nao so’ se evidenciou durante a campanha em que se candidatou a presidente dos EUA como uma defensora dos direitos das mulheres no seu pais, como tem demonstrado um serio engajamento a nivel internacional no combate pela igualdade do genero (note-se, a este proposito, o seu papel de destaque como uma das principais impulsionadoras da Declaracao Internacional de Beijing sobre os Direitos das Mulheres) e tratando-se os signatarios de um grupo emanente da sociedade civil Angolana, seria absolutamente, no minimo, de bom tom que pelo menos houvesse entre as assinaturas da carta a de uma mulher – ha’-as, seguramente, entre as varias organizacoes e sectores de opiniao de que fazem parte os signatarios. Mais uma vez, tratar-se-ia aqui nao apenas de um mero “gesto simpatico” para com Hillary Clinton (ou, ja' agora, para com as mulheres angolanas) mas, sobretudo, da demonstracao de um minimo de preocupacao dos signatarios para com a representatividade das mulheres no quadro geral da defesa dos direitos humanos em Angola – um pais em que elas constituem a maioria dos cidadaos e onde nos ultimos tempos se teem registado varias iniciativas por elas desenvolvidas na defesa dos seus direitos, dentre as quais se destacam a campanha levada a cabo ha' algum tempo por mulheres jornalistas e a marcha recentemente realizada em Luanda, com a participacao da sua governadora provincial, contra a violencia domestica.
Estas sao, obviamente, apenas as minhas observacoes. Mas expresso-as, democraticamente, tal como julgo que os signatarios da carta o fizeram ao manifestarem as suas opinioes, como cidada Angolana (embora, forcadamente, temporariamente na diaspora) e, por isso, como parte interessada, tanto nas questoes abordadas na carta em apreco, como no fortalecimento da oposicao politica e da sociedade civil no pais que me viu nascer.
[Echoed here]
Todavia, uma vez que a carta e’ subscrita por cidadaos exercendo o seu legitimo direito a livre expressao individual, nada me concederia o direito, ou a legitimidade, de tecer sobre ela quaisquer observacoes criticas, nao fosse o facto de tais cidadaos serem sobejamente conhecidos como personalidades eminentes de sectores da sociedade civil e da oposicao politica em Angola, o que, alias, e’ atestado pelo facto de alguns deles assinarem a mesma na sua qualidade de dirigentes de organizacoes e/ou membros de franjas de opiniao representativas desses sectores. E’, portanto, apenas esse facto que me tras a estas linhas.
Como tive ocasiao de manifestar, no rescaldo das ultimas eleicoes legislativas (aqui e aqui), os resultados – e o processo que a eles conduziu –, daquele pleito eleitoral, deixaram-me duas preocupacoes fundamentais: uma, motivada pelas irregularidades verificadas a varios niveis e que suscitaram a acusacao, sobretudo por parte dos subscritores da carta em apreco, de que tais resultados teriam sido fruto de uma “massiva fraude eleitoral” – acusacao que, nao se tendo demonstrado absolutamente irrefutavel ou generalizavel a todo o processo, nao deixou de ter, contudo, do meu ponto vista, os seus fundamentos e, portanto, de se constituir em motivo de preocupacao para todos os cidadaos angolanos, qualquer que seja a sua filiacao partidaria ou conviccoes politico-ideologicas; outra, motivada por todos os indicios, dificilmente refutaveis, de uma generalizada fraqueza comparativa, em certa medida auto-infligida, da oposicao politica e de uma ainda pouco expressiva e efectivamente actuante sociedade civil em Angola.
Ora, creio que concordaremos todos que nunca sera’ possivel assegurar a construcao de um forte e estavel sistema democratico em qualquer pais sem, por um lado, instituicoes fortes e crediveis e, por outro lado, uma oposicao e uma sociedade civil igualmente fortes e crediveis. E, enquanto cidadaos, tal como devemos condenar todos os actos atentatorios a efectiva construcao do sistema democratico por parte dos detentores do poder politico, devemos tambem criticar, ou pelo menos chamar a atencao, da oposicao partidaria e dos representantes da sociedade civil, para posturas ou praticas que tendam a perpetuar a sua fragilidade politica, social e institucional, nao contribuindo assim efectivamente para a construcao da democracia e do estado de direito fortes a que todos, ou pelo menos a maioria dos Angolanos, aspiram. E’, por conseguinte, neste espirito, que pretendo positivo e construtivo, que passo a fazer as seguintes observacoes a carta em apreco:
1. Parece-me bastante redutor afirmar-se, como se faz na primeira frase da carta, que “o nome de Angola tem-se destacado nos corredores diplomáticos internacionais e no mundo dos negócios, por causa de ter aumentado a sua capacidade de exportação de petróleo.” Sendo esse um facto aparente, ele nao corresponde evidentemente a “toda a verdade”: parece-me, antes, uma realidade indesmentivel que, para alem da sua capacidade de exportacao petrolifera – que sempre se projectou crescente desde o inicio dessa actividade economica no pais e da qual os EUA sempre beneficiaram, mesmo durante a guerra (sendo embora o petroleo um recurso previsivelmente esgotavel, havendo quem preveja o inicio do declinio da sua exploracao em Angola para ja' daqui a 10 anos) –, Angola tem-se destacado nos ultimos anos tambem, e sobretudo, pelo alcance da paz depois de longas 3 decadas de conflito armado, por uma politica economica que propiciou o aumento dos niveis de investimento estrangeiro no pais, por taxas de crescimento do PIB entre as mais elevadas do mundo, pela sua afirmacao como potencia militar regional e pela realizacao das primeiras eleicoes legislativas depois de um interregno de 16 anos. Note-se bem: estou a referir-me aqui a factos, nao a proceder a analise critica desses factos, o que tambem tenho feito frequentemente neste e noutros espacos.
2. No entanto, essa primeira frase da carta talvez nao se demonstrasse tao problematica, do meu ponto de vista, se ela nao fosse enunciadora das conviccoes politico-ideologicas dos seus signatarios relativamente as motivacoes dos EUA na sua relacao com Angola e, em particular, quanto aos objectivos desta visita da Secretaria de Estado Norte-Americana ao pais. Tais conviccoes sugerem que aquelas motivacoes e objectivos se reduzem exclusivamente ao interesse da actual Administracao Americana na exploracao petrolifera, o qual, consequentemente, estaria a ditar toda a politica externa dos EUA e a visita de Hillary Clinton ao nosso pais: “Angola e os Estados Unidos da América serão parceiros independentemente de quem estiver a exercer o poder político, desde que existam interesses de ambos os países. Angola continuará a produzir petróleo nas próximas três décadas e certamente que este facto cimentará as relações comerciais entre os nossos países”, escrevem os signatarios, sugerindo algo como, se me e' permitida a liberdade interpretativa, “uma vez que o vosso interesse e’ apenas o petroleo, nao precisam de se render total e eternamente aos ‘charmes’ deste governo corrupto e anti-democratico, porque o petroleo continuara’ a jorrar e ha’ outras forcas politicas no pais que continuarao a permitir-vos saciar o inesgotavel apetite”...
3. Ora, como notei acima, os signatarios desta carta, enquanto cidadaos individualmente considerados, teem todo o direito de manifestar as suas opinioes sobre esta, ou quaisquer outras questoes que afectem a Nacao Angolana. Mas, a considera-los “representantes” das vozes criticas da oposicao e/ou da sociedade civil onde, obviamente, nem todos os cidadaos comungam das mesmas conviccoes politico-ideologicas, talvez fosse recomendavel que, ao faze-lo, moderassem um pouco as suas posicoes e correspondente discurso, sendo que tal moderacao nao teria necessariamente que ser ditada por quaisquer imperativos “auto-censorios”. Bastaria, para tanto, apelar-se a um pouco de sentido diplomatico – o qual tambem e’ esperado da oposicao ou de quaisquer vozes individuais, organizadas ou nao, ao manifestarem-se publica e formalmente sobre questoes tao sensiveis do ponto de vista estrategico para todos os Angolanos, como e’ a politica externa do pais. E esse sentido diplomatico aconselharia, em primeiro lugar, a que fosse evitado o tom hostil que, comecando na sua primeira linha, permeia toda a carta, quanto mais nao seja por, tratando-se de uma nova Administracao, soar mais perspicaz politicamente manifestar-se-lhe o beneficio da duvida.
4. Tal beneficio da duvida nao teria necessariamente que resultar de uma qualquer “boa vontade forcada” por parte dos signatarios em relacao a visitante e ao pais que representa, mas, objectivamente, de factos concretos tais como: i) a politica energetica defendida por esta nova Administracao, quer durante a campanha que conduziu a sua historica vitoria eleitoral nos EUA, quer em accoes concretas nessa area por ela enunciadas desde a sua tomada de posse; ii) os pronunciamentos especificos sobre o papel da exploracao petrolifera no processo de desenvolvimento feitos ainda recentemente por Barack Obama no Ghana; iii) a diversidade dos sectores abrangidos pelos acordos assinados e pelas manifestacoes de intencao expressas durante esta visita de Hillary Clinton a Angola, entre os quais se destacam a Agricultura e a Saude; iv) os diferentes perfis politicos e economicos dos paises incluidos nesta sua digressao por Africa. Assim, mesmo que estes factos concretos possam ser considerados completamente irrelevantes a luz das conviccoes politico-ideologicas dos signatarios, menciona-los, ou pelo menos te-los implicitamente em conta, conferiria a carta nao so’ o peso de um certo pragmatismo e objectividade analitica, como tambem a possibilidade de vincular a destinataria e o governo que representa as suas proprias posturas, afirmacoes publicas e compromissos oficiais, tanto domestica como internacionalmente, o que seria mais util e produtivo do ponto de vista reivindicativo e da sua possivel responsabilizacao futura, do que apenas as acusacoes implicitas subrepticiamente de que “os EUA nao sao, por natureza ou por vocacao, uma potencia credivel do ponto de vista dos interesses dos povos”…
5. De igual modo, a demonstracao de alguma atencao, implicita ou explicita, para com os pronunciamentos de Barack Obama no Ghana sobre o apoio da sua Administracao a construcao de instituicoes transparentes e processos democraticos crediveis em Africa, bem como para com algumas das declaracoes feitas em Angola pela propria Hillary Clinton nesse sentido, teria o condao de conceder maior forca a todas as denuncias feitas na carta sobre os varios atropelos registados a esse nivel em Angola (apesar de algumas delas, embora criveis, serem assumidamente apenas do dominio da suspeicao e outras possam ser consideradas "risiveis", e.g. o facto de se estimar que "o preço do barril de petróleo se fixe nos 37 dólares, quando na verdade o preço fixar-se-á um pouco mais acima" pode ser legitimamente considerado como uma medida de prudencia fiscal perfeitamente aceitavel, e ate' recomendavel, num ambiente internacional em que os precos do petroleo se manifestam mais volateis do que o habitual num contexto de crise economica global) e, em particular, a afirmacao de que “há factores internos e externos que perpetuam a má governação, não permitindo a maturação de instituições à altura das responsabilidades do Estado, mas sim a impunidade, corrupção e a violação dos direitos humanos em Angola, cujas consequências vêm aprofundando a falta de liberdade dos angolanos e a pobreza absoluta que atinge níveis insustentáveis e inaceitáveis.” Tal atencao teria, ademais, o valor politico-diplomatico de evitar o desnecessario tom de ma’-fe’ explicito nos dois ultimos paragrafos da carta que se seguem a essa afirmacao.
6. Finalmente, mas de modo nenhum menos importante do que as observacoes anteriores, tratando-se a destinataria de uma mulher que, nao so’ se evidenciou durante a campanha em que se candidatou a presidente dos EUA como uma defensora dos direitos das mulheres no seu pais, como tem demonstrado um serio engajamento a nivel internacional no combate pela igualdade do genero (note-se, a este proposito, o seu papel de destaque como uma das principais impulsionadoras da Declaracao Internacional de Beijing sobre os Direitos das Mulheres) e tratando-se os signatarios de um grupo emanente da sociedade civil Angolana, seria absolutamente, no minimo, de bom tom que pelo menos houvesse entre as assinaturas da carta a de uma mulher – ha’-as, seguramente, entre as varias organizacoes e sectores de opiniao de que fazem parte os signatarios. Mais uma vez, tratar-se-ia aqui nao apenas de um mero “gesto simpatico” para com Hillary Clinton (ou, ja' agora, para com as mulheres angolanas) mas, sobretudo, da demonstracao de um minimo de preocupacao dos signatarios para com a representatividade das mulheres no quadro geral da defesa dos direitos humanos em Angola – um pais em que elas constituem a maioria dos cidadaos e onde nos ultimos tempos se teem registado varias iniciativas por elas desenvolvidas na defesa dos seus direitos, dentre as quais se destacam a campanha levada a cabo ha' algum tempo por mulheres jornalistas e a marcha recentemente realizada em Luanda, com a participacao da sua governadora provincial, contra a violencia domestica.
Estas sao, obviamente, apenas as minhas observacoes. Mas expresso-as, democraticamente, tal como julgo que os signatarios da carta o fizeram ao manifestarem as suas opinioes, como cidada Angolana (embora, forcadamente, temporariamente na diaspora) e, por isso, como parte interessada, tanto nas questoes abordadas na carta em apreco, como no fortalecimento da oposicao politica e da sociedade civil no pais que me viu nascer.
[Echoed here]
Sunday, 9 August 2009
HILLARY CLINTON IN ANGOLA
But, still, I did recognize her political and diplomatic strengths during the campaign, namely by saying here that “(...) overall, I think Hillary managed to 'win' even over Richardson on foreign policy, by putting a well articulated emphasis on diplomacy.”
I hope that her evidenced political and diplomatic skills serve both her country and mine well during her present visit to Angola.
But, still, I did recognize her political and diplomatic strengths during the campaign, namely by saying here that “(...) overall, I think Hillary managed to 'win' even over Richardson on foreign policy, by putting a well articulated emphasis on diplomacy.”
I hope that her evidenced political and diplomatic skills serve both her country and mine well during her present visit to Angola.
Friday, 7 August 2009
JUST POETRY (VI)
Eu sou a chuva que lança a areia do Saara
Sobre os automóveis de Roma
Eu sou a sereia que dança
A destemida Iara
Água e folha da Amazônia
Eu sou a sombra da voz da matriarca da Roma Negra
Você não me pega
Você nem chega a me ver
Meu som te cega, careta, quem é você?
Que não sentiu o suingue de Henri Salvador
Que não seguiu o Olodum balançando o Pelô
E que não riu com a risada de Andy Warhol
Que não, que não e nem disse que não
Eu sou um preto norte-americano forte
Com um brinco de ouro na orelha
Eu sou a flor da primeira música
A mais velha
A mais nova espada e seu corte
Sou o cheiro dos livros desesperados
Sou Gitá Gogóia
Seu olho me olha mas não me pode alcançar
Não tenho escolha, careta, vou descartar
Quem não rezou a novena de Dona Canô
Quem não seguiu o mendigo Joãozinho Beija-Flor
Quem não amou a elegância sutil de Bobô
Quem não é Recôncavo e nem pode ser Reconvexo
[Caetano Veloso]
Thursday, 6 August 2009
OLHARES DIVERSOS (VIII)
GENOVEVA LINO
AO PAIS
(…)
Nós primamos pela família tradicional. Como africanos, o nosso conceito de família é o de família alargada. Deixe-me dizer que participei, em mil novecentos e noventa e cinco, ou noventa e seis, no Canadá, numa conferência mundial sobre a família, em que mesmo nos países mais desenvolvidos, particularmente os europeus, em que a família é pai, mãe e filho, já começam a estar preocupados com este núcleo familiar tão reduzido, já começam a fazer campanhas para que nasçam mais filhos e a valorizar os outros membros da família O avô, o tio, o vizinho também fazem parte da família. Na Europa o tecido social está envelhecido, há mais gente velha que nova, em alguns casos, o que leva a que muitos países se vejam forçados a recrutar mão-de-obra de fora. Porque as famílias eram um modelo de três pessoas, hoje já se apela para que se façam mais filhos e, também, pela maior unidade da família.
(…)
Ainda temos todos os problemas. Atribuímos muitas situações à pobreza, mas houve um agravamento da situação das famílias e dos angolanos durante as décadas de guerra. Luanda é das províncias que albergam o maior número de angolanos, foi o refúgio para muita gente, algumas destas pessoas vieram a pé. Essas pessoas perderam o que tinham, incluindo o seu espaço. É um pouco de tudo o que tem de ser feito e estão a ser feito esforços para resolver todos os problemas. A habitação está entre os maiores problemas, durante a guerra não deixaram de nascer crianças, a guerra terminou e muitas dessas crianças tornaram-se homens, o processo de reprodução é um pro- cesso natural, essas crianças nascidas na guerra hoje são homens e criaram famílias mas continuam em casa dos pais, do tio ou do avô. Nos sistemas de educação e da saúde também tem havido muita melhoria, mas ainda vai havendo problemas. Temos muitos anos para a frente para trabalhar, para criar o máximo de estabilidade social, o que não significa que se resolva tudo. Daqui a duzentos anos teremos ainda problemas, tal como os tiveram os nossos avós.
(…)
Deixe-me dizer que nas zonas urbanas também há muita união de facto, é disso que me está a falar. Mas a lei protege. O grande problema é que as pessoas precisam de ter informação de que a união de facto também é legalizável. A constituição da família tem como base a união pelo casamento ou a união de facto, e nós sabemos que em mui- tas regiões do país, para muitas culturas, o fundamental, o mais importante é o alambamento, o casamento é um acréscimo. Mas a lei protege. Agora mesmo estou a chegar da abertura da assembleia constituinte da Associação das Mulheres Juristas e disse que esta associação é um parceiro indispensável para o ministério porque a disseminação da lei tem de chegar a todos os pontos. Está a discutir-se a nova Constituição e nós temos uma palavra a dizer, algumas propostas serão levadas e creio que, de facto, tínhamos de fazer esta grande associação das mulheres de carreira jurídica porque serão elas a escutar e a transmitir as preocupações das mulheres. Na disseminação desta informação deve-se fazer com que os cônjuges tenham a consciência de que ao unirem-se de facto devem imediatamente legalizar-se.
(…)
Se ele é casado, a outra relação prolongada é união de facto? Não. A união de facto tem efeito de casamento. Quer para a união de facto, quer para o casamento, a nossa Constituição reza que o casamento é monogâmico, o que significa que um homem e uma mulher formam um casal. Se uma outra mulher se relaciona com um indivíduo casado, não pode, no legislado actualmente, não pode reconhecer a união de facto. Mesmo para a união de facto ambos têm de ser livres de outras relações. A poligamia não está reconhecida, a lei diz que o casamento é monogâmico, e eu também não aprovo a poligamia nos tempos de hoje.
(…)
Sim, a lei protege as crianças, tem que dar o nome. Todas as crianças que surgirem das relações extra-casamento, extra-união de facto, devem ser reconhecidas porque a criança não tem culpa de ter nascido.
(…)
Em princípio sim (a lei deixa desprotegida a mãe). Mas não é que ela esteja desprotegida, tal como disse há pouco, é preciso que tenhamos conhecimento, porque se eu sei que o casamento é monogâmico, que eu não posso fazer o reconhecimento de união de facto juntando-me a um indivíduo que tenha mulher, casado ou em união de facto, deve ser uma opção minha. Se eu sei que o João é casado, ou que vive em união de facto porque vive com alguém há pelo menos três anos, se sei que existe essa situação, tem de ser opcional.
(…)
As mulheres trazem, já há mulheres a trazer mais dinheiro para casa, e quando assim acontece já é motivo de conflito. Porque o homem não concebe que ele, como chefe de família, passe a subordinar-se. Não há subordinação, é um casal com duas pessoas adultas que chegaram a consenso e foram viver juntas. Se gostaram, se amaram, se escolheram, casaram e estão a viver juntas, e que sabem que a partir daí nasce uma nova família. E quais são as responsabilidades na família? São as de educar os próprios membros da família, é a de manter a coesão e a união da família. E para isso, é preciso que essas duas pessoas adultas que consentiram viver juntas e formar família tenham responsabilidades repartidas. Se eu hoje posso e tu não podes, isso não pode ser motivo de discórdia, nem motivo de conflito. Então o melhor é vermo-nos como duas pessoas responsáveis pelo acto que acabamos de assumir e que, em qualquer das circunstâncias, qualquer dos dois pode ser o apoio maior da família, dependendo daquilo que for a oportunidade de um ou do outro. É melhor começarmos a ver as coisas assim porque quando elegemos um chefe, naturalmente, todos os outros são subordinados. Se considerarmos a nossa esposa como subordinada, os nossos filhos como subordinados e todos os outros membros da família são subordinados, amanhã, se, por qualquer motivo, esse chefe não tem condição de continuar a manter a estrutura de chefia, há conflito. Não há chefe nenhum. o chefe de família, a cabeça da família são os dois, porque as responsabilidades no lar têm de ser repartidas.
(…)
Naturalmente sim (as mulheres fazem vítimas também). Por isso é que agora tratamos da questão na perspectiva do género. Porque há mulheres também autoras de violência. Mas deixe-me dizer que as mulheres, quando se tornam autoras de violência, ela já engoliu tantos sapos, mas tantos sapos, que quando chega a hora de os mandar cá para fora, às vezes acaba sendo mais violenta. Porque toda a acção provoca reacção e a reacção acaba sendo sempre mais violenta.
(…)
Há pouco falava das meninas que a custo fácil queriam ter carro, camisolas, vestir bem, etc., mas também temos os homens que querem vida fácil, ter tudo, e para isso são capazes de remover até montanhas. Vai-se a sítios para ir buscar status, poder, dinheiro, fama. Nesses sítios são dadas muitas receitas. Por outro lado, e a exemplo de países vizinhos, criou-se na mente de determinadas pessoas a ideia de que o homem que tenha contraído SIDA, se se envolver com uma menina virgem, e quanto mais nova for, quanto mais fresco for o sangue melhor, vai curar-se, e, estando nesta globalização que fez do mundo uma aldeia, em que a informação entra nas nossas casas pela internet, pela televisão, os filmes que vemos são cada vez mais violentos. Por isso defendo que se já temos toda esta informação violenta, o que produzimos tem de ser para a nossa defesa, não pode ser no mesmo estilo. Portanto, há uma série de factores que concorrem para isso.
(…)
É o que estava a dizer-lhe, as sociedades trabalharam para isso. Por isso é que até deram um nome à prostituição que eu não gosto de usar, chamam-lhe de profissão mais antiga do mundo. Não é profissão, se o fosse estaria no catálogo das profissões, na listagem, não está. E, às vezes perguntam o que é que o ministério faz. O ministério até trabalha com elas, mas esse prostituto que não tem cara, essa mão invisível, até desestimula. Quando estive na direcção provincial de Luanda, nos programas de micro crédito, nós conseguimos trazer várias jovens que estão nessa vida, e levámo-las, mas muitas delas acabaram por desistir. Desistiram porque, algumas, não queriam aparecer, mas sabemos que é o “companheiro” que diz “você vai perder tempo a ir fazer formação, vai perder tempo para receber quinhentos dólares para montar um negócio se eu te posso, até, dar mil dólares por dia? Você já viu o que vai ter de trabalhar para conseguir isso ou aquilo?” Eles desestimulam, porque querem perpetuar. Aí é que temos de ver qual é o problema desses homens, o que é que lhes falta para eles quererem tanto? E, isso, porque apropria civilização educou que as suas mulheres têm um determinado comportamento e as mulheres da rua têm outro. E essa mulher de fora, como é a mulher da satisfação de todos os prazeres, de todas as formas e feitios e medidas, então é a mulher dos prazeres. Você é a mulher rainha, de virtude a de casa, que é diferente da de fora. Nós não somos diferentes, somos todas mulheres.
(…)
Não há comportamentos que satisfaçam os prazeres, não é isso. Porque da mesma maneira que você vai satisfazer os prazeres lá fora, pois faça-o com a sua mulher. E se você tem muito use este muito para benefício social, abra uma escola e põe lá essas desgraçadas que por não terem escola ou oportunidade não vão, então, como você tem muito, abra uma escola. São vícios que se criaram, porque o “chefe” da família acha que ele tem todo o tempo do mundo para desfrutar, que faz parte, enquanto a mulher está no tanque. Por isso é que há homens que nem querem que a mulher tenha empregada, porque ele casou já com uma empregada. E há dias soube-se de um homem que queimou a mulher porque ela não fez o jantar.
[Aqui]
Materias Relacionadas:
Violencia contra a Mulher
Legislacao para a Proteccao da Mulher
GENOVEVA LINO
AO PAIS
(…)
Nós primamos pela família tradicional. Como africanos, o nosso conceito de família é o de família alargada. Deixe-me dizer que participei, em mil novecentos e noventa e cinco, ou noventa e seis, no Canadá, numa conferência mundial sobre a família, em que mesmo nos países mais desenvolvidos, particularmente os europeus, em que a família é pai, mãe e filho, já começam a estar preocupados com este núcleo familiar tão reduzido, já começam a fazer campanhas para que nasçam mais filhos e a valorizar os outros membros da família O avô, o tio, o vizinho também fazem parte da família. Na Europa o tecido social está envelhecido, há mais gente velha que nova, em alguns casos, o que leva a que muitos países se vejam forçados a recrutar mão-de-obra de fora. Porque as famílias eram um modelo de três pessoas, hoje já se apela para que se façam mais filhos e, também, pela maior unidade da família.
(…)
Ainda temos todos os problemas. Atribuímos muitas situações à pobreza, mas houve um agravamento da situação das famílias e dos angolanos durante as décadas de guerra. Luanda é das províncias que albergam o maior número de angolanos, foi o refúgio para muita gente, algumas destas pessoas vieram a pé. Essas pessoas perderam o que tinham, incluindo o seu espaço. É um pouco de tudo o que tem de ser feito e estão a ser feito esforços para resolver todos os problemas. A habitação está entre os maiores problemas, durante a guerra não deixaram de nascer crianças, a guerra terminou e muitas dessas crianças tornaram-se homens, o processo de reprodução é um pro- cesso natural, essas crianças nascidas na guerra hoje são homens e criaram famílias mas continuam em casa dos pais, do tio ou do avô. Nos sistemas de educação e da saúde também tem havido muita melhoria, mas ainda vai havendo problemas. Temos muitos anos para a frente para trabalhar, para criar o máximo de estabilidade social, o que não significa que se resolva tudo. Daqui a duzentos anos teremos ainda problemas, tal como os tiveram os nossos avós.
(…)
Deixe-me dizer que nas zonas urbanas também há muita união de facto, é disso que me está a falar. Mas a lei protege. O grande problema é que as pessoas precisam de ter informação de que a união de facto também é legalizável. A constituição da família tem como base a união pelo casamento ou a união de facto, e nós sabemos que em mui- tas regiões do país, para muitas culturas, o fundamental, o mais importante é o alambamento, o casamento é um acréscimo. Mas a lei protege. Agora mesmo estou a chegar da abertura da assembleia constituinte da Associação das Mulheres Juristas e disse que esta associação é um parceiro indispensável para o ministério porque a disseminação da lei tem de chegar a todos os pontos. Está a discutir-se a nova Constituição e nós temos uma palavra a dizer, algumas propostas serão levadas e creio que, de facto, tínhamos de fazer esta grande associação das mulheres de carreira jurídica porque serão elas a escutar e a transmitir as preocupações das mulheres. Na disseminação desta informação deve-se fazer com que os cônjuges tenham a consciência de que ao unirem-se de facto devem imediatamente legalizar-se.
(…)
Se ele é casado, a outra relação prolongada é união de facto? Não. A união de facto tem efeito de casamento. Quer para a união de facto, quer para o casamento, a nossa Constituição reza que o casamento é monogâmico, o que significa que um homem e uma mulher formam um casal. Se uma outra mulher se relaciona com um indivíduo casado, não pode, no legislado actualmente, não pode reconhecer a união de facto. Mesmo para a união de facto ambos têm de ser livres de outras relações. A poligamia não está reconhecida, a lei diz que o casamento é monogâmico, e eu também não aprovo a poligamia nos tempos de hoje.
(…)
Sim, a lei protege as crianças, tem que dar o nome. Todas as crianças que surgirem das relações extra-casamento, extra-união de facto, devem ser reconhecidas porque a criança não tem culpa de ter nascido.
(…)
Em princípio sim (a lei deixa desprotegida a mãe). Mas não é que ela esteja desprotegida, tal como disse há pouco, é preciso que tenhamos conhecimento, porque se eu sei que o casamento é monogâmico, que eu não posso fazer o reconhecimento de união de facto juntando-me a um indivíduo que tenha mulher, casado ou em união de facto, deve ser uma opção minha. Se eu sei que o João é casado, ou que vive em união de facto porque vive com alguém há pelo menos três anos, se sei que existe essa situação, tem de ser opcional.
(…)
As mulheres trazem, já há mulheres a trazer mais dinheiro para casa, e quando assim acontece já é motivo de conflito. Porque o homem não concebe que ele, como chefe de família, passe a subordinar-se. Não há subordinação, é um casal com duas pessoas adultas que chegaram a consenso e foram viver juntas. Se gostaram, se amaram, se escolheram, casaram e estão a viver juntas, e que sabem que a partir daí nasce uma nova família. E quais são as responsabilidades na família? São as de educar os próprios membros da família, é a de manter a coesão e a união da família. E para isso, é preciso que essas duas pessoas adultas que consentiram viver juntas e formar família tenham responsabilidades repartidas. Se eu hoje posso e tu não podes, isso não pode ser motivo de discórdia, nem motivo de conflito. Então o melhor é vermo-nos como duas pessoas responsáveis pelo acto que acabamos de assumir e que, em qualquer das circunstâncias, qualquer dos dois pode ser o apoio maior da família, dependendo daquilo que for a oportunidade de um ou do outro. É melhor começarmos a ver as coisas assim porque quando elegemos um chefe, naturalmente, todos os outros são subordinados. Se considerarmos a nossa esposa como subordinada, os nossos filhos como subordinados e todos os outros membros da família são subordinados, amanhã, se, por qualquer motivo, esse chefe não tem condição de continuar a manter a estrutura de chefia, há conflito. Não há chefe nenhum. o chefe de família, a cabeça da família são os dois, porque as responsabilidades no lar têm de ser repartidas.
(…)
Naturalmente sim (as mulheres fazem vítimas também). Por isso é que agora tratamos da questão na perspectiva do género. Porque há mulheres também autoras de violência. Mas deixe-me dizer que as mulheres, quando se tornam autoras de violência, ela já engoliu tantos sapos, mas tantos sapos, que quando chega a hora de os mandar cá para fora, às vezes acaba sendo mais violenta. Porque toda a acção provoca reacção e a reacção acaba sendo sempre mais violenta.
(…)
Há pouco falava das meninas que a custo fácil queriam ter carro, camisolas, vestir bem, etc., mas também temos os homens que querem vida fácil, ter tudo, e para isso são capazes de remover até montanhas. Vai-se a sítios para ir buscar status, poder, dinheiro, fama. Nesses sítios são dadas muitas receitas. Por outro lado, e a exemplo de países vizinhos, criou-se na mente de determinadas pessoas a ideia de que o homem que tenha contraído SIDA, se se envolver com uma menina virgem, e quanto mais nova for, quanto mais fresco for o sangue melhor, vai curar-se, e, estando nesta globalização que fez do mundo uma aldeia, em que a informação entra nas nossas casas pela internet, pela televisão, os filmes que vemos são cada vez mais violentos. Por isso defendo que se já temos toda esta informação violenta, o que produzimos tem de ser para a nossa defesa, não pode ser no mesmo estilo. Portanto, há uma série de factores que concorrem para isso.
(…)
É o que estava a dizer-lhe, as sociedades trabalharam para isso. Por isso é que até deram um nome à prostituição que eu não gosto de usar, chamam-lhe de profissão mais antiga do mundo. Não é profissão, se o fosse estaria no catálogo das profissões, na listagem, não está. E, às vezes perguntam o que é que o ministério faz. O ministério até trabalha com elas, mas esse prostituto que não tem cara, essa mão invisível, até desestimula. Quando estive na direcção provincial de Luanda, nos programas de micro crédito, nós conseguimos trazer várias jovens que estão nessa vida, e levámo-las, mas muitas delas acabaram por desistir. Desistiram porque, algumas, não queriam aparecer, mas sabemos que é o “companheiro” que diz “você vai perder tempo a ir fazer formação, vai perder tempo para receber quinhentos dólares para montar um negócio se eu te posso, até, dar mil dólares por dia? Você já viu o que vai ter de trabalhar para conseguir isso ou aquilo?” Eles desestimulam, porque querem perpetuar. Aí é que temos de ver qual é o problema desses homens, o que é que lhes falta para eles quererem tanto? E, isso, porque apropria civilização educou que as suas mulheres têm um determinado comportamento e as mulheres da rua têm outro. E essa mulher de fora, como é a mulher da satisfação de todos os prazeres, de todas as formas e feitios e medidas, então é a mulher dos prazeres. Você é a mulher rainha, de virtude a de casa, que é diferente da de fora. Nós não somos diferentes, somos todas mulheres.
(…)
Não há comportamentos que satisfaçam os prazeres, não é isso. Porque da mesma maneira que você vai satisfazer os prazeres lá fora, pois faça-o com a sua mulher. E se você tem muito use este muito para benefício social, abra uma escola e põe lá essas desgraçadas que por não terem escola ou oportunidade não vão, então, como você tem muito, abra uma escola. São vícios que se criaram, porque o “chefe” da família acha que ele tem todo o tempo do mundo para desfrutar, que faz parte, enquanto a mulher está no tanque. Por isso é que há homens que nem querem que a mulher tenha empregada, porque ele casou já com uma empregada. E há dias soube-se de um homem que queimou a mulher porque ela não fez o jantar.
[Aqui]
Materias Relacionadas:
Violencia contra a Mulher
Legislacao para a Proteccao da Mulher
Saturday, 1 August 2009
FIRST Luanda International Jazz Festival!
Looking at the festival's line-up, there is no doubt in the organisers' desire to showcase Angolan musicians and also to expose local audiences to sounds from faraway places. Leading the US team is none other the great McCoy Tyner. Cutting his teeth as member of the John Coltrane Quartet in the early 1960s, the 70-year-old musician is the doyen of jazz piano. In the last 18 months, Tyner has released two superb CDs that demonstrate why in the region's lingua franca anyone who excels is called a real McCoy. Tyner's recent recording with guitarists John Scofield, Bela Fleck, Marc Ribot, Derek Trucks and Bill Frisell has won the pianist numerous accolades; so also his album with saxophonist Joe Lovano, bassist Christian McBride and drummer Jeff 'Tain' Watts. At his age, Tyner still brims with energy and vitality. This he will certainly bring to Angola.
Sharing the stage with these great US bands is the cream of Angola's music scene. Leading the Angolan squadron is Paulo Flores. Flores is a leading proponent of kizomba - Angola's popular genres of dance and music derived directly from zouk sounds. Joining Flores are other Angolan musicians - Afrikkanitha, Sandra Corderio, Dodo Miranda and Toto. Afrikkanitha and Corderio are the country's emerging female voices. Afrikkanitha who sings in Portuguese, French, English and Angola's vernacular languages fuses soul, jazz, rock, funk with her country's indigenous music; while Corderio is rooted in bossa and Afro-jazz styles. The other young artist who will definitely amaze those not familiar with the music of Angola is Toto. Currently, the 29-year old vocalist is making waves with his fusion of Angolan and Brazilian sounds.
Participants at the festival will not only hear great sounds, the event promises to be a treatment to a wholesome Angolan experience. The event's venue has been redesigned and refurbished into a world-class entertainment facility, with expansive stages and stalls for sumptuous Angolan cuisine.
[More Here ]
Message From The Nile - McCoy Tyner (09/02/70)
Looking at the festival's line-up, there is no doubt in the organisers' desire to showcase Angolan musicians and also to expose local audiences to sounds from faraway places. Leading the US team is none other the great McCoy Tyner. Cutting his teeth as member of the John Coltrane Quartet in the early 1960s, the 70-year-old musician is the doyen of jazz piano. In the last 18 months, Tyner has released two superb CDs that demonstrate why in the region's lingua franca anyone who excels is called a real McCoy. Tyner's recent recording with guitarists John Scofield, Bela Fleck, Marc Ribot, Derek Trucks and Bill Frisell has won the pianist numerous accolades; so also his album with saxophonist Joe Lovano, bassist Christian McBride and drummer Jeff 'Tain' Watts. At his age, Tyner still brims with energy and vitality. This he will certainly bring to Angola.
Sharing the stage with these great US bands is the cream of Angola's music scene. Leading the Angolan squadron is Paulo Flores. Flores is a leading proponent of kizomba - Angola's popular genres of dance and music derived directly from zouk sounds. Joining Flores are other Angolan musicians - Afrikkanitha, Sandra Corderio, Dodo Miranda and Toto. Afrikkanitha and Corderio are the country's emerging female voices. Afrikkanitha who sings in Portuguese, French, English and Angola's vernacular languages fuses soul, jazz, rock, funk with her country's indigenous music; while Corderio is rooted in bossa and Afro-jazz styles. The other young artist who will definitely amaze those not familiar with the music of Angola is Toto. Currently, the 29-year old vocalist is making waves with his fusion of Angolan and Brazilian sounds.
Participants at the festival will not only hear great sounds, the event promises to be a treatment to a wholesome Angolan experience. The event's venue has been redesigned and refurbished into a world-class entertainment facility, with expansive stages and stalls for sumptuous Angolan cuisine.
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Message From The Nile - McCoy Tyner (09/02/70)
LUANDANDO (XI)
Ia fotografando estes paineis, um por um, quando comecei a sentir aquele aroma irresistivel a pao quente que se foi tornando mais intenso a medida que avancava ao longo daquelas vias de extincao, apressando-me...
Extintas as vias, se dei encontro com a padaria - bem, mais 'deposito de pao', como se chamavam esses nos outros tempos…
Pao quente, uniformes brancos dos pes a cabeca... bicha, kanvwanza? Nada…
Em Luanda?
Definitivamente, novos tempos.
Mas nao havia tempo, nem atencao, para os clientes: so’ olhos e ouvidos para a TV onde se anunciava que o Papa viria falar de “novos tempos”… Mas enquanto ele nao vinha, o assunto quente era a primeira pagina do semanario que trazia a imagem do dito e citacoes da sua primeira mensagem ao pais. Porque? Pergunta o cliente, mais acusando o Papa de vir agora mandar nos jornais: assim entao ele ja’ e’ que e’ o dono, ne’?! O Mais Novo: Mas voce nao entendes que nao foi ele que mandou o jornal por isso ai? Isso sao mesmo os jornalistas que fazem!
E abandonou a cena. Bazou.
Bom, finalmente la’ consigo atrair a atencao do Mais Novo, que me vende um pao, uma garrafinha de agua fresca e um pacote de sumo. Pao quente e agua fresca… souberam-me tao bem enquanto prosseguia luandando!
Entretanto, alguem me mandou essa foto de um qualquer outro pais por onde o Papa havia passado nessa sua digressao. Feitico contra o feiticeiro, diria o nosso 'blasfemo' cliente luandense…
Ia fotografando estes paineis, um por um, quando comecei a sentir aquele aroma irresistivel a pao quente que se foi tornando mais intenso a medida que avancava ao longo daquelas vias de extincao, apressando-me...
Extintas as vias, se dei encontro com a padaria - bem, mais 'deposito de pao', como se chamavam esses nos outros tempos…
Pao quente, uniformes brancos dos pes a cabeca... bicha, kanvwanza? Nada…
Em Luanda?
Definitivamente, novos tempos.
Mas nao havia tempo, nem atencao, para os clientes: so’ olhos e ouvidos para a TV onde se anunciava que o Papa viria falar de “novos tempos”… Mas enquanto ele nao vinha, o assunto quente era a primeira pagina do semanario que trazia a imagem do dito e citacoes da sua primeira mensagem ao pais. Porque? Pergunta o cliente, mais acusando o Papa de vir agora mandar nos jornais: assim entao ele ja’ e’ que e’ o dono, ne’?! O Mais Novo: Mas voce nao entendes que nao foi ele que mandou o jornal por isso ai? Isso sao mesmo os jornalistas que fazem!
E abandonou a cena. Bazou.
Bom, finalmente la’ consigo atrair a atencao do Mais Novo, que me vende um pao, uma garrafinha de agua fresca e um pacote de sumo. Pao quente e agua fresca… souberam-me tao bem enquanto prosseguia luandando!
Entretanto, alguem me mandou essa foto de um qualquer outro pais por onde o Papa havia passado nessa sua digressao. Feitico contra o feiticeiro, diria o nosso 'blasfemo' cliente luandense…