...
KUMO ENVIDENTEMENTE!Le-se
aqui, entre outros ‘preciosismos’ de um "distinto compatriota" (embora seja pouco provavel que ele me considere sua compatriota, mas adiante…), [cujo BI angolano contera' os seguintes elementos: negro, angolano, nascido e criado em Portugal (um pais onde o racismo e’ supostamente apenas ‘imaginario’) ate' 1975, filho de um cabindense embarcadico e de uma caboverdiana e, tanto quanto julgo saber, (va-se la’ saber por forca de que ‘diferencas reais ou imaginarias’, mas admitamos que tambem apenas acidentalmente) casado com uma mulher branca (ou, apressemo-nos a dize-lo, ‘sem raca’, porque isso e’, evidentemente, ‘coisa real ou imaginaria’)]*, a proposito da questao da mencao da raca no BI em Angola, isto: “Ora, o racismo é precisamente entendido como sendo ‘a valorização generalizada e definitiva de diferenças reais ou imaginárias em proveito do acusador e em detrimento da vítima a fim de justificar uma agressão ou um privilégio’ [MEMMI (1993): 72].”
Pois eu ca’ pergunto aos meus reais e imaginarios botoes: “serao tais ‘diferencas reais ou imaginarias’ responsaveis pela barragem a entrada, em certos locais de Luanda e outras capitais provinciais (discotecas, restaurantes, hoteis e mesmo empresas), de determinados grupos de cidadaos nacionais com base na cor da sua pele? (
agressao)”; “terao sido tais ‘diferencas reais ou imaginarias’ que fizeram com que, so’ para dar um pequeno exemplo, durante a minha recente estada em Luanda, tendo eu marcado pessoalmente por telefone uma entrevista com o PCA de uma determinada empresa (digamos apenas que ‘de raca nao negra’), o qual conheco de longa data – ele deveria, portanto, estar a minha espera – alguem (tambem ‘de raca nao negra’), nao obstante saber desse facto, manifestasse uma aflitiva preocupacao de que eu pudesse ser “barrada” na recepcao da tal empresa, coisa que nem sequer em algum momento me tinha passado pela cabeca?... nao que eu estivesse exactamente vestida, ou geralmente apresentada, como uma mendiga ou criminosa…(
agressao)”; “serao tambem as mesmas ‘diferencas reais ou imaginarias’ que determinam a composicao racial dos empregados (constituida maioritariamente, senao exclusivamente, por individuos digamos que ‘de raca nao negra’) em grande parte das empresas e, mais particularmente, nas bancarias e petroliferas baseadas em Angola (veja-se, por exemplo,
esta noticia)? (
privilegio)”; “serao ainda tais ‘diferencas reais ou imaginarias’ que fazem com que a agenda dos autores das mais estridentes “homilias” ditas “anti-racistas” no pais contenham pouco mais do que apenas um “single issue”: a mencao da raca no BI – nao se vendo o seu empenho, ainda que pretenso, em quaisquer outras causas anti-racistas que afectam, contemporanea ou historicamente, directa ou indirectamente, real ou imaginariamente, a que seria suposto ser a ‘nossa consciencia colectiva’ enquanto seres humanos (
valorização generalizada e definitiva de diferenças reais ou imaginárias – supostamente induzidas pela mencao da raca no BI e efectivamente institucionalizadas pela presuncao da falta
generalizada e definitiva de capacidade, educacao, competencia, profissionalismo, etica, moral, cultura, e mesmo ‘elegancia’, dos ‘de raca negra’ (comprovando que, efectivamente, “é mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito”) –
em proveito do acusador e em detrimento da vítima a fim de justificar uma agressão ou um privilégio)?”
E os meus botoes, reais e imaginarios, respondem-me zombateiramente: “e’ pedido a alguem o BI a entrada de discotecas e outros locais de lazer?”; “em que base e’ que o tal ‘alguem de raca nao negra’ previu que pudesses ser barrada a entrada da tal empresa onde tinhas entrevista previamente marcada com o teu conhecido PCA?”; “a admissao de empregados nas tais empresas que referes e’ determinada exclusivamente pelo que o seu BI contem?”; “e nao te lembras dos actos ostensivamente discriminatorios e de exclusao social praticados contra a generalidade dos ‘compatriotas de raca negra’ e sem ‘nomes sonantes’ no BI, que eram publicamente apelidados de “lixo de Angola”, no tempo em que o nosso doutor exercia funcoes na ‘nossa embaixada’ em Portugal – um tempo em que a raca nao constava dos nossos BIs – ao mesmo tempo que o 'nosso' embaixador naquele pais, no auge das manifestacoes da opiniao publica contra os actos de racismo praticados contra os negros la' residentes, afirmava publicamente 'nao acreditar que houvesse racismo em Portugal', quando naquelas circunstancias poderia
diplomaticamente remeter-se apenas ao silencio?“; “frankamente, nao ves ke essa e’ uma falsa kestao com os termos completamente invertidos pelo acusador, e beneficiador do status quo, em detrimento da vitima?”…
Bom, tendo eu vivido e trabalhado nos ultimos anos predominantemente em dois paises:
- Um, a Inglaterra, no qual nao existe BI e a maioria dos cidadaos se opoem resolutamente a sua adopcao, mas onde, no entanto, a mencao, ainda que nao obrigatoria e a titulo confidencial, da raca, da etnicidade e do genero em determinados formularios de acesso (que nao preclude, de modo nenhum, a competicao) a oportunidades, seja de emprego ou servicos publicos de educacao, saude e habitacao, se tem revelado um efectivo, embora ainda nao perfeito, instrumento de monitorizacao e implementacao das existentes politicas de igualdade de direitos e oportunidades entre todos os cidadaos legitimos, independentemente da sua origem ou qualquer outro factor discriminante;
- Outro, a Africa do Sul post-apartheid, cognominado "a nacao arco-iris” em celebracao da sua diversidade etnico-cultural e racial, onde existe BI e neste e’ indicada a raca dos individuos (embora apenas por codigos numericos), sem que, no entanto, essa se tenha constituido numa “questao de maior”, se e’ que alguma vez foi sequer uma questao, entre os diversos grupos, maioritarios ou minoritarios, que coabitam nesta sociedade – a “questao de maior” para as minorias aqui tem sido a “accao afirmativa” a favor da maioria (a qual, no entanto, se tem revelado “discriminatoria e excludente” mais no seu imaginario do que na realidade social; tal como, alias, as “
manias de perseguicao” das minorias racicas angolanas se teem revelado na pratica…), mas mesmo essa questao eles aqui teem enderecado de forma racional atraves, inclusive, de partidos politicos que a elegeram como seu “single issue”...
… Envidentemente ke vejo ke, em Angola, essa e’ uma falsa kestao!
Acontece, porem, que, ao contrario do que se passa na Inglaterra e na Africa do Sul, as minorias racicas em Angola, o que se deve tambem em alguma medida a precaridade do sistema democratico no pais, ainda estao longe de um grau de emancipacao cultural e politica que lhes permita, de moto proprio, assumirem-se descomplexadamente como tal e lutarem democraticamente pelo que consideram ser “seus direitos” – parece que a (ex)FpD e’ o primeiro partido politico no pais a encaminhar-se claramente nessa direccao, embora nao o tenha (ainda) assumido abertamente –, preferindo, em geral, viver a sombra de uma bananeira utopica, pretensamente plantada no pais pelo “homem novo que veio da mata, o qual tera’ erradicado a catanada a discriminacao racial contra a maioria dos nacionais e que so’ essa coisa da raca no BI veio trazer de volta”, muito provavelmente porque tal sombra esconde a realidade nua e crua: o tapete vermelho de privilegios sociais que nunca lhes foi retirado de debaixo dos pes desde o fim “oficial” do colonialismo... sob pena de quem sequer "se atrevesse a sonhar" com tal possibilidade ser "sumariamente executado", real ou virtualmente!
E, antes que os meus botoes voltem a zombar de mim, devo esclarecer o seguinte: nao faco a menor ideia de quais foram os fundamentos da inclusao da raca no BI em Angola e, para mim, para todos os efeitos praticos, efectivos e reais, isso sempre foi completamente irrelevante. Mais esclareco que considero que tal inclusao nao e’ em si mesma um acto necessariamente discriminatorio, uma vez que trata de forma igual os principais ‘grupos racicos’ existentes no pais (note-se que falo em ‘grupos racicos’, tal como eles sao geralmente entendidos em Angola, nao em ‘grupos etnicos’, o que permite que algumas minorias consideradas marginalizadas, como os Khoisan ou os albinos de ‘raca negra’ sejam integrados naqueles) e, se quisermos ‘parabolizar’ ainda mais a questao, poderiamos ate’ dizer que ela constitui a assumpcao e instituicao da tal “diversidade cultural numa sociedade pluriracial e multietnica, assumindo e respeitando as diferencas”, que o autor aparentemente pretende defender.
Discriminatorio e excludente seria se apenas a um ou a outro grupo fosse imposto tal quesito. Mas, mais importante do que isso, o factor operativo na pratica do racismo nao e’ a simples alusao a ‘raca’, mas o que os individuos fazem da dita – qualquer que seja a definicao, ou negacao, que se lhe atribua. Dito de outro modo, a mencao da raca no BI apenas tem um efeito discriminatorio se na sociedade em que ele e’ usado estiverem em actuacao, sem qualquer escrutinio politico ou social pelos cidadaos, factores objectivos e subjectivos que permitam a discriminacao e intolerancia racial e a exclusao social nelas baseada (essa a principal razao, por exemplo, da oposicao dos Britanicos a sua introducao naquele pais, por ter sido proposta pelo governo no post-Setembro 11, no contexto da "guerra contra o terrorismo"...) – e toda a evidencia indica que tais factores nao so’ existem na sociedade angolana, como operam predominantemente em desfavor da maioria negra.
Ora, o que alguns paises do mundo actual, e em particular os que acima menciono, compreenderam a custa de muitas lutas anti-racistas durante decadas, e’ que nao e’ apenas um documento que substancia o status economico, social, etnico, racial ou cultural do seu titular e que incluir ou nao a raca no BI, o qual, ademais, contem a foto do titular, nao e’ mais do que uma redundancia (no caso da inclusao) ou operacao cosmetica (no caso da omissao ou remocao). O que esses paises adquiriram como ‘consciencia colectiva’ atraves de tais lutas, foi que o racismo e’ muito mais do que “skin-deep”, isto e’, e’ um fenomeno psicologico, socio-cultural e historico muito mais profundo e complexo do que apenas a designacao da cor da pele dos individuos, o qual apenas politicas anti-discriminatorias eficazmente monitorizadas podem contrariar de forma efectiva, sendo que tal monitorizacao podera’ eventualmente implicar a mencao da raca em alguns documentos, se tal for considerado, de forma responsavel, socialmente util e pertinente num determinado contexto historico e demografico, desde que o sistema politico vigente contenha mecanismos impeditivos de que tal mencao seja usada em detrimento de quem quer que seja – o que idealmente deveria ser o caso em Angola, a menos que tenhamos que admitir que estamos efectivamente perante “um estado racista”. E enquanto tais politicas forem totalmente inexistentes, ou puramente ignoradas em Angola, e’-me, envidentemente, kompletamente indiferente ke o elemento ‘raca’ seja, ou nao, retirado do BI.
Mas, mais importante do que tudo isso, para mim o racismo, tal como todas as outras formas de discriminacao, nao e’, nunca foi, uma questao teorica – e’ uma questao pratica, uma realidade vivida frente aos nossos olhos, com efeitos imediatos e inter-geracionais e que, consequentemente, exige medidas praticas, nao teoricas, para a sua erradicacao. E cada vez mais me convenco de que apenas quem o tenha, real e efectivamente, sofrido na pele e na alma, vendo a sua vida quotidiana e perspectivas futuras completamente por ele afectadas, e o tenha honestamente decidido enfrentar – e nao escamotear como quem tenta tapar o sol com a peneira ou com uma mascara a fim de perpetuar os privilegios para o usufruto dos quais julga ter nascido, assim agredindo insensivelmente da forma mais violenta e atroz as verdadeiras vitimas das piores formas de racismo, discriminacao e exclusao social –, e’ capaz de o compreender na sua totalidade e profundidade e contra ele eficaz, descomplexada e construtivamente lutar, a bem das geracoes futuras.
*Tenho perfeita nocao de que, com isto, estou, mais uma vez, a entrar de cabeca num territorio minadissimo e que so’ me tem trazido dissabores pessoais desde que me vi forcada, por variadissimas razoes, a entrar no “debate racial” em Angola (que, quanto a mim, nao tem sido sequer um “debate” digno desse nome, ficando-se invariavelmente pelo arremessar de armas mais ou menos legitimadas pelo poder do estado – aqui entendido como o executor das vontades, preferencias e interesses da maioria economica, social e cultural, que nao coincide necessariamente com a maioria racial – contra quem “se atreva” a questionar o discurso ideologico-propagandistico, subsidiario de um certo lusotropicalismo, instituido para la’ dos respectivos BIs). Neste caso, de forma ainda mais ‘kamikaze’ do que o habitual, por mencionar particularidades pessoais do autor cujo texto aqui discuto… Valer-me-ha’ de alguma coisa dizer que tal mencao e’ tao legitima e pertinente quanto a que ele faz das origens de Crummell ou do por ele malfadado (e, atrevo-me a dizer, mal percebido) Panafricanismo? Muito provavelmente nao, mas, ainda assim (e mesmo guardando entre os meus botoes reais o 'aviso' contido na frase "(...) sou animal político o bastante para reconhecer, que há lugares em que a verdade prejudica mais do que ajuda”...), disponho-me a incorrer em todos os riscos inerentes a este meu (mais um!) atrevimento…
... KUMO ENVIDENTEMENTE!
Le-se aqui, entre outros ‘preciosismos’ de um "distinto compatriota" (embora seja pouco provavel que ele me considere sua compatriota, mas adiante…), [cujo BI angolano contera' os seguintes elementos: negro, angolano, nascido e criado em Portugal (um pais onde o racismo e’ supostamente apenas ‘imaginario’) ate' 1975, filho de um cabindense embarcadico e de uma caboverdiana e, tanto quanto julgo saber, (va-se la’ saber por forca de que ‘diferencas reais ou imaginarias’, mas admitamos que tambem apenas acidentalmente) casado com uma mulher branca (ou, apressemo-nos a dize-lo, ‘sem raca’, porque isso e’, evidentemente, ‘coisa real ou imaginaria’)]*, a proposito da questao da mencao da raca no BI em Angola, isto: “Ora, o racismo é precisamente entendido como sendo ‘a valorização generalizada e definitiva de diferenças reais ou imaginárias em proveito do acusador e em detrimento da vítima a fim de justificar uma agressão ou um privilégio’ [MEMMI (1993): 72].”
Pois eu ca’ pergunto aos meus reais e imaginarios botoes: “serao tais ‘diferencas reais ou imaginarias’ responsaveis pela barragem a entrada, em certos locais de Luanda e outras capitais provinciais (discotecas, restaurantes, hoteis e mesmo empresas), de determinados grupos de cidadaos nacionais com base na cor da sua pele? (agressao)”; “terao sido tais ‘diferencas reais ou imaginarias’ que fizeram com que, so’ para dar um pequeno exemplo, durante a minha recente estada em Luanda, tendo eu marcado pessoalmente por telefone uma entrevista com o PCA de uma determinada empresa (digamos apenas que ‘de raca nao negra’), o qual conheco de longa data – ele deveria, portanto, estar a minha espera – alguem (tambem ‘de raca nao negra’), nao obstante saber desse facto, manifestasse uma aflitiva preocupacao de que eu pudesse ser “barrada” na recepcao da tal empresa, coisa que nem sequer em algum momento me tinha passado pela cabeca?... nao que eu estivesse exactamente vestida, ou geralmente apresentada, como uma mendiga ou criminosa…(agressao)”; “serao tambem as mesmas ‘diferencas reais ou imaginarias’ que determinam a composicao racial dos empregados (constituida maioritariamente, senao exclusivamente, por individuos digamos que ‘de raca nao negra’) em grande parte das empresas e, mais particularmente, nas bancarias e petroliferas baseadas em Angola (veja-se, por exemplo, esta noticia)? (privilegio)”; “serao ainda tais ‘diferencas reais ou imaginarias’ que fazem com que a agenda dos autores das mais estridentes “homilias” ditas “anti-racistas” no pais contenham pouco mais do que apenas um “single issue”: a mencao da raca no BI – nao se vendo o seu empenho, ainda que pretenso, em quaisquer outras causas anti-racistas que afectam, contemporanea ou historicamente, directa ou indirectamente, real ou imaginariamente, a que seria suposto ser a ‘nossa consciencia colectiva’ enquanto seres humanos (valorização generalizada e definitiva de diferenças reais ou imaginárias – supostamente induzidas pela mencao da raca no BI e efectivamente institucionalizadas pela presuncao da falta generalizada e definitiva de capacidade, educacao, competencia, profissionalismo, etica, moral, cultura, e mesmo ‘elegancia’, dos ‘de raca negra’ (comprovando que, efectivamente, “é mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito”) – em proveito do acusador e em detrimento da vítima a fim de justificar uma agressão ou um privilégio)?”
E os meus botoes, reais e imaginarios, respondem-me zombateiramente: “e’ pedido a alguem o BI a entrada de discotecas e outros locais de lazer?”; “em que base e’ que o tal ‘alguem de raca nao negra’ previu que pudesses ser barrada a entrada da tal empresa onde tinhas entrevista previamente marcada com o teu conhecido PCA?”; “a admissao de empregados nas tais empresas que referes e’ determinada exclusivamente pelo que o seu BI contem?”; “e nao te lembras dos actos ostensivamente discriminatorios e de exclusao social praticados contra a generalidade dos ‘compatriotas de raca negra’ e sem ‘nomes sonantes’ no BI, que eram publicamente apelidados de “lixo de Angola”, no tempo em que o nosso doutor exercia funcoes na ‘nossa embaixada’ em Portugal – um tempo em que a raca nao constava dos nossos BIs – ao mesmo tempo que o 'nosso' embaixador naquele pais, no auge das manifestacoes da opiniao publica contra os actos de racismo praticados contra os negros la' residentes, afirmava publicamente 'nao acreditar que houvesse racismo em Portugal', quando naquelas circunstancias poderia diplomaticamente remeter-se apenas ao silencio?“; “frankamente, nao ves ke essa e’ uma falsa kestao com os termos completamente invertidos pelo acusador, e beneficiador do status quo, em detrimento da vitima?”…
Bom, tendo eu vivido e trabalhado nos ultimos anos predominantemente em dois paises:
- Um, a Inglaterra, no qual nao existe BI e a maioria dos cidadaos se opoem resolutamente a sua adopcao, mas onde, no entanto, a mencao, ainda que nao obrigatoria e a titulo confidencial, da raca, da etnicidade e do genero em determinados formularios de acesso (que nao preclude, de modo nenhum, a competicao) a oportunidades, seja de emprego ou servicos publicos de educacao, saude e habitacao, se tem revelado um efectivo, embora ainda nao perfeito, instrumento de monitorizacao e implementacao das existentes politicas de igualdade de direitos e oportunidades entre todos os cidadaos legitimos, independentemente da sua origem ou qualquer outro factor discriminante;
- Outro, a Africa do Sul post-apartheid, cognominado "a nacao arco-iris” em celebracao da sua diversidade etnico-cultural e racial, onde existe BI e neste e’ indicada a raca dos individuos (embora apenas por codigos numericos), sem que, no entanto, essa se tenha constituido numa “questao de maior”, se e’ que alguma vez foi sequer uma questao, entre os diversos grupos, maioritarios ou minoritarios, que coabitam nesta sociedade – a “questao de maior” para as minorias aqui tem sido a “accao afirmativa” a favor da maioria (a qual, no entanto, se tem revelado “discriminatoria e excludente” mais no seu imaginario do que na realidade social; tal como, alias, as “manias de perseguicao” das minorias racicas angolanas se teem revelado na pratica…), mas mesmo essa questao eles aqui teem enderecado de forma racional atraves, inclusive, de partidos politicos que a elegeram como seu “single issue”...
… Envidentemente ke vejo ke, em Angola, essa e’ uma falsa kestao!
Acontece, porem, que, ao contrario do que se passa na Inglaterra e na Africa do Sul, as minorias racicas em Angola, o que se deve tambem em alguma medida a precaridade do sistema democratico no pais, ainda estao longe de um grau de emancipacao cultural e politica que lhes permita, de moto proprio, assumirem-se descomplexadamente como tal e lutarem democraticamente pelo que consideram ser “seus direitos” – parece que a (ex)FpD e’ o primeiro partido politico no pais a encaminhar-se claramente nessa direccao, embora nao o tenha (ainda) assumido abertamente –, preferindo, em geral, viver a sombra de uma bananeira utopica, pretensamente plantada no pais pelo “homem novo que veio da mata, o qual tera’ erradicado a catanada a discriminacao racial contra a maioria dos nacionais e que so’ essa coisa da raca no BI veio trazer de volta”, muito provavelmente porque tal sombra esconde a realidade nua e crua: o tapete vermelho de privilegios sociais que nunca lhes foi retirado de debaixo dos pes desde o fim “oficial” do colonialismo... sob pena de quem sequer "se atrevesse a sonhar" com tal possibilidade ser "sumariamente executado", real ou virtualmente!
E, antes que os meus botoes voltem a zombar de mim, devo esclarecer o seguinte: nao faco a menor ideia de quais foram os fundamentos da inclusao da raca no BI em Angola e, para mim, para todos os efeitos praticos, efectivos e reais, isso sempre foi completamente irrelevante. Mais esclareco que considero que tal inclusao nao e’ em si mesma um acto necessariamente discriminatorio, uma vez que trata de forma igual os principais ‘grupos racicos’ existentes no pais (note-se que falo em ‘grupos racicos’, tal como eles sao geralmente entendidos em Angola, nao em ‘grupos etnicos’, o que permite que algumas minorias consideradas marginalizadas, como os Khoisan ou os albinos de ‘raca negra’ sejam integrados naqueles) e, se quisermos ‘parabolizar’ ainda mais a questao, poderiamos ate’ dizer que ela constitui a assumpcao e instituicao da tal “diversidade cultural numa sociedade pluriracial e multietnica, assumindo e respeitando as diferencas”, que o autor aparentemente pretende defender.
Discriminatorio e excludente seria se apenas a um ou a outro grupo fosse imposto tal quesito. Mas, mais importante do que isso, o factor operativo na pratica do racismo nao e’ a simples alusao a ‘raca’, mas o que os individuos fazem da dita – qualquer que seja a definicao, ou negacao, que se lhe atribua. Dito de outro modo, a mencao da raca no BI apenas tem um efeito discriminatorio se na sociedade em que ele e’ usado estiverem em actuacao, sem qualquer escrutinio politico ou social pelos cidadaos, factores objectivos e subjectivos que permitam a discriminacao e intolerancia racial e a exclusao social nelas baseada (essa a principal razao, por exemplo, da oposicao dos Britanicos a sua introducao naquele pais, por ter sido proposta pelo governo no post-Setembro 11, no contexto da "guerra contra o terrorismo"...) – e toda a evidencia indica que tais factores nao so’ existem na sociedade angolana, como operam predominantemente em desfavor da maioria negra.
Ora, o que alguns paises do mundo actual, e em particular os que acima menciono, compreenderam a custa de muitas lutas anti-racistas durante decadas, e’ que nao e’ apenas um documento que substancia o status economico, social, etnico, racial ou cultural do seu titular e que incluir ou nao a raca no BI, o qual, ademais, contem a foto do titular, nao e’ mais do que uma redundancia (no caso da inclusao) ou operacao cosmetica (no caso da omissao ou remocao). O que esses paises adquiriram como ‘consciencia colectiva’ atraves de tais lutas, foi que o racismo e’ muito mais do que “skin-deep”, isto e’, e’ um fenomeno psicologico, socio-cultural e historico muito mais profundo e complexo do que apenas a designacao da cor da pele dos individuos, o qual apenas politicas anti-discriminatorias eficazmente monitorizadas podem contrariar de forma efectiva, sendo que tal monitorizacao podera’ eventualmente implicar a mencao da raca em alguns documentos, se tal for considerado, de forma responsavel, socialmente util e pertinente num determinado contexto historico e demografico, desde que o sistema politico vigente contenha mecanismos impeditivos de que tal mencao seja usada em detrimento de quem quer que seja – o que idealmente deveria ser o caso em Angola, a menos que tenhamos que admitir que estamos efectivamente perante “um estado racista”. E enquanto tais politicas forem totalmente inexistentes, ou puramente ignoradas em Angola, e’-me, envidentemente, kompletamente indiferente ke o elemento ‘raca’ seja, ou nao, retirado do BI.
Mas, mais importante do que tudo isso, para mim o racismo, tal como todas as outras formas de discriminacao, nao e’, nunca foi, uma questao teorica – e’ uma questao pratica, uma realidade vivida frente aos nossos olhos, com efeitos imediatos e inter-geracionais e que, consequentemente, exige medidas praticas, nao teoricas, para a sua erradicacao. E cada vez mais me convenco de que apenas quem o tenha, real e efectivamente, sofrido na pele e na alma, vendo a sua vida quotidiana e perspectivas futuras completamente por ele afectadas, e o tenha honestamente decidido enfrentar – e nao escamotear como quem tenta tapar o sol com a peneira ou com uma mascara a fim de perpetuar os privilegios para o usufruto dos quais julga ter nascido, assim agredindo insensivelmente da forma mais violenta e atroz as verdadeiras vitimas das piores formas de racismo, discriminacao e exclusao social –, e’ capaz de o compreender na sua totalidade e profundidade e contra ele eficaz, descomplexada e construtivamente lutar, a bem das geracoes futuras.
*Tenho perfeita nocao de que, com isto, estou, mais uma vez, a entrar de cabeca num territorio minadissimo e que so’ me tem trazido dissabores pessoais desde que me vi forcada, por variadissimas razoes, a entrar no “debate racial” em Angola (que, quanto a mim, nao tem sido sequer um “debate” digno desse nome, ficando-se invariavelmente pelo arremessar de armas mais ou menos legitimadas pelo poder do estado – aqui entendido como o executor das vontades, preferencias e interesses da maioria economica, social e cultural, que nao coincide necessariamente com a maioria racial – contra quem “se atreva” a questionar o discurso ideologico-propagandistico, subsidiario de um certo lusotropicalismo, instituido para la’ dos respectivos BIs). Neste caso, de forma ainda mais ‘kamikaze’ do que o habitual, por mencionar particularidades pessoais do autor cujo texto aqui discuto… Valer-me-ha’ de alguma coisa dizer que tal mencao e’ tao legitima e pertinente quanto a que ele faz das origens de Crummell ou do por ele malfadado (e, atrevo-me a dizer, mal percebido) Panafricanismo? Muito provavelmente nao, mas, ainda assim (e mesmo guardando entre os meus botoes reais o 'aviso' contido na frase "(...) sou animal político o bastante para reconhecer, que há lugares em que a verdade prejudica mais do que ajuda”...), disponho-me a incorrer em todos os riscos inerentes a este meu (mais um!) atrevimento…