Acho a Swazilandia um dos paises mais bonitos, simpaticos e acolhedores da Africa Austral. Dizendo isto, tenho obviamente em mente que, sobretudo em termos politicos, nem todos os Swazis, em particular os grupos contestarios do poder real, assim o veem. Mas, pretendo aqui falar de um dos aspectos mais fascinantes da cultura daquele pais, deixando de parte a politica: a manutencao das suas praticas e rituais tradicionais.
Quando la’ estive, aqui ha’ uns anos, tive a honra de ser presenteada com representacoes de alguns dos mais importantes desses rituais, sempre incluindo dancas, feitas por grupos culturais tradicionais patrocinados pelo governo, que o fazem regularmente para assistencias compostas principalmente por visitantes estrangeiros e alunos das escolas primarias nacionais. Entre esses rituais e dancas nao constava, por razoes que a seguir se tornarao obvias, o Ncwala (tambem escrito Incwala) – o mais importante cerimonial tradicional nacional, seguido do Umhlanga ou Reed Dance, tambem conhecido como “Danca ou Cerimonial das Virgens”, que se realiza todos os anos em Agosto/Setembro.
O Ncwala sagrado, ou “Cerimonia dos Primeiros Frutos”, que esta’ neste momento a decorrer naquele pais, tem lugar em finais de Dezembro/principio de Janeiro de cada ano e destina-se a renovar a forca do Rei e da Nacao Swazi para o ano seguinte. Tendo visto aqui o significado e os rituais do Kwanzaa, e’-nos possivel estabelecer paralelos significativos entre este e o Ncwala, nomeadamente no que diz respeito ao periodo do ano em que tem lugar, a sua duracao, o lugar central dos “primeiros frutos”, a atribuicao de significados especificos a cada um dos dias que os compoem, o regresso simbolico as terras ancestrais e a agua (do mar e dos rios) – esta a um nivel menos obvio, ou directo, porquanto a ligacao entre o cerimonial do Kwanzaa e o rio Kwanza e’ aqui, salvo melhor informacao, apenas especulativa.
Nao e’ feito qualquer anuncio da data oficial do dia principal do Ncwala. E’ o quarto dia depois da lua cheia mais proxima do dia mais longo, 21 de Dezembro. O Ncwala significa “cerimonia dos primeiros frutos”, mas a prova da nova colheita pelo Rei e’ apenas um aspecto entre muitos neste longo cerimonial, tambem chamado “Cerimonia do Reinado”: quando nao ha’ Rei, nao ha’ Ncwala. Constitui alta traicao a realizacao do Ncwala por qualquer outra pessoa. Todos os Swazis podem participar nos actos publicos do Ncwala, especialmente no seu climax, o quarto dia do Grande Ncwala. As figuras centrais sao o Rei, a Rainha Mae, as esposas reais e seus filhos, os governadores reais (indunas), os chefes, os regimentos guerreiros e os bemanti ou “gente da agua”.
Na lua cheia de Novembro, os bemanti partem da casa da Rainha Mae em dois grupos: um maior que se dirige a kaTembe (Catembe, sul de Maputo – considerada a terra ancestral da Nacao Swazi), para recolher agua do mar e um grupo mais pequeno que vai recolher agua dos principais rios nacionais. Os bemanti regressam a capital real com a lua nova de Dezembro. Tem entao lugar o Pequeno Ncwala, marcado por dois dias de danca, musica e rituais que sao taboo durante o resto do ano. Quatorze dias depois comeca o Grande Ncwala, que assim decorre:
Primeiro Dia: Apanha do Lusekwane
Rapazes solteiros convergem para a aldeia da Rainha Mae, de onde o Rei lhes ordena que marchem cerca de 50 kilometros ate’ Egundvwini para cortar ramos de lusekwane (um arbusto local) sob a luz da lua cheia.
Segundo Dia: Deposicao do Lusekwane
Os rapazes regressam por volta da meia noite e depositam os seus ramos de lusekwane num enclausuramento especial no curral real. Enquanto os rapazes descansam da sua jornada, os mais velhos entrancam os ramos entre os postes do inhlambelo – o sanctuario privado do Rei.
Terceiro Dia: Dia do Touro
Manha – jovens rapazes cortam ramos do imbondvo negro (outro arbusto local) que sao adicionados ao inhlambelo.
Tarde – enquanto o Rei recebe os remedios tradicionais no seu santuario, um touro negro e’ aticado para fora do curral. Os rapazes do lusekwane agarram e dominam o touro e retornam-no ao santuario. Ai e’ sacrificado e dele sao retirados ingredientes rituais para o tratamento do Rei.
Quarto Dia: O Comer dos Primeiros Frutos e o Lancamento da Cabaca
O dia principal – todos os principais particiantes realizam um cerimonial espectacular dentro do enclausuramento, onde o Rei e regimentos guerreiros aparecem vestidos em indumentaria feita de peles de boi e leopardo e envergando os seus aderecos de guerra. O Rei trinca e cospe certas plantas da primeira colheita no seu inhlambelo. Em seguida ele come parte do interior de uma cabaca (abobora) sagrada, luselwa, e lanca-a para fora do inhlambelo, onde e’ apanhada com um escudo negro por um dos rapazes do lusekwane. So’ depois deste ritual e’ permitido ao resto dos Swazis consumirem as novas colheitas.
Quinto Dia: Dia de Abstinencia, Descanso e Meditacao
O Rei permanece em reclusao na “grande cubata”. Os bemanti circulam pela capital real fazendo cumprir as regras deste dia: nenhum contacto sexual, tocar de agua, uso de adornos, sentar em cadeiras ou esteiras, apertar de maos, cossar-se, cantar, dancar ou galhofar.
Sexto Dia: Dia do Tronco
Os regimentos guerreiros marcham para uma floresta e regressam com troncos de lenha. Os mais velhos preparam uma fogueira no centro do enclausuramento. Nele sao queimados certos objectos rituais, marcando o fim do ano velho, enquanto os participantes principais dancam e cantam cancoes que sao taboo durante o resto do ano. O Rei mantem-se em reclusao ate’ a lua cheia seguinte quando, para significar o inicio do novo ano, os ramos do lusekwane sao removidos e queimados numa monumental fogueira, sendo entao os espiritos dos ancestrais invocados para a apagar com agua da chuva. O Ncwala termina com um grande banquete.
E assim nasce um Ano Novo numa Nacao Africana!