Domingo e’, a todos os titulos, um dia especial. Tentar justificar essa evidencia e’ praticamente um “no brainer”, ou seja, e’ como tentar-se justificar porque que a chuva molha. Mas, digamos que e’ especial porque nao se trabalha, a excepcao daquelas ocupacoes – formais, como policia e bombeiros, ou informais, como ‘blogging’ – que a isso nos obrigam, ou naquelas sociedades, culturas e religioes que respeitam o “Sabath” literalmente ao Sabado. E’ tambem o dia em que, seja para uma ida a missa, ao mercado, a baixa da cidade, ao centro comercial, ou a uma visita a casa de familiares ou amigos, tentamos sempre apresentar-nos no nosso melhor – em termos de indumentaria ou comportamento. E nao ha’ ninguem melhor do que as mulheres para evidenciarem essa realidade domingueira.
Transportando essa evidencia para a vida mais quotidiana, encontro que… e’ muito dificil entender as mulheres (… nao estou sozinha nisto, sei-o bem: praticamente todos os homens, secundando Freud, disseram-no e continuam a dize-lo…). E isto muito simplesmente porque, pelo menos na vida social, elas tendem maioritariamente a comportar-se como e a vestir-se com as suas poses e vestimentas “domingueiras” que, a uma observacao mais proxima e/ou cuidada, nos revelam que nao passam disso mesmo: comportamento e vestes domingueiras… nada mais quotidiano, nada mais substantivo, nada mais profundo. Falar (de) assim, quando eu sou mulher e nunca me conheci outro genero ou inclinacao sexual, “soa mal” e e’ “politicamente incorrecto” – eu sei. Mas tambem sei que dificilmente havera’ inimigo pior de uma mulher do que outra mulher… dificilmente havera’, pelo menos em certas profissoes e niveis hierarquicos, pior colega de trabalho de uma mulher do que outra mulher. Sei tambem que nao estou sozinha nisto: ouvi-o de outras mulheres, desde ministras a empregadas domesticas, passando por escritoras, escriturarias e profissionais universitarias.
E sei-o, tambem, por experiencia propria: nao ha’ muito tempo, vi-me forcada a abandonar intempestivamente a que talvez tenha sido a melhor posicao profissional da minha vida por uma questao de principio: nao consegui encontrar espaco, ou instrumento, no meu vasto “arsenal” de defesas contra o sexismo e a discriminacao, para tolerar um ataque pornografico, completamente nao provocado (se e’ que e’ possivel “provocar-se” tal coisa…) e “out of the blue”, por parte de um colega de trabalho (por sinal, angolano)… e enquanto o perpetrador encontrava apoio entre os poderosos chefoes masculinos, eu vi-me completamente “desertada” por todas as colegas femininas, incluindo as igualmente poderosas, bem falantes, articuladas, feministas e activistas “burocratas do genero”… E estas nao eram daquelas “de trazer por casa” nao: eram precisamente das que andam pelas reunioes de alto nivel em plataformas internacionais a falar em nome das mulheres Africanas! (But then, again, in their “more African than thou” postures, I’m not African anyway and, presumably, I should have felt exhilarated, honoured and over the moon for having attracted that sort of unwanted attention… ‘cause, presumably, I should be “liberated enough” to accept pornography as a “pleasurable and normal thing”, even in the workplace, when it causes me nothing but disgust and distress…).
Anyway, antes que isto me leve ‘a tese que sempre quis escrever sobre “mulheres…”, mas que sei que nunca escreverei, porque e’ um assunto demasiado pesado para o meu arcaboico, deixem-me encurtar caminho: ja’ sabia bastante sobre a “verdadeira realidade” da “condicao feminina”, por a ter experimentado, vivido e escrito sobre (o artigo em anexo, escrito e publicado no Semanario Angolense ha’ cinco anos atras, e’ apenas disso uma amostra), mas nenhuma das minhas experiencias anteriores me tinha dito tanto sobre essa realidade como esta experiencia de ‘blogging’ nos ultimos meses… Talvez porque, sobretudo sob o anonimato ou mascaras e bandeiras de qualquer especie ou cor, e’ mais facil revelarem-se verdadeiras indumentarias, comportamentos e… identidades. Assim, este blog trouxe-me, ate’ agora, pelo menos duas experiencias ineditas: ver-me confrontada com, atacada, insultada, embaracada e coisificada publicamente por “mulheres” capazes de desferirem ataques pornograficos e violacoes, senao fisicas (e talvez apenas porque disso nao teem possibilidade…), certamente psicologicas e morais, contra outras mulheres, ‘apenas porque lhes da’ na real gana’, e “conhecer” mulheres com inexcediveis e vertiginosos niveis de arrogancia ignorante, racismo, xenofobia, elitismo, soberba e um misto de complexos de superioridade e de inferioridade, que nao sabia antes sequer possivel existirem! Certamente, tambem pude verificar, ate’ agora, excepcoes ‘a regra: pelo menos duas mulheres, so’ para mencionar as ‘bloggers’ que consistentemente se teem manifestado acima de comportamentos mesquinhos, invejas e ciumeiras irracionais, o teem demonstrado atraves das suas diversas participacoes neste blog. Mas receio bem que sejam pouco mais do que as excepcoes que confirmam a regra…
Essas experiencias ineditas, quanto mais nao seja, teem-me deixado a perguntar-me: onde e’ que andavam certas mulheres, em finais da decada de 70, principios da de 80, quando, em Luanda, tanto quanto eu tinha que marcar lugar na bicha para a carne, marcava lugar na bicha da livraria ‘Mensagem’, para poder comprar um exemplar da revista portuguesa “Mulheres” – onde tive os primeiros serios contactos com as lutas das “tres Marias”, o conceito de “Matria” da Natalia Correia (de quem, mais tarde, tive o prazer de ouvir cantar o “Summertime”, que aqui podemos ouvir tao eloquentemente na “voz” de Charlie Parker, numa casa de fados de Lisboa), ou as poesias de Sophia de Mello Breyner ou Florbela Espanca - essa geracao de Mulheres que rejeitavam liminarmente, entre outros "diminutivos", designacoes como "poetisa"? Ou quando, mesmo depois de ter conseguido assegurar uma subscricao que me poupava da bicha mensal (pelo menos teoricamente, porque meses havia em que chegava la’ e mesmo para os subscritores a revista estava “esgotada”…), me lancei, por minha conta e risco, em busca do entendimento possivel das almas de Sylvia Plath, Virginia Woolf, Marguerite Yourcenar, Elsa Triolet ou Simone de Beauvoir… Ou ainda, quando, depois de todos os desencantos, descobri Noemia de Sousa, Maya Angelou, Julianne Malveaux, Alice Walker, Toni Morrison, Bessie Head ou Wangari Mathaai?
Onde andavam essas mulheres que nunca apreenderam o sentido de oprobio imbuido na pratica de se “fazerem ‘a vida” atraves de “lutas de galinheiro”, sem qualquer racionalidade a nao ser demonstrarem a sua “superioridade” em disputas pelo que supoeem ser e pretendem fazer passar por “ideias e conceitos”, mas que na verdade nao passam de “preconceitos reorganizados” para lhes servirem como armas de arremesso em competicoes imbecis e irracionais, em espacos virtuais, pela atencao de homens, por nenhuma outra razao objectiva senao obterem notoriedade e tentarem impor-se como “unicos seres pensantes” (normalmente por nenhuma "obvia razao" senao a cor da sua pele, embora tambem haja excepcoes a essa "regra"...) nos circulos em que se movimentam? Onde?! Em que mundo vivem essas mulheres completamente incapazes de se emanciparem dos mais retrogrados e ignorantes preconceitos e praticas que, com as suas vestes e comportamentos domingueiros, impingem, frequentemente atraves de alguns homens suficientemente “desprevenidos” para tal, sobre outras mulheres – via de regra, as mais desprotegidas economica, social e politicamente – fazendo retroceder a luta das mulheres pela igualdade de generos pelo menos um seculo? Onde?!
Nao sei, nem me interessa particularmente saber. Quanto mais nao seja porque todas essas interrogacoes tambem me deixam a perguntar-me: porque que eu nao torno a minha vida "mais facil" comportando-me da mesma maneira? Ja’ ouvi de pelo menos dois amigos meus, sem qualquer relacao entre si, esta afirmacao: “tu pensas muito…”! Nao me lembro de lhes ter dado qualquer resposta porque tal afirmacao apenas me remete a pensar mais ainda: sera’ que a minha “inocencia” em tecnicas e tacticas “tipicamente femininas” se deve ao facto de ter passado tantos anos (...num mundo em que, curiosamente, a maioria das mulheres, e em particular as que se demonstram mais afoitas e talentosas em desferirem ataques cobardes e inescrupulosos contra mulheres como eu, nao se atrevem a entrar...) a resolver complicadas equacoes econometricas, a tentar encontrar “Nash equilibria” para os mais diversos ‘conumdrums’ da historia, da cultura, da sociedade, do desenvolvimento economico ou da politica internacional, a aprimorar o meu jogo de xadrez, ou a cultivar e a desenvolver a capacidade de pensamento estrategico sobre os mais diversos desafios da condicao humana e da vida quotidiana num mundo, mais frequentemente do que nao, hostil? Nao sei. Fico-me com o Bob Marley: “What you gotta… that I don’t know! I’m trying to wonder, wonder… wonder why… wonder, wonder why you act so”!
Mulheres…
PS: No
artigo em anexo, faco mencao particular 'as maes solteiras e nisso remeto-me, e aos leitores, ao que tem estado a ocupar o tempo de milhoes de leitores da
J.K. Rowling, essa “fab (former) single mom”, autora de “Harry Potter”, neste domingo: o ultimo volume da serie, espectacularmente lancado aqui em Londres ha’ dois dias. Sinto-me proxima do mundo (antigo) dela por razoes muito particulares: somos contemporaneas da “cruzada do Blair contra as maes solteiras”; ela, enquanto mae solteira a viver de “benefits” quando tal “cruzada” se comecou a manifestar, comecou a escrever a serie num café na area onde eu vivo e onde me sentei pela primeira vez num café de Londres… apenas a imensa fortuna que ela acumulou na ultima decada (e a cor da pele?) nos separa.