Paul Krugman foi, ha’ alguns dias, laureado com o
Premio Nobel de Economia de 2008, pela sua “analise de padroes de comercio e localizacao da actividade economica”.
Ele e’, entre outras coisas (e.g.
blogger e articulista do The New York Times), citado entre os notaveis
alumni e membros associados do staff da
London School of Economics, onde me lembro de ter assistido a uma das suas
extra-curricular lectures e a qual tenho como minha
alma mater – nao exactamente, ou apenas, por ser uma das escolas de Economia melhor conceituadas do mundo ou, pelo menos, a escola de Economia mais conceituada dentre as que frequentei, mas fundamentalmente porque foi ela que me libertou como ‘ser pensante’, que validou as questoes e inquietacoes com que, de outras latitudes, para ela entrei, que me facultou os instrumentos com que as pensar, repensar e reequacionar.
Nao acidentalmente, o seu nome consta da bibliografia da minha tese de Mestrado naquela escola (Krugman P.,
‘Regionalism versus multilateralism: analytical notes’), como um dos autores incluidos numa das obras a que mais recorri enquanto a preparava,
New Dimensions in Regional Integration (Cambridge, Cambridge UP, 1993), e tambem das referencias
deste meu artigo.*
A atribuicao do Nobel a Krugman acontece num momento em que a administracao Bush, da qual ele se notabilizou como um dos maiores criticos, parece cada vez mais anteceder a aurora de uma possivel administracao Obama (de notar, no entanto, que Krugman
nao e’ exactamente um fan de Obama) e, crucialmente, num momento em que
alguns intemporais prenunciadores da derrocada do sistema capitalista parecem nao se poupar esforcos para encontrar na actual crise financeira e crediticia global os fundamentos das suas crencas politico-ideologicas de todos os tempos… No que poderao ate’ ter alguma razao, mas conviria que nesse debate se separassem motivacoes ideologicas de fundamentacoes cientificas.
Nao me atreveria, em nenhuma circunstancia, a tentar falar por Krugman em suposta replica a alguns dos seus ‘ocasionais co-optadores’. Diria apenas que convem sempre ter em mente que ha’ alguma diferenca entre economistas e jornalistas e/ou analistas politicos, entre
bloggers e academicos e entre criticos da administracao Bush e detractores do capitalismo enquanto sistema economico. Talvez abra uma excepcao para sugerir que o chamado ‘fordismo’ – e sera’ particularmente interessante notar aqui que Krugman e’ ‘Ford International Professor of Economics’ – nao e’, ou foi, pelo menos do meu ponto de vista, exactamente um ‘modelo capitalista’, mas apenas um ‘metodo de producao’ - o das linhas de montagem, da producao massiva e das economias de escala - adoptavel por qualquer sistema economico (que, talvez convenha lembrar, e' composto em qualquer sociedade moderna por pelo menos tres sectores, grosso modo assim definidos: o primario - agricultura e materias primas/industrias extractivas, o secundario - industria transformadora e o terciario - servicos, incluindo os financeiros, sendo as suas respectivas dimensoes determinadas em geral pela dotacao de recursos e factores de cada economia e pelo seu relativo nivel de desenvolvimento), independentemente da ideologia a ele subjacente; 'metodo de producao' esse (originado no sector secundario da economia) que sempre coexistiu com o 'capitalismo flexivel' das bolsas de valores e mercados de capitais em geral (sector terciario), bem como com graus diferentes de regulacao economica e/ou intervencao estatal e, o que e' talvez mais relevante para a crise actual, sobreviveu, tal como o sistema capitalista, a
Grande Depressao dos anos 30, que foi, pelo menos ate' agora, bastante pior do que esta e que aconteceu muito antes dos anos 80 do seculo XX...
Mas sobre tudo isso Krugman diz melhor numa entrevista ao Editor-em-Chefe do
Nobelprize.org, curiosamente de nome Adam Smith, da qual decidi traduzir para aqui os extractos que se seguem.
[AS] Parabens pelo premio. Que altura para se receber o Premio para as Ciencias Economicas!
[PK] Sim. Estou um pouco, de certo modo sentindo que nao tenho tempo para isto. E' muito bizarro.
[AS] Esta’ neste momento em Washington para reunioes, correcto?
[PK] Sim, estou. Para uma reuniao do Grupo dos Trinta, que e’ um grupo ao qual pertenco, incluindo membros de bancos centrais e por ai fora, associada as reunioes do Banco Mundial/FMI neste momento. E deveremos ouvir de
Ben Bernanke e
Jean-Claude Trichet (…).
[AS] Um momento critico, portanto. E’ muito bem conhecido, certamente nos EUA, como colunista,
blogger e jornalista, mas no entanto o premio foi atribuido ao trabalho que fez em decadas anteriores.
[PK] Sim.
[AS] Gostaria de focar nisso inicialmente e depois falar sobre coisas mais recentes se me for possivel. Portanto, o Comite’ (Nobel) cita a sua ‘nova teoria do comercio’, que desenvolveu nos seus ‘papers’ de 1979 e 1980, essencialmente descrevendo como o comercio funciona num mundo em que paises produzem e usam os mesmos bens. E’ isso correcto?
[PK] Os paises produzem bens similares. Quero dizer, e’ realmente uma estoria sobre paises que nao sao muito diferentes em termos da sua tecnologia, em termos dos seus recursos, mas que apesar disso acabam por especializar-se em bens diferentes que poderao estar relacionados mas nao sao exactamente iguais, e que fazem isso para tirar vantagem das vantagens da producao em grande escala.** Portanto, a questao crucial e’ realmente a similaridade entre esses paises. E’ uma explicacao do porque que os paises comerciam entre si mesmo quando teem o mesmo clima, os mesmos recursos e a mesma tecnologia.***
[AS] E o que e’ que uma base teorica como a que desenvolveu lhe permite fazer?
[PK] Bom, de facto – primeiro e acima de tudo ela permite-nos pensar claramente. Poderemos descrever – e’ uma coisa um tanto estranha, mas neste momento eu posso explicar em linguagem que soa como simples Ingles os componentes essenciais da teoria. Mas eu nao poderia, de facto faze-lo antes de ter feito os modelos. Isso requereu os calculos matematicos para chegar ao Ingles simples. Portanto, em primeiro lugar, ha’ isso. Ha’ uma enorme clarificacao que tem lugar. Em seguida, este tipo de coisa pode ser, e ja’ foi usada, como base de trabalho empirico. Uma vez que se tenha um claro ‘statement’ de como as varias pecas encaixam umas com as outras, pode-se usa-lo para avaliar o ‘impacto de bem-estar’ de diferentes politicas comerciais, portanto tudo isto e’ necessario. Mas numa fase inicial a questao e’ a de ‘como pensamos sobre esta coisa claramente?’
(…)
[AS] Sim, sim, muito bem colocado. Voltando ao seu jornalismo, ve isso como uma consequencia natural do seu trabalho na academia, essa sua viragem para uma mais, digamos, abordagem publica do que faz?
[PK] Em certa medida foi. Quero dizer, eu acredito que a tarefa de reduzir um problema intelectual a sua essencia, o que e’ muito do que esta’ envolvido em construir modelos, e a tarefa de descobrir como falar sobre um problema bastante complexo numa linguagem bastante simples e natural estao relacionados. Eu sempre senti que o que faco quando tento explicar, digamos a crise financeira em 800 palavras e o que faco quando tento fazer um modelo para a crise financeira em meia duzia de equacoes sao muito o mesmo tipo de esforco.**** Dito isso, eu estava a fazer um bom bocado desse tipo de traducao antes de trabalhar para o The New York Times, e isso continua a ser uma das coisas que eu faco no The Times. Nao tinha previsto que acabaria num ambiente tao politicamente carregado, onde sinto que preciso de fazer mais do que explicar, mas isso pareceu-me natural. Eu passei de escrever pequenos modelos para escrever pequenos artigos. Parece-me uma transicao bastante natural.
[AS] O fisico Ernest Rutherford, acho, sempre disse que voce nao deveria estar a fazer algo que nao pudesse explicar ao seu tabaconista, portanto suponho que seja a mesma ideia.
[PK] Sim, quer dizer, ha’ aquela coisa de Alfred Marshall, ele argumentava que mesmo no trabalho profissional depois de se ter compreendido uma questao devia-se queimar as equacoes, coisa em que nao acredito, mas deve-se ser capaz de explicar o que se passa tanto quanto possivel sem o aparato.
[AS] Sim. Voce esta’ muito envolvido politicamente neste momento, ou pelo menos tem uma posicao politica sobre as questoes. Sera’ isso tambem uma consequencia necessaria de tentar explicar as coisas?
[PK] Nao sei. Em certa medida. Ponhamos as coisas deste modo, eu fui um critico da administracao Bush desde muito cedo porque acreditava que eles estavam a ser desonestos, e a razao que me levou a essa conclusao muito antes de outros foi realmente porque me parecia obvio que eles estavam a mentir sobre aritmetica orcamental. Portanto, num certo sentido, o meu treino em economia jogou ai um papel. Mas, obviamente, eu fui de alguma forma para alem do meu papel como economista na minha coluna, mas, hey, economistas tambem sao pessoas, tambem sao cidadaos, e teem opinioes politicas.
(...)
*Portanto se, por hipotese absurda, eu fiz um "mestrado em imitacao" , posso orgulhar-me de ter tido a possibilidade de "imitar" pelo menos dois Nobeis da Economia, o outro foi Douglass North.
**i.e. do ‘fordismo’, acrescentaria eu numa nota a margem.
***Introduziria aqui uma outra nota para chamar atencao para dois aspectos:
i. a relativa ruptura que esta abordagem significa em relacao as teorias das vantagens absolutas e comparativas de Adam Smith e David Ricardo respectivamente, ou seja com a “Teoria Classica do Comercio Internacional” e, por extensao, com a “Teoria Economica Neo-Classica” (pontificada, entre outros pelo modelo Heckscher-Ohlin-Samuelson) tao frequentemente ‘mal misturada’ com o que vulgarmente se conhece como ‘neo-liberalismo’;
ii. como esta abordagem pode ser suportada pelas estatisticas do comercio intra-continental Africano que os graficos que inclui neste artigo demonstram, em qualquer das suas versoes – devo dizer que a actual magnitude desse comercio, apesar de ainda longe da desejavel, foi para mim uma constatacao bastante positiva, mas isso sera’ provavelmente materia para outro artigo.
****Isto foi o que me propus fazer nesta serie.
*[First posted 24/10/08 - "Repostado" em referencia a recente visita de Krugman a Angola, onde uma das suas afirmacoes mais destacadas tera' sido "Um país com carências na saúde e na educação não pode ser desenvolvido". Esse lembrete fez-me revisitar este artigo, onde uma das respostas que dou a pergunta "que fazer?" e' a atribuicao das maiores fatias do orcamento a Saude e a Educacao.]